"Ou nos cuidamos ou sofremos": a menopausa pode ser uma oportunidade para as mulheres mudarem os seus (maus) hábitos e se reinventarem

30 jun, 08:00
Casal (Pexels)

A menopausa é um período de grandes transformações físicas e mentais para a mulher. A médica internista Minnie Freudenthal e a psicóloga Filipa Jardim explicam como se preparar e como tirar o melhor partido desta fase da vida

A menopausa "pode ser uma viagem tranquila em águas transparentes ou pode ser uma tempestade", diz a médica internista Minnie Freudenthal. Claro que cada mulher é uma mulher, e os sintomas variam, mas também é importante que as mulheres se preparem para esta viagem e assumam (ou pelo menos tentem assumir) o controlo, considera a médica, que defende uma abordagem sistémica desta fase da vida - a menopausa é uma mudança física mas é também psicológica e emocional.

"É com todo o corpo, sempre, não é só com a menopausa", sublinha Minnie Freudenthal à CNN Portugal. "Tratamos a doença como se fossem fogos. Ignoramos os sintomas, que, no fundo, são oportunidades para percebermos o que se passa por baixo, no nosso corpo", alerta. Como num icebergue, os sintomas são apenas a parte visível de algo mais profundo e que não deve ser ignorado. No entanto, na maior parte das vezes, continuamos a preferir uma abordagem reativa em vez de preventiva e isso tem custos - para a nossa saúde, mas também custos financeiros, farmacêuticos e ambientais, porque acabamos por ter de recorrer a medicamentos que poderiam ser evitados, explica esta especialista.

"A menopausa é (mais) uma fase de revolução hormonal" na vida das mulheres, o que significa que é uma fase de grande vulnerabilidade mas também de resiliência, afirmou Minnie Freudenthal na sua intervenção na conferência "Não fica mal falar de menopausa", que na quarta-feira encheu a plateia do Teatro Tivoli, em Lisboa. As mudanças são muitas. "A conexão entre os ovários e o cérebro muda, e o corpo deixa de privilegiar a fertilidade para passar a focar-se na longevidade", explica. "Mas só com biomedicação prolongamos a vida, não garantimos qualidade. Portanto, temos de fazer mais do que isso. Somos todas agentes ativos na nossa automanutenção, não nos podemos boicotar", incentiva a médica.

A médica Minnie Freudenthal na conferência sobre menopausa (DR/Wells)

Em termos físicos, Minnie Freudenthal sublinha a importância dos recetores de estrogénio, uma proteína que se encontra em diversas células e que é ativada pelo estrogénio ajudando o corpo numa série de funções importantes, como por exemplo contribuindo para o bom funcionamento do sistema reprodutivo, regulando o metabolismo ósseo e mantendo a densidade óssea, contribuindo para a saúde dos vasos sanguíneos e da função cardíaca, envolvendo-se na proteção das funções neurais e na regulação do humor. A diminuição do estrogénio é uma das grandes mudanças que acontecem no organismo.

Mas não só, como diz a psicóloga Filipa Jardim: "As flutuações hormonais que surgem na perimenopausa e na menopausa, especialmente a diminuição dos níveis de estrogénio e progesterona, podem contribuir para alterações significativas no sono, na energia, no desejo sexual, no comportamento alimentar, na memória e capacidade de concentração, para maior acumulação de gordura na zona abdominal, assim como podem suscitar maior irritabilidade, variações de humor mais intensas e ansiedade mais elevada", explica à CNN Portugal a diretora clínica do Coletivo Transformar.

Além disso, "a perimenopausa espoleta, com frequência, um conjunto de questões existenciais que confrontam a mulher com o tempo já vivido versus o tempo que imagina ter ainda para viver, que a confrontam com as alterações ao espelho, porque por mais que uma mulher se cuide é natural que surjam rugas, que a pele fique menos firme e menos luminosa. Todas estas alterações numa sociedade que glorifica a eterna juventude e a beleza utópica fabricada por inteligência artificial naturalmente são desafios com um custo emocional para as mulheres".

"Estas alterações a nível de humor e de ansiedade podem gerar insegurança na mulher, como se a certo ponto não se reconhecesse nesta fragilidade, como se o seu corpo e cérebro estivessem a deixar de lhe responder, como se estivesse a perder competências. Toda esta experiência é naturalmente desestabilizadora e pode assim assumir-se como uma janela de vulnerabilidade ao surgimento de doenças psicológicas, como a depressão", descreve Filipa Jardim, que foi outra das intervenientes na conferência "Não fica bem falar de menopausa".

A psicóloga Filipa Jardim e a sexóloga Marta Crawford na conferência sobre menopausa (DR/Wells)

"Felizmente, hoje em dia já temos mais conhecimentos do que tínhamos há 20 anos, quando eu passei por isto", conta a médica Minnie Freudenthal, que este ano completa 70 anos. "A mulher pode contar com terapêutica e suplementação que podem ajudar o corpo a estar saudável para enfrentar esta fase. Para a maioria das mulheres a perimenopausa é o período de maior desconforto e menor satisfação com a vida, depois melhora", assegura, como que descansando as suas interlocutoras. Mas, para isso, é preciso agir e não apenas ficar à espera que passe.

Filipa Jardim concorda. "Cuidarmos de nós e do nosso bem-estar deve ser transversal a todas as idades. Para estar bem preciso de cuidar do meu corpo e da minha mente e se isto é verdade em qualquer idade, na perimenopausa e na menopausa acabam-se todos os créditos. Ou nos cuidamos ou sofremos."

