Esta é a teia de ligações que envolveu e derrubou António Costa

9 nov 2023, 07:00
António Costa (Tiago Petinga/Lusa)

É preciso olhar para o caso que ditou a demissão de António Costa como um polvo. Três tentáculos distintos onde se repetem, muitas vezes, os mesmos protagonistas

Ao clicar nos pontos da infografia acima, vai perceber que protagonistas estão ligados entre si e aos principais negócios na origem da investigação. As explicações desta densa teia seguem abaixo.

1: O BRAÇO DO LÍTIO

João Galamba é a peça-chave deste braço da investigação sobre a exploração de lítio em Montalegre. Nele, entra depois um ex-secretário de Estado socialista que terá sido contratado precisamente para pressionar outros membros do Governo. Mas não era o único: a investigação revela que o gestor Ricardo Pinheiro, da LusoRecursos, procurava também essa influência junto de outros socialistas.

Tudo ganhou escala quando se revelou que a empresa que ganhou a exploração de lítio em Montalegre durante 50 anos não era a mesma que tinha ganho a prospeção. A lei diz que só pode candidatar-se à exploração definitiva se tiver ganho esses direitos de prospeção. Mas eles foram entregues a uma outra LusoRecursos, constituída três dias antes da assinatura do contrato de exploração, na sequência de uma zanga entre sócios.

O Governo, e nomeadamente João Galamba, secretário de Estado da Energia, foi avisado dessa irregularidade e de que o processo iria ser impugnado em tribunal. O governante nunca conseguiu explicar por que motivo, nestas circunstâncias, avançava um negócio que podia valer 380 milhões de euros. À altura, o ministro do Ambiente era João Pedro Matos Fernandes - o protagonista do segundo braço da investigação.

O outro nome do PS relevante neste caso  é Jorge Costa Oliveira, ex-secretário de Estado da Internacionalização, que acabou contratado pela LusoRecursos como consultor financeiro, empresa que tinha sede no edifício da junta de Montalegre, socialista.

Ora, Costa Oliveira pediu a demissão na sequência do caso dos bilhetes do Euro2016, conhecido como GalpGate, que também envolveu Vítor Escária (chefe de gabinete de António Costa e antigo assessor de José Sócrates) e Rui de Oliveira Neves (empresário da Start Campus, fundamental no terceiro braço da investigação). Já lá vamos a esses protagonistas. O Ministério Público considera que Costa Oliveira foi contratado informalmente para pressionar membros do Governo e forçar a exploração à LusoRecursos.

Em setembro passado, a Agência Portuguesa do Ambiente, liderada por Nuno Lacasta, agora arguido, aprovou a exploração definitiva. O Ministério Público suspeita que terão ocorrido irregularidades na aprovação da Declaração de Impacto Ambiental, que terão tido origem em contactos de representantes da LusoRecursos junto de decisores políticos, como João Galamba. Essa posição teria de vir da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), liderada por Nuno Lacasta, arguido neste processo.

É durante o inquérito-crime aberto no DCIAP que começaram as escutas. Nelas surgem os nomes de António Costa e do seu chefe de gabinete. O primeiro-ministro seria apresentado como um desbloqueador de "procedimentos".

Há depois a concessão de lítio em Boticas, com suspeitas de um alegado favorecimento à Galp, com contactos entre João Galamba, João Pedro Matos Fernandes e Rui de Oliveira Neves, que à altura era diretor de assuntos jurídicos da petrolífera (e que volta a ser determinante no terceiro braço desta investigação).

Galamba é uma das peças-chave desta investigação (Lusa)

2: O BRAÇO DO HIDROGÉNIO

O antigo ministro do Ambiente, o socialista João Pedro Matos Fernandes - que, apesar de ter o seu nome referido no processo, não é arguido - protagoniza este segundo braço da investigação. Aqui, está em causa a exploração de hidrogénio. Galamba, à altura secretário de Estado da Energia, deu a luz verde que acabou a excluir um potencial candidato, alegadamente favorecendo um consórcio onde entrava a Galp. Também o chefe de gabinete de Costa está envolvido.

Os factos remontam ao início de 2020. Matos Fernandes e o seu subordinado terão favorecido o consórcio formado pela Galp, EDP e REN (com um projeto chamado H2Sines), em prejuízo do Resilient Group do empresário holandês Marc Rechter, que desejava a construção de um “cluster” entre os Países Baixos e Portugal para a produção de hidrogénio verde. O projeto dava direito a fundos europeus milionários – uma área em que Vítor Escária, ainda antes de ser chefe de gabinete, assessorou António Costa.

Um primeiro sinal foi a contratação de Carlos Calder, ex-adjunto de Matos Fernandes, por parte de Rechter. Segundo o Ministério Público, este procuraria aplicar a vontade de Matos Fernandes e Galamba, para impor a Galp, EDP e REN no negócio.

