Há dezassete anos Neymar chamava-se...Figo

3 ago 2017, 10:24
Neymar como Figo

Barcelona volta a ser ultrapassado pelo mercado com novo recorde de transferências

Depois de Luís Figo, Neymar. Dezassete anos depois o Barcelona volta a perder um jogador, contra a sua vontade, mais uma vez com um recorde absurdo no mercado de transferências. Em 2000, o «absurdo» que levou o extremo português para o Santigo Bernarbéu foram 62 milhões de euros [há um estudo que diz que o valor mais correto, tendo em conta a mudança de moeda e a inflação dos últimos anos, seria 77,6ME]. Em 2017 o «absurdo» que levou o avançado brasileiro para o Parque dos Príncipes foram 222 milhões de euros. Sinais dos tempos…

Duas «novelas» com vários pontos de encontro, mas desta vez com um desfecho bem menos surpreendente. Afinal de contas, não é a primeira vez que o Barcelona, um dos clubes mais poderosos do Mundo, não só no plano desportivo, mas na capacidade de se movimentar no mercado, deixa escapar um jogador através de uma cláusula que parecia inalcançável. Tal como aconteceu com Figo, no verão de 2000, o caso de Neymar foi crescendo no verão e, tal como no caso do português, foi notório o desgaste dos adeptos catalães para com o avançado brasileiro.

Mas nada comparável com a transferência que fez parar o mundo em julho de 2000. Na altura, Luís Figo era o melhor jogador do clube catalão e ia sair para o maior rival do Barça, o Real Madrid. É verdade que já tinha havido outros casos de saídas diretas dos «blaugrenat» para os «blancos», como a de Michael Laudrup em 1994. Mas a verdade é que o dinamarquês continua a ser bem-vindo na cidade Condal, enquanto o português ainda hoje faz estremecer os alicerces da Catedral da Sagrada Família cada vez que o seu nome é mencionado.

A grande diferença entre os casos de Figo e Neymar vai-se notar, sobretudo, a partir de agora. Até aqui foi quase tudo idêntico, senão, vejamos: um verão quente, muitas páginas de jornais, avanços e recuos e a consumação da transferência por um valor exorbitante [em ambos os casos]. O que será bem distinto nos dois casos, é que Neymar vai sair para o estrangeiro, para Paris, para a liga francesa, enquanto Luís Figo, uns meses depois, a 21 de outubro de 2000, estava de volta ao Camp Nou com a camisola do rival.

Quem não se lembra daquele fatídico jogo em que mais de cem mil «culés» assobiavam em uníssono cada vez que Figo, rebatizado por «judas», «mercenário» e «pesetero», tocava na bola? Quem não se lembra, já dois anos depois, daquele pontapé de canto acompanhado por uma chuva surpreendente de todo o tipo de objetos, incluindo uma cabeça de porco que ficou para a história como símbolo máximo deste ódio dirigido a um jogador que se prolongou pelos anos seguintes e que ainda hoje faz estremecer, «més que um club», toda uma cidade?

Mas recuemos até ao verão de 2000. Barcelona e Real Madrid estavam em plenos processos eleitorais. O demissionário Josep Lluis Núñez preparava-se para passar o «testemunho» a Joan Gaspart no Barça, enquanto a liderança de Lorenzo Sanz era contestada por um quase desconhecido Florentino Pérez no Real Madrid. Os catalães tinham deixado as renovações dos contratos de Figo e Rivaldo em aberto, para serem consumadas pela nova direção, quando Figo lançou a primeira bomba. «Se querem que eu fique terão de renovar o meu contrato», anunciou o internacional português quando se preparava para integrar a seleção que ia disputar o Euro2000.

Nesta altura era o Milan de Berlusconi que fazia uma proposta «irresistível» de um milhão de contos por temporada para o internacional português. O Barça respondia com uma alegada cláusula no contrato do extremo que previa que a cláusula de rescisão, fixada em 10 milhões de pesetas, dobrava para uns «proibitivos» 20 milhões para clubes estrangeiros. «A cláusula de Figo é de 10 milhões de pesetas. Não conheço outros números», respondia José Veiga, o representante de Luís Figo.

O internacional português acaba por anunciar que, afinal, ia ficar no Barcelona, tranquilizando o ambiente e a pressão em redor da seleção de Humberto Coelho que acabaria por chegar à meia-final do Campeonato da Europa. No início de julho começam a surgir os primeiros rumores de que Figo teria assinado um pré-contrato com o candidato Florentino Pérez. «Um investimento de 10 milhões de pesetas pode ser rentável», referiu o candidato, enquanto Veiga assumia contatos com o futuro presidente. A 17 julho, Pérez vence mesmo as eleições, contra todas as expetativas e sondagens, que apontavam para a reeleição de Lorenzo Sanz que tinha devolvido o Madrid à Europa com a conquista a Taça dos Campeões em 1998 e 2000 depois de um longo interegno.

Tudo se precipita nos dias seguintes. Joan Gaspart é eleito num domingo como presidente do Barcelona e recusa falar de Figo. No dia seguinte, a 24 de julho, era suposto o internacional português, com férias adiadas pelo Euro, apresentar-se ao trabalho, mas não apareceu. Os mais irredutíveis adeptos «culés» começavam a perder as últimas esperanças num volte-face da situação. As notícias passam a correr ao minuto: Figo aterra em Madrid no mesmo dia, faz exames médicos e, ainda antes do meio-dia, o Real Madrid envia um fax para a liga espanhola a anunciar que depositou os 10 milhões de pesetas da cláusula de rescisão (12 milhões de contos, mais de 60 milhões de euros). Em Barcelona, Joan Gaspart dava Figo como perdido, como dava conta a enviada-especial do Maisfutebol a Barcelona, pouco mais de um mês depois da fundação do primeiro jornal desportivo exclusivamente online.

Ao final da tarde, Luís Figo, já depois de ter sido visto com Pérez à saída de um notário, chega ao Estádio Santiago Bernabéu acompanhado por José Veiga, Baidek, Futre e Jorge Gomes. Na sala dos troféus estão noventa jornalistas de todo o mundo. O Maisfutebol também estava lá. «Estou muito contente por estar aqui. Vou tentar dignificar ao máximo a camisola e o nome do Real Madrid nos próximos seis anos. E espero ser tão feliz aqui como o fui em Barcelona. Acima de tudo, só posso prometer trabalho. Vou tentar ganhar o máximo que o clube pode ambicionar», anunciou Figo, a segurar a camisola com o número 10, sem responder a perguntas.

Dezassete anos depois, Luís Figo está a passar umas tranquilas férias no mar, bem longe do reboliço que, por esta hora, se vive em Paris, com a iminente chegada de Neymar que é agora, como Figo foi em 2000, o jogador mais caro do Mundo.

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