Os quatro pilares para uma vida saudável

Na perspetiva destas duas especialistas, os quatro pilares para uma vida saudável são: sono, nutrição, movimento e emoção - a que se acrescenta a coisa mais básica mas tantas vezes esquecida que é respirar.

Sono. Na menopausa, o sono sofre imensas alterações "e sabemos as alterações que isso tem na parte cognitiva e metabólica", explica Minnie Freudenthal. "Se a alteração no sono for devido às alterações hormonais é uma das grandes indicações para reposição hormonal", diz. Para isso, é importante ter uma boa "higiene do sono", ou seja, preparar o cérebro para ir dormir. "Não podemos desligar de um momento para o outro como se desligássemos um botão, temos de ir preparando o cérebro, desligando o computador e os outros aparelhos, baixando a luz, diminuindo os movimentos" - tudo isso é importante para ter um "sono revigorante".

Movimento. Fazer musculação e praticar atividade física regular  é essencial para "protegermos a massa muscular e também interfere com o nível de energia global e bem-estar", aponta Filipa Jardim. Minnie Freudenthal aconselha a que cada pessoa escolha o tipo de exercício que mais a satisfaz, procurando estimular a força e a flexibilidade, o importante é que não descure o seu corpo. 

Nutrição. A psicóloga Filipa Jardim refere a necessidade de se ter uma "alimentação diversificada e pouco inflamatória a par de suplementação estratégia adequada a cada mulher". O básico, diz Minnie Freudenthal, é evitar os alimentos muito processados. A isto, juntamos:

  • proteínas - "A proteína é estrutural, cumpre milhares de funções no nosso corpo, pode ser de origem animal ou vegetal - não esquecer leguminosas que são muito ricas";
  • legumes de folha verde - "Os outros também, claro, mas sobretudo os verdes, que tanto contribuem para a riqueza e diversidade do microbioma";
  • hidratos de qualidade;
  • hidratação (água);
  • isoflavonas, porque "facilitam o equilíbrio hormonal" (encontra-se na soja, também há suplementos);
  • atenção à homocisteína, que é um marcador do ciclo metabólico e que vai sendo cada vez mais elevado. "Pode-se suplementar com vitaminas B elevadas".

Emoção. A "regulação emocional" é importante, "preferencialmente com o apoio de um psicólogo clínico, treinando uma atenção de qualidade e uma respiração consciente", afirma Filipa Jardim, sublinhando que "um dia-a-dia potenciador de prazer, de contributo, de aprendizagem contínua e de interações sociais de qualidade" é sempre um bom contributo para o bem estar físico e psicológico. Minnie Freudenthal acredita que "o treino da mente é fisiológico" e essencial para preservar a memória, a imaginação, a tranquilidade. 

Uma oportunidade para as mulheres se reinventarem

Na menopausa o corpo passa por inúmeras mudanças e, com ele, a mente também muda. "Passamos de uma fase muito centrada no eu - nos objetivos profissionais e familiares, na concretização de metas estabelecidas - para entrarmos numa fase do nós - em que a mulher está mais disponível, mais aberta à comunidade. Mudam as perspetivas e as prioridades, é uma altura de nos reinventarmos", indica Minnie Freudenthal, que define um processo em quatro passos para alavancar a mudança que se quer realizar:

  1. "Wordling" - avaliar a nossa presença em cada fase da vida, compreender o que se está a pensar;
  2. "Envisioning" - perguntarmos "quem queremos ser?" ou "quem queremos ser daqui a 20 anos?". Definir objetivos é importante. "A energia para mudar vem do valor que dermos a isso, sem valor não há mudança", afirma a médica;
  3. "Embodiement" - trazer o conhecimento para a prática. Não basta saber o que temos de fazer, é preciso agir de facto. "Trazer as mudanças para o nosso corpo, a nossa casa, as nossas equipas, tudo o que nos envolve";
  4. Reflexão - avaliar o processo, perceber o que estamos a fazer bem e mal, melhorar.

Resumindo, esta é uma boa oportunidade para a mulher parar, pensar na sua vida e mudar. "Continuamos a naturalizar o desconforto, esquecendo-nos que o ser humano tende para o equilíbrio e bem-estar. Em simultâneo, a cultura ocidental glorifica a exaustão e o ser muito ocupado, que não significa necessariamente ser produtivo e bem sucedido. Fazemos muitas coisas ao mesmo tempo, mas depois não sobram minutos no dia para simplesmente sermos e sentirmos", avisa a psicóloga Filipa Jardim. "Complementarmente, a mulher, em particular, continua a acumular tarefas e papéis na sociedade atual, acreditando por vezes poder ser uma super heroína, o que naturalmente a leva a grandes sacrifícios enquanto cuidadora, desvalorizando o seu autocuidado e bem-estar. Todos estes fatores aumentam a resignação e sintomas de mal-estar, alguns deles relacionados com a menopausa, retardando a adoção de um estilo de vida saudável e a procura de ajuda especializada por parte das mulheres, que são mais reativas do que preventivas no que diz respeito à sua saúde."

"Quase todas as doenças da modernidade são sequelas dos nossos hábitos", sublinha a médica Minnie Freudenthal. "Se nós tivéssemos uma saúde de inteligência emocional dávamos importância a outras coisas. Não temos treino da mente, isso não nos é ensinado nem na família nem na escola. E, por isso, deixamo-nos levar. Mas se não fizermos nada a avalanche vai chegar de qualquer maneira. Temos de saber dizer não ao que nos faz mal e ter confiança na nossa capacidade de mudar."

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