Espanha e Argentina a um passo do corte total de relações diplomáticas. E tudo por causa de um pedido de desculpas que não vai acontecer

22 mai, 19:46

Acusações de Javier Milei à mulher de Pedro Sánchez levaram à retirada definitiva da embaixadora espanhola na Argentina. Para os especialistas, a situação pode chegar ao ponto de Milei "tentar criar um clima interno favorável à sua posição, levando a que os espanhóis que vivem na Argentina possam ser alvo de retaliação”

Uma briga entre irmãos pode ser resolvida com um pedido de desculpas, mas entre países irmãos o assunto torna-se muito mais complexo. Argentina e Espanha estão de costas voltadas e aquilo que começou com uma troca de acusações sobre a mulher do presidente do governo de Madrid pode acabar num corte total de relações diplomáticas entre os dois países. Isto porque, apontam especialistas em diplomacia à CNN Portugal, a probabilidade de Javier Milei voltar atrás com as suas palavras é quase nula.

Esta terça-feira deu-se o primeiro golpe institucional: o ministro dos Negócios Estrangeiros de Espanha decidiu retirar a embaixadora espanhola em Buenos Aires. Uma movimentação que é vista pelos especialistas como o princípio de uma escalada de tensão que coloca os dois países em pé hostil como nunca. “Quando um país se sente atingido na sua dignidade e soberania é evidente que vai ter uma resposta”, afirma o professor catedrático José Filipe Pinto, realçando que “em situação extrema, pode haver um corte de relações diplomáticas, que implica o encerramento da embaixada própria no país considerado o agressor e expulsão do respetivo embaixador nesse país".

Esse seria o passo mais radical naquilo que é um assunto incómodo para os dois Estados, parceiros há várias décadas. “A situação entre estes dois países irmãos é difícil e bem delicada”, assume Emilio Rubio, diretor do Instituto Espanhol do Porto. “A prioridade neste momento é responder às pessoas, mas as palavras de Milei devem ser entendidas como inaceitáveis”. 

Emilio Rubio referia-se ao discurso de Milei este domingo, durante uma conferência do partido espanhol Vox, em que acusou a mulher de Pedro Sánchez de ser “corrupta” e “suja”. Declarações que foram condenadas pelo presidente do governo espanhol e que antecederam esta “escalada de tensões”, como descreve Emilio Rubio, que acrescenta que é fundamental que “as duas partes acalmem os ânimos para que não fiquem mal na fotografia”.

Esta é uma situação, alega José Filipe Pinto, “que a diplomacia vai ter de resolver”. Por norma nestes casos é preciso um pedido de desculpas, o que o especialista assume como improvável. “Não esquecer que Milei é um líder populista e os líderes populistas raras vezes, se alguma, pedem desculpa ou assumem a sua responsabilidade nos comportamentos que podem penalizar o seu país”.

E este comportamento pode penalizar gravemente a Argentina, que se encontra numa situação financeira frágil e que se vê a braços com uma inflação que, embora esteja a desacelerar, aproxima-se dos 300%. “A Argentina vive numa situação complicada a nível económico e precisa da relação comercial que mantém com Espanha. Mesmo que não se encontre um pedido formal de desculpas, deverá existir um meio termo para tentar desvalorizar a intensidade dessa ofensa”, apela José Filipe Pinto, chamando a atenção para o facto de o calor do evento de extrema-direita, onde também esteve o presidente do Chega, André Ventura, ter produzido “algum exagero”.

Exagero esse que terá de ter em conta também o impacto que reflete nos imigrantes de ambos os países. “Poderá dar-se o caso de Milei tentar criar um clima interno favorável à sua posição, levando a que os espanhóis que vivem na Argentina possam ser alvo de retaliação”. 

Ainda assim, há certas salvaguardas que não são colocadas em causa face a este crescendo de animosidade entre os dois países: os cidadãos com dupla nacionalidade em nenhum momento, mesmo que a situação evolua para um extremo, poderão ver o seu estatuto revertido. “Não é possível retirar a nacionalidade adquirida, porque é uma decisão individual e não do Estado, cada um de nós quando nasce tem a nacionalidade de origem e depois podemos ter a adquirida que só se perde quando existem determinados atos individuais previstos na constituição”, como alguns crimes graves.

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