Preferem o diagnóstico da internet e automedicam-se. A cibercondria afeta quase metade dos portugueses

29 mai 2022, 18:00
Cibercondria

São indivíduos que têm "uma preocupação excessiva e desproporcional de contrair uma doença grave", mas que acabam por "desvalorizar" aquilo que os médicos lhes dizem. De acordo com um relatório do Eurostat, 49% dos portugueses admite sofrer desta forma agravada de hipocondria

É referida muitas vezes como a "síndrome do Dr. Google" e, em Portugal, de acordo com o último relatório do Eurostat, o gabinete de estatísticas da União Europeia, perto de metade da população sofre desta condição. A cibercondria é um estado patológico que muitos desconhecem e que pode levar a comportamentos "preocupantes", alertam os psiquiatras.

“Indivíduos que têm uma preocupação excessiva e desproporcional de contrair uma doença grave, acabam por usar o telefone ou o tablet para retirar conclusões de sintomas ligeiros que estejam a sofrer”, explica à CNN Portugal a psiquiatra Maria Moreno, sublinhando que isto é “preocupante”, porque “leva ao autodiagnóstico - quando chegam ao médico já dizem saber o que têm -, leva a automedicação, causa muita ansiedade e perpetua erros de informação”.

A internet e as redes sociais, de acordo com a psiquiatra, foram sempre um espaço para alimentar medos e preocupações “desproporcionais” ao longo dos anos. “Primeiro, existiu uma grande preocupação com as Doenças Sexualmente Transmissíveis, depois com o cancro e, agora, é a covid-19 que é a grande preocupação.”

O perfil de quem sofre de cibercondria, afirma Maria Moreno, é o de quem pensa que tem uma certa doença e pesquisa incessantemente na internet dados que comprovem a sua teoria, mesmo que esta seja rejeitada por um médico. “Estas pessoas tendem a desvalorizar a opinião dos médicos e é característico que se baseiem em dados para apoiar a ideia sobrevalorizada que têm uma doença. Preferem sempre escolher a opinião que constroem na internet, face à opinião do médico em quem não querem acreditar”, aponta a médica.

De facto, perante sintomas ligeiros, os portugueses estão cada vez mais inclinados a procurar o seu diagnóstico diretamente num motor de busca, antes mesmo de consultar um médico, segundo o estudo do Eurostat, publicado em abril. De acordo com a investigação, quase metade dos cidadãos de Portugal (49%) recorrem à internet para procurar informações de saúde relacionadas com lesões, doenças e nutrição.

Para o psiquiatra João Reis, que qualifica a percentagem de portugueses com este tipo de hábitos como “preocupante”, revela que a mesma é impulsionada por uma “pouca cultura digital da sociedade em termos de saúde” e pela presença de “pessoas mal intencionadas que, por razões financeiras, normalmente”, tentam explorar os meios tecnológicos para prometer uma cura milagrosa para uma doença que se acha física, mas que é do foro mental. “Estes casos têm crescido bastante.”

Depois, há também outra tendência problemática nas pessoas que sofrem de cibercondria. “Elas não procuram saúde mental”, garante João Reis, explicando que é comum que estes indivíduos sintam que ao serem aconselhados para uma consulta de saúde mental “estejam a ser desvalorizados os sintomas que sofrem”.

Eoin McElroy, professor associado de Psicologia na Universidade de Ulster, na Irlanda do Norte, que também sofreu desta forma de hipocondria quando era mais novo, liderou, em 2014, uma análise da cibercondria, que resultou na Escala de Gravidade da Cibercondria (CSS). A escala consiste em 33 itens que servem para determinar o nível desta condição, mas não com uma intenção de diagnóstico, como o próprio McElroy explicou por videochamada ao jornal EL PAÍS. "Tratava-se de responder a perguntas de investigação, em vez de diagnosticar alguém. Além disso, a cibercondria não é necessariamente uma doença psiquiátrica; de facto, é algo que quase todos fazem até certo ponto nos dias de hoje", sublinha.

De acordo com o estudo da Eurostat, após o aparecimento de erupções cutâneas, lesões ou dores de cabeça, os cidadãos da União Europeia recorrem cada vez mais a um motor de busca para encontrar a origem das suas "doenças". De acordo com este trabalho, 55% dos europeus admitem procurar online este tipo de informação de saúde. Na Finlândia, essa taxa chega a 80%. Segue-se a Holanda com 77% e a Dinamarca com 75%.

Portugal, por sua vez, encontra-se no 24.º lugar do ranking, com 49% da população a admitir recorrer à internet para se autodiagnosticar quando sofre de sintomas ligeiros. “Na última década, a proporção de indivíduos que procuram informações de saúde online aumentou em quase todos os Estados-Membros da UE, com um aumento de 17 pontos percentuais na UE em relação a 2011 (38%)”, afirma o estudo, publicado a 6 de abril.

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