Segundo a investigação, em julho de 2020, o projeto de Rechter é excluído por Galamba da lista de propostas que o Governo submeteu à Comissão Europeia para o estatuto de “Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI)”, que poderia garantir financiamento comunitário na íntegra. Os procuradores entendem que o holandês terá sido prejudicado pelos governantes, com o fundamento de que o seu consórcio estaria identificado com o projeto da Galp, EDP e REN.

Mais tarde, a empresa Martifer e a dinamarquesa Vestas passaria a integrar o projeto H2Sines. Ora, Vítor Escária foi administrador não-executivo deste grupo Martifer.

Segundo o Ministério Público, depois de sair do Governo, Matos Fernandes começou a colaborar com a Copenhagen Infrasctrutures Partner, onde a Vestas (que integraria o consórcio do hidrogénio) investiu no final de 2020.

Mais: Matos Fernandes, que é apenas suspeito, foi contratado pela Abreu Advogados, que prestou serviços à Copenhagen Infrasctrutures Partner. Há ainda, de acordo com a investigação, contactos considerados suspeitos entre Matos Fernandes e Carlos Martins, um dos homens fortes da Martifer, que também integrou o consórcio.

Matos Fernandes, que não é arguido, desempenha um papel fundamental em dois braços da investigação (Lusa)

3: O BRAÇO DO “DATA CENTER”

É neste braço da investigação que se juntam as pontas soltas, à custa de Diogo Lacerda Machado, um dos melhores amigos de António Costa e consultor de uma empresa que queria criar um gigantesco "data center" em Sines. Galamba, que entretanto passou a ministro das Infraestruturas, volta a ser determinante. E o chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária, acaba por se efetivar como elemento facilitador de todas as vontades.

Este tentáculo acaba por precipitar tudo aquilo a que o país assistiu nesta terça-feira. António Costa demitiu-se. E foram detidos Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, Nuno Mascarenhas, Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves. João Galamba e Nuno Lacasta tornam-se arguidos. E estão todos ligados em torno de uma empresa: a Start Campus, um “data center” que pode representar um investimento de 3,5 mil milhões de euros.

Diogo Lacerda Machado, que nunca escondeu a amizade com António Costa, era consultor deste projeto por 6.500 euros por mês. Era identificado como advogado, embora o Ministério Público insista que nunca realizou tarefas neste âmbito para a empresa. O seu papel, argumentam, era outro: tirar partido da amizade com Costa e pressionar governantes e responsáveis de outras entidades na sua alçada para que tomassem decisões favoráveis ao projeto.

Havia contactos diretos com o chefe de gabinete de António Costa, que passaram por reuniões em São Bento e na sede do PS. Escária seria a ponte para o chefe de Governo, mencionado como um desbloqueador para a concretização de todas estas vontades.

À frente da Start Campus estão Afonso Salema e Rui de Oliveira Neves, advogado e ex-diretor de assuntos jurídicos da Galp, como vimos acima. Ambos terão participado também nessas reuniões em São Bento e na sede do PS. Os autos descrevem que os empresários teriam acesso “direta ou indiretamente ao próprio primeiro-ministro e a vários membros do Governo” por influência de Lacerda Machado.

O projeto foi aprovado e licenciado por Nuno Mascarenhas, socialista e presidente da Câmara Municipal de Sines, também detido. Mascarenhas não terá pedido qualquer contrapartida para si, apenas para a cidade. Segundo o Ministério Público, pediu à empresa "um patrocínio de 5.000 euros ao festival Músicas do Mundo de Sines, um valor não apurado de apoio às equipas jovens do clube de futebol Vasco da Gama de Sines, e ainda um valor não apurado para um projeto social da câmara”.

Já Nuno Lacasta, da Agência Portuguesa do Ambiente, terá favorecido a concretização do “data center” ao dispensar um procedimento de Análise de Impacto Ambiental na primeira fase do projeto. Práticas que, para o Ministério Público, não terão cumprido a lei, constituindo antes um favor de Lacasta, Galamba e do atual ministro do Ambiente Duarte Cordeiro perante as pressões de Lacerda Machado.

Os autos do processo referem que foram pagos vários almoços e jantares de valor elevado a João Galamba e Nuno Lacasta.

Segundo o Ministério Público, os advogados da Start Campus chegaram mesmo a “elaborar o texto dos diplomas ou atos a aprovar” que Galamba levou, com sucesso, a Conselho de Ministros. Assim, conseguiram “influenciar o conteúdo normativo dos ativos do Governo” pelas mãos de Galamba e de Ana Fontoura Gouveia, secretária de Estado da Energia.

Lacerda Machado é dos melhores amigos de Costa. Terá usado essa relação de 40 anos para pressionar governantes a favor da Start Campus (Lusa)

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