Um ano após a morte de João Rendeiro, centenas de bens continuam sem destino

26 abr 2023, 07:00
João Rendeiro ouvido no Tribunal de Verulam (LUÍS MIGUEL FONSECA/LUSA)

Quadros, esculturas, imóveis, mobiliário e até roupa. Há centenas de bens do antigo banqueiro à guarda do Estado. A justiça ainda não tomou uma decisão final, mas estes deverão ser leiloados para cobrir os cerca de 40 milhões de euros em dívidas deixados por João Rendeiro

Quase um ano depois de conhecida a morte de João Rendeiro numa prisão da África do Sul, nem todos os processos-crime que envolvem o antigo banqueiro estão encerrados e os bens apreendidos à guarda do Estado continuam à espera de um destino final. Fonte oficial do Gabinete de Administração de Bens confirmou à CNN Portugal que os bens continuam “à sua guarda”. São quadros, esculturas, imóveis, roupa, mobiliário e até faqueiros, entre outros.

Só obras de arte, João Rendeiro tinha centenas e, pelo menos, 100 que foram já recuperadas pelo Estado. Estão à guarda do Gabinete de Administração de Bens (GAB), organismo que gere os bens que são apreendidos pela Justiça e que está sob a tutela do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ).

O destino de todos os bens, arrestados no âmbito dos processos-crime do antigo presidente do Banco Privado Português, pode ser variado: pode ser usado para ressarcir os lesados do BPP, ficar para o Estado ou ter ainda outro fim. Tudo depende do que os juízes decidirem e das sentenças dos processos transitarem em julgado. Por enquanto, estão guardados num sítio seguro, à espera.

Isso mesmo foi confirmado à CNN Portugal pelo GAB: “Os bens em questão ainda se encontram à guarda do GAB, não tendo sido comunicada qualquer decisão final transitada em julgado no âmbito deste processo judicial.”

Algumas das obras de arte estiveram com paradeiro desconhecido, mas, aos poucos, a Polícia Judiciária foi encontrando o seu rasto. Em fevereiro de 2022, por exemplo, a PJ anunciou a recuperação de uma escultura, de um autor desconhecido, chamada “Venezianischer Mohr" (mouro veneziano), e que se encontrava guardada num armazém em Alcabideche. 

Em janeiro de 2022, a PJ também já tinha detetado numa galeria de arte, em Bruxelas, um quadro desaparecido que foi vendido em março de 2021 por 126.274,99 euros, através de uma leiloeira de Nova Iorque. O quadro intitulado PIASKI, do artista Frank Stella, acabou por ser retido. 

Maria de Jesus Rendeiro, mulher do ex-banqueiro, acabou indiciada pelo crime de descaminho de obras de arte do marido, das quais era fiel depositária. Chegou a estar em prisão domiciliária. As autoridades consideraram que esta sabia das falsificações (de quadros) e desvio de obras de arte. Pelo menos, 15 quadros desapareceram da coleção de João Rendeiro.

Em fevereiro do ano passado, outros bens também foram arrestados pela PJ como mais quadros, esculturas, móveis, tapetes e até faqueiros e todo o património de valor. Um dos locais foi a Quinta Patino, em Cascais, mas não só. Também não escaparam eletrodomésticos, sofás e até cadeiras.

Bens não chegam para pagar dívidas

Dos três processos que envolveram João Rendeiro apenas um transitou em julgado. As dívidas de cerca de 40 milhões estão relacionadas com o pagamento de indemnizações ou coimas aplicadas pelos reguladores devido à atuação do ex-banqueiro na presidência do Banco Privado Português. Fazendo as contas, os bens que estavam em seu nome não serão suficientes para pagar todas as dívidas.

A principal dívida está relacionada com um processo por fraude fiscal, abuso de confiança e branqueamento de capitais que já foi decidido pelo Tribunal da Relação e que prevê uma indemnização solidária com outros administradores do BPP que chega aos 29,5 milhões de euros.

Se a decisão transitar em julgado, o dinheiro tem de ser entregue à comissão liquidatária do banco, mas Rendeiro ainda teria de pagar mais cerca de 5 milhões de euros ao Estado por fuga ao fisco e impostos não pagos por prémios que recebeu, enquanto presidente do BPP, através de paraísos fiscais. 

Noutro processo que ainda não transitou em julgado, o antigo banqueiro foi condenado, na primeira instância, por burla qualificada, mas também a pagar uma indemnização de 235 mil euros ao embaixador Júlio Mascarenhas que investiu em obrigações do BPP sem saber que estava perante um produto de risco.

Maria de Jesus Rendeiro seria a herdeira natural de todos os bens de João Rendeiro, mas com a herança teria de assumir também as dívidas. Por isso mesmo, em setembro de 2022, acabou por assinar uma declaração a repudiar a mesma. 

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