A menopausa é um período de grandes transformações físicas e mentais para a mulher. A médica internista Minnie Freudenthal e a psicóloga Filipa Jardim explicam como se preparar e como tirar o melhor partido desta fase da vida
A menopausa "pode ser uma viagem tranquila em águas transparentes ou pode ser uma tempestade", diz a médica internista Minnie Freudenthal. Claro que cada mulher é uma mulher, e os sintomas variam, mas também é importante que as mulheres se preparem para esta viagem e assumam (ou pelo menos tentem assumir) o controlo, considera a médica, que defende uma abordagem sistémica desta fase da vida - a menopausa é uma mudança física mas é também psicológica e emocional.
"É com todo o corpo, sempre, não é só com a menopausa", sublinha Minnie Freudenthal à CNN Portugal. "Tratamos a doença como se fossem fogos. Ignoramos os sintomas, que, no fundo, são oportunidades para percebermos o que se passa por baixo, no nosso corpo", alerta. Como num icebergue, os sintomas são apenas a parte visível de algo mais profundo e que não deve ser ignorado. No entanto, na maior parte das vezes, continuamos a preferir uma abordagem reativa em vez de preventiva e isso tem custos - para a nossa saúde, mas também custos financeiros, farmacêuticos e ambientais, porque acabamos por ter de recorrer a medicamentos que poderiam ser evitados, explica esta especialista.
"A menopausa é (mais) uma fase de revolução hormonal" na vida das mulheres, o que significa que é uma fase de grande vulnerabilidade mas também de resiliência, afirmou Minnie Freudenthal na sua intervenção na conferência "Não fica mal falar de menopausa", que na quarta-feira encheu a plateia do Teatro Tivoli, em Lisboa. As mudanças são muitas. "A conexão entre os ovários e o cérebro muda, e o corpo deixa de privilegiar a fertilidade para passar a focar-se na longevidade", explica. "Mas só com biomedicação prolongamos a vida, não garantimos qualidade. Portanto, temos de fazer mais do que isso. Somos todas agentes ativos na nossa automanutenção, não nos podemos boicotar", incentiva a médica.
Em termos físicos, Minnie Freudenthal sublinha a importância dos recetores de estrogénio, uma proteína que se encontra em diversas células e que é ativada pelo estrogénio ajudando o corpo numa série de funções importantes, como por exemplo contribuindo para o bom funcionamento do sistema reprodutivo, regulando o metabolismo ósseo e mantendo a densidade óssea, contribuindo para a saúde dos vasos sanguíneos e da função cardíaca, envolvendo-se na proteção das funções neurais e na regulação do humor. A diminuição do estrogénio é uma das grandes mudanças que acontecem no organismo.
Mas não só, como diz a psicóloga Filipa Jardim: "As flutuações hormonais que surgem na perimenopausa e na menopausa, especialmente a diminuição dos níveis de estrogénio e progesterona, podem contribuir para alterações significativas no sono, na energia, no desejo sexual, no comportamento alimentar, na memória e capacidade de concentração, para maior acumulação de gordura na zona abdominal, assim como podem suscitar maior irritabilidade, variações de humor mais intensas e ansiedade mais elevada", explica à CNN Portugal a diretora clínica do Coletivo Transformar.
Além disso, "a perimenopausa espoleta, com frequência, um conjunto de questões existenciais que confrontam a mulher com o tempo já vivido versus o tempo que imagina ter ainda para viver, que a confrontam com as alterações ao espelho, porque por mais que uma mulher se cuide é natural que surjam rugas, que a pele fique menos firme e menos luminosa. Todas estas alterações numa sociedade que glorifica a eterna juventude e a beleza utópica fabricada por inteligência artificial naturalmente são desafios com um custo emocional para as mulheres".
"Estas alterações a nível de humor e de ansiedade podem gerar insegurança na mulher, como se a certo ponto não se reconhecesse nesta fragilidade, como se o seu corpo e cérebro estivessem a deixar de lhe responder, como se estivesse a perder competências. Toda esta experiência é naturalmente desestabilizadora e pode assim assumir-se como uma janela de vulnerabilidade ao surgimento de doenças psicológicas, como a depressão", descreve Filipa Jardim, que foi outra das intervenientes na conferência "Não fica bem falar de menopausa".
"Felizmente, hoje em dia já temos mais conhecimentos do que tínhamos há 20 anos, quando eu passei por isto", conta a médica Minnie Freudenthal, que este ano completa 70 anos. "A mulher pode contar com terapêutica e suplementação que podem ajudar o corpo a estar saudável para enfrentar esta fase. Para a maioria das mulheres a perimenopausa é o período de maior desconforto e menor satisfação com a vida, depois melhora", assegura, como que descansando as suas interlocutoras. Mas, para isso, é preciso agir e não apenas ficar à espera que passe.
Filipa Jardim concorda. "Cuidarmos de nós e do nosso bem-estar deve ser transversal a todas as idades. Para estar bem preciso de cuidar do meu corpo e da minha mente e se isto é verdade em qualquer idade, na perimenopausa e na menopausa acabam-se todos os créditos. Ou nos cuidamos ou sofremos."
Os quatro pilares para uma vida saudável
Na perspetiva destas duas especialistas, os quatro pilares para uma vida saudável são: sono, nutrição, movimento e emoção - a que se acrescenta a coisa mais básica mas tantas vezes esquecida que é respirar.
