“Fiquei grávida aos 10 anos”, “tapou-me boca e continuou até ejacular”: como os padres ‘compravam’ as crianças para abusar delas nos carros e nas casas paroquiais

13 fev 2023, 19:35

Os relatos fazem parte do relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa e mostram como os sacerdotes aproveitam as diferentes funções na igreja, como acólitos e grupo coral, para chamarem as vítimas até aos seus carros e casas paroquiais ESTE ARTIGO CONTÉM CONTEÚDO EXPLÍCITO QUE PODE CHOCAR OS LEITORES

Prometeu-lhe roupa nova, violou-a

A história aconteceu numa antiga colónia portuguesa em África. Como o pai era “muito crente”, e mesmo sendo a mãe muçulmana, a rapariga foi matriculada numa escola católica e ia à catequese aos domingos.

Foi numa saída da catequese que o padre a chamou para ir a sua casa, acenando com uma promessa: tinha recebido roupas novas, vindas de Portugal, que ia distribuir pelas crianças da igreja.

“Fui a casa do padre como combinado, pegou na minha mão e levou-me para um quarto onde estavam as roupas e fechou a porta à chave”, recorda.

Com o argumento de que ela devia tirar a roupa que trazia para poder experimentar melhor as peças novas que tinha para lhe dar, o padre conseguiu que a criança ficasse nua.

“Ajudou-me a tirar a roupa e disse para eu também tirar as cuecas. Fiquei toda nua, mas a pensar que ia experimentar aquela roupa nova e bonita, mas estava com medo. O padre acalmou-me dizendo para eu não ter medo que eu ia receber todas as roupas que eu quisesse.”

Mas, antes de lhe dar a roupa, tinha uma exigência para a rapariga: “Antes tenho de fazer uma coisa que não podes contar a ninguém porque é pecado. Não podes contar a ninguém e se contares aos teus pais ou a outra pessoa vais para o inferno”.

Sem perceber do que se tratava, a rapariga aceitou. “O padre puxou-me e começou a tocar no meu corpo, deitou-me numa cama pequena que estava lá e introduziu o seu sexo no meu corpo. Comecei a chorar e queixei-me com dores e ele disse-me para me calar porque podiam ouvir-me e eu poderia ter problemas com ele e com Deus. Eu continuava a chorar e ele tapou a minha boca com as suas grandes mãos e continuou até ejacular. Levou-me depois para o banheiro para eu tomar banho e mais uma vez violou-me.”

As pernas da rapariga tremiam, tamanhas eram as dores. O padre ajudou-a a vestir-se, voltou a ameaçar que ela não podia contar nada a ninguém. E ela saiu com o saco cheio de roupa. “Os maltratos foram tão grandes que ainda hoje tudo está na minha cabeça.”

O padre, na casa dos 40 anos, vivia numa “vivenda grande e do outro lado era a escola primária”, só com raparigas.

Grávida pelo padre aos 10 anos

Os abusos do padre resultaram numa gravidez, “que foi interrompida”. A vítima, à altura com 10 anos, aproximou-se do padre da freguesia numa das regiões autónomas quando começou a aprender música. O padre aproveitava “todas as oportunidades” para os abusos, que foram do toque à penetração, passando pelos beijos. Foi a mãe do padre que descobriu o abuso: “Disse-lhe, na minha frente, que ele nunca mais me tocasse ou ela iria matá-lo com as próprias mãos”.

“Levava-me a passear no carro”: abusado aos 15 anos

O padre pagava-lhe tudo. Livros, roupas, pulseiras, passeios e férias. Até “ofereceu mobílias aos meus pais”. O testemunho é de um homem nascido na década de 1970 numa família de agricultores numa região rural da região Centro de Portugal.

Foi abusado sexualmente por um padre aos 15 anos - várias vezes, na casa paroquial e no carro do pároco, com exibição de genitais e masturbação, argumentando que aquela era “a forma de estarmos em união com o divino”. O padre dizia-lhe que ficariam “sempre juntos”. “E que me ajudaria a entrar no seminário e a mudar as mentalidades do cristianismo”, acrescenta.

“O padre dirigia-se a casa dos meus pais e levava-me para acolitar na paróquia dele, que era vizinha da minha, e levava-me também a passear no carro”, recorda. Na altura, o sacerdote tinha 35 anos.

“Sofri um recalcamento emocional e sexual e uma depressão grave aos 25 anos. Porque em consequência deste processo entrei no seminário aos 18 anos, acabando por não pedir em namoro uma rapariga que amava muito e com quem acabei por nunca ter tido relações sexuais.”

Só aos 25 anos deixou o seminário e começou a fazer terapia. Ainda hoje toma medicação para controlar a ansiedade.

"Baixava as cuecas, mexia-me e masturbava-me"

Os ensaios do coro eram o motivo para o padre se aproximar da vítima, nascida na década de 1980, numa pequena aldeia do centro do país. Foi abusada entre os seus seis e os 12 anos. O padre teria 50 a 60 anos e era da confiança da mãe, catequista na paróquia.

“Não me lembro do princípio nem do fim.” Mas tem bem presente como tudo acontecia.

“A casa do padre ficava ao fim de uma rua, escondida, onde não havia ninguém. Ele ia-me buscar a casa porque eu cantava e havia os ensaios do coro, que ele dirigia. Era essa a desculpa. Depois íamos para sua casa e durante mais ou menos três horas via TV, lanchava e depois, sentada no sofá, começava a tocar-me. Nunca houve penetração. Só uma vez encostou o seu pénis ao meu corpo. Despia-me mas não totalmente. Baixava as cuecas, mexia-me e masturbava-me”, descreve.

A mãe só soube do que se passou há poucas semanas. Já a vítima, só com terapia conseguiu afastar a culpa: “Sentia que o que me aconteceu era por minha culpa”.

Abusada em duas situações diferentes. Tentou o suicídio

“Desabei.” O relato é curto mas incisivo. Aos oito anos, a vítima apanhou boleia de dois padres, um deles amigo do tio dela, que também era sacerdote. Durante a viagem foi abusada sexualmente por um deles. Mas não foi o único episódio: “Levaram-me e a outras pequenas para uma casa de freiras no Porto, com um seminarista. Numa sala escura, enquanto o seminarista falava com uma freira, fez o mesmo que o outro padre e tocou-me nas nádegas e na vagina”. Tentou o suicídio. Está a tomar medicação.

Uma tentativa impedida por um “milagre”

Foi uma tentativa de abuso que ficou gravada na memória desta mulher, nascida em 1950 numa família agrícola da região centro.

Todos os anos, frades em missão eram acolhidos na aldeia. Naquele ano, tinha ela seis, não foi exceção. “Hoje percebo que mais não era do que um pretexto para angariar bens (em géneros e dinheiro) para ajudar no sustento do convento”, explica.

O frade jantou em casa da avó, que pediu à neta para conduzi-lo à casa onde ele pernoitaria na aldeia, ali ao lado.

“Ao iniciar o meu regresso a casa, fui incentivada pelo ‘cavalheiro’ para que aguardasse um pouco para me oferecer um ‘santinho’, ou seja, uma pagela de um qualquer santo, que trazia na sua mala de viagem. Assim foi. Mas num ápice vi-me deitada sobre a cama, sem cuecas, o homem iniciando o toque dos meus órgãos sexuais. Como que por milagre, a senhora da casa voltou, a pretexto de saber se estava alguma coisa em falta e… salvou-me.”

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