Sono. Na menopausa, o sono sofre imensas alterações "e sabemos as alterações que isso tem na parte cognitiva e metabólica", explica Minnie Freudenthal. "Se a alteração no sono for devido às alterações hormonais é uma das grandes indicações para reposição hormonal", diz. Para isso, é importante ter uma boa "higiene do sono", ou seja, preparar o cérebro para ir dormir. "Não podemos desligar de um momento para o outro como se desligássemos um botão, temos de ir preparando o cérebro, desligando o computador e os outros aparelhos, baixando a luz, diminuindo os movimentos" - tudo isso é importante para ter um "sono revigorante".
Movimento. Fazer musculação e praticar atividade física regular é essencial para "protegermos a massa muscular e também interfere com o nível de energia global e bem-estar", aponta Filipa Jardim. Minnie Freudenthal aconselha a que cada pessoa escolha o tipo de exercício que mais a satisfaz, procurando estimular a força e a flexibilidade, o importante é que não descure o seu corpo.
Nutrição. A psicóloga Filipa Jardim refere a necessidade de se ter uma "alimentação diversificada e pouco inflamatória a par de suplementação estratégia adequada a cada mulher". O básico, diz Minnie Freudenthal, é evitar os alimentos muito processados. A isto, juntamos:
- proteínas - "A proteína é estrutural, cumpre milhares de funções no nosso corpo, pode ser de origem animal ou vegetal - não esquecer leguminosas que são muito ricas";
- legumes de folha verde - "Os outros também, claro, mas sobretudo os verdes, que tanto contribuem para a riqueza e diversidade do microbioma";
- hidratos de qualidade;
- hidratação (água);
- isoflavonas, porque "facilitam o equilíbrio hormonal" (encontra-se na soja, também há suplementos);
- atenção à homocisteína, que é um marcador do ciclo metabólico e que vai sendo cada vez mais elevado. "Pode-se suplementar com vitaminas B elevadas".
Emoção. A "regulação emocional" é importante, "preferencialmente com o apoio de um psicólogo clínico, treinando uma atenção de qualidade e uma respiração consciente", afirma Filipa Jardim, sublinhando que "um dia-a-dia potenciador de prazer, de contributo, de aprendizagem contínua e de interações sociais de qualidade" é sempre um bom contributo para o bem estar físico e psicológico. Minnie Freudenthal acredita que "o treino da mente é fisiológico" e essencial para preservar a memória, a imaginação, a tranquilidade.
Uma oportunidade para as mulheres se reinventarem
Na menopausa o corpo passa por inúmeras mudanças e, com ele, a mente também muda. "Passamos de uma fase muito centrada no eu - nos objetivos profissionais e familiares, na concretização de metas estabelecidas - para entrarmos numa fase do nós - em que a mulher está mais disponível, mais aberta à comunidade. Mudam as perspetivas e as prioridades, é uma altura de nos reinventarmos", indica Minnie Freudenthal, que define um processo em quatro passos para alavancar a mudança que se quer realizar:
- "Wordling" - avaliar a nossa presença em cada fase da vida, compreender o que se está a pensar;
- "Envisioning" - perguntarmos "quem queremos ser?" ou "quem queremos ser daqui a 20 anos?". Definir objetivos é importante. "A energia para mudar vem do valor que dermos a isso, sem valor não há mudança", afirma a médica;
- "Embodiement" - trazer o conhecimento para a prática. Não basta saber o que temos de fazer, é preciso agir de facto. "Trazer as mudanças para o nosso corpo, a nossa casa, as nossas equipas, tudo o que nos envolve";
- Reflexão - avaliar o processo, perceber o que estamos a fazer bem e mal, melhorar.
Resumindo, esta é uma boa oportunidade para a mulher parar, pensar na sua vida e mudar. "Continuamos a naturalizar o desconforto, esquecendo-nos que o ser humano tende para o equilíbrio e bem-estar. Em simultâneo, a cultura ocidental glorifica a exaustão e o ser muito ocupado, que não significa necessariamente ser produtivo e bem sucedido. Fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, mas depois não sobram minutos no dia para simplesmente sermos e sentirmos", avisa a psicóloga Filipa Jardim. "Complementarmente, a mulher, em particular, continua a acumular tarefas e papéis na sociedade atual, acreditando por vezes poder ser uma super heroína, o que naturalmente a leva a grandes sacrifícios enquanto cuidadora, desvalorizando o seu autocuidado e bem-estar. Todos estes fatores aumentam a resignação e sintomas de mal-estar, alguns deles relacionados com a menopausa, retardando a adoção de um estilo de vida saudável e a procura de ajuda especializada por parte das mulheres, que são mais reativas do que preventivas no que diz respeito à sua saúde."
"Quase todas as doenças da modernidade são sequelas dos nossos hábitos", sublinha a médica Minnie Freudenthal. "Se nós tivéssemos uma saúde de inteligência emocional dávamos importância a outras coisas. Não temos treino da mente, isso não nos é ensinado nem na família nem na escola. E, por isso, deixamo-nos levar. Mas se não fizermos nada a avalanche vai chegar de qualquer maneira. Temos de saber dizer não ao que nos faz mal e ter confiança na nossa capacidade de mudar."