opinião
Diretor associado e chefe do programa ‘Europa no Mundo.’ do European Policy Centre

Putin e o poder híbrido da União Europeia

27 fev 2022, 17:54

As ações de agressão militar do presidente russo, Vladimir Putin, podem estar a dar um novo fôlego à Unidade Europeia e à aliança transatlântica. Mas é uma unidade que (re)nasce à custa da soberania da Ucrânia e da ameaça russa ao povo ucraniano e com repercussões económicas e políticas potencialmente muito elevadas para a União Europeia.

Perante a crescente ameaça russa, quanto tempo vai durar esta nova unidade das democracias liberais? Está a UE a retirar as lições certas deste novo capítulo da permacrise? E poderá a UE desenvolver a sua forma de poder híbrido em resposta à esta ameaça?

Putin a ser Putin

Ao violar militarmente a integridade territorial e a soberania da Ucrânia, o Kremlin põe em causa a ordem de segurança global que resultou do fim da Guerra Fria – uma ordem que Putin, um czar dos tempos modernos, recusa desde que chegou ao poder há mais de duas décadas.

Para Putin, o colapso da União Soviética e a perda da influência e do poder russos foram a maior tragédia geopolítica do século XX. A sua missão era - e permanece - reverter isto.

No seu discurso televisivo de 21 de fevereiro de 2022, e nas suas subsequentes ações militares agressivas, uma coisa fica clara: a longo prazo, a Ucrânia e o seu povo não são os únicos a estar em jogo.

A "ideia liberal", que Putin escarnece – a democracia e as sociedades abertas – são o principal ‘inimigo.’ E a democracia liberal pode muito bem tornar-se uma vítima da agressão militar russa se a Europa e os seus aliados não estiverem dispostos a responder a essa ameaça com nova determinação. 

Além disso, se os seus movimentos ofensivos não forem contrariados a cada passo ou se forem ignorados, abre um precedente para que outros países se sintam tentados a testar também a determinação das democracias liberais em enfrentar os presentes desafios iliberais e autoritários.

Uma resposta unida e rápida – (até agora)

As ameaças e agressões militares de Putin, sancionadas por Pequim, aproximaram europeus, americanos e outras democracias, como o Reino Unido, o Canadá, o Japão e a Austrália, renovaram o desígnio estratégico da NATO e pressionaram a UE e os seus Estados-Membros a serem mais coesos e unidos na sua resposta à ameaça do Kremlin.

Mas quanto tempo vai durar esta unidade liberal? A julgar pelo passado, pode ser de curta duração se as lições certas não forem tiradas.

De momento, a mensagem de uma séria ameaça à segurança da Europa e às democracias liberais parece estar a surtir efeito entre os líderes transatlânticos.

As rápidas reações de ambos os lados do Atlântico para impor sanções coordenadas ao regime russo por reconhecer a independência das regiões separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk e lançar um ataque militar não provocado à Ucrânia, mostra que a democracia e a liberdade estão à frente.

O congelamento rápido do gasoduto Nord Stream 2 e as severas sanções, recentemente anunciadas, que visam bloquear alguns bancos russos do sistema de pagamentos swift e impedir que o Banco Central da Rússia possa aceder às reservas que tem na banca europeia e internacional, para amortizar o choque do eventual custo económico que está a ser imposto ao regime russo, mostra até que ponto os países europeus e a UE estão dispostos a ir.

A reversão alemã da tradicional postura de não enviar armamento para zonas de conflito – muito criticada aliás durante as últimas semanas – é muitíssimo significativa no contexto atual.

As ameaças híbridas que o Kremlin tem usado e testado noutros chamados "conflitos congelados" para extrair concessões, distorcer a realidade e semear instabilidade nas fronteiras da Europa, assumiram agora contornos muito mais gravosos com a componente militar.

Por esta altura, já não devem restar dúvidas de que o senhor Putin é um rufia geopolítico e não vai parar a menos que tenha oposição por uma contra força significativa. Quaisquer sinais europeus ou transatlânticos de fraqueza e divisão, dar-lhe-ão a margem de manobra que ele quer para cumprir a sua missão de restaurar o estatuto de grande potência da Rússia, deixando destruição no seu rasto.

Ameaças híbridas; poder híbrido da UE

Esta crise é um momento decisivo para a Europa e surge numa altura em que a UE e os seus Estados-membros continuam ambivalentes em construir a sua autonomia estratégica.

Agora, mais do que antes, os apelos para construir uma capacidade de segurança e defesa autónoma a nível europeu tornar-se-ão simultaneamente mais proeminentes, mas também potencialmente (e legitimamente) mais contestados pelos países mais próximos da ameaça russa que também temem um êxodo norte-americano da Europa, uma vez que os EUA se querem concentrar no seu principal rival: a China.

A realidade é que só os EUA e a NATO podem dissuadir militarmente a Rússia e garantir a defesa territorial da Europa (se se chegar a esse ponto). No entanto, a ameaça da Rússia é multifacetada e multidirecional (veja-se Síria, Mali, Líbia, instigação de fluxos de refugiados, interferência eleitoral, desinformação, dependência energética, ciberataques).

Até agora, a resposta da UE à Rússia de Putin, coordenada com os parceiros transatlânticos, equivale àquilo a que poderíamos designar por poder híbrido: a combinação de diversos sectores, desde as finanças, o comércio e a energia até à contra desinformação ou o apoio financeiro e diplomático à Ucrânia para responder à presente ameaça.

O desenvolvimento e reforço do poder híbrido por parte dos países europeus deverá permitir à UE calibrar a sua resposta de acordo com a ameaça que enfrenta – desde que, naturalmente, tenha os meios e a vontade política para o fazer.

A esperada adoção, no final de março, da chamada ‘Bússola Estratégica’ para a segurança e defesa do bloco europeu, lançada pela Alemanha em 2020, será uma peça adicional do puzzle de poder híbrido da UE. A Bússola não pretende criar um "exército europeu", mas sim lançar as bases para desenvolver uma posição europeia mais autónoma de defesa a longo prazo; um passo que Washington agora apoia mais aberta e entusiasticamente.

Mas uma coisa é certa: A partir desta crise, os membros da UE vão ter que levar muito mais a sério os indispensáveis investimentos na defesa e fortalecer aquilo a que se costuma designar por ‘hard power’ da União.

Antes que melhore, ainda vai piorar

O comportamento agressivo da Rússia, como perturbador permanente da ordem de segurança vigente na Europa e no mundo, vai ser um novo normal na era da permacrise, agravando os atuais níveis de incerteza e volatilidade. A Ucrânia está agora a pagar o preço último pela afirmação da sua liberdade, independência e soberania. E Putin é o carrasco.

Excluindo um confronto militar aberto russo com a NATO ou com a UE, às ameaças híbridas a Europa deve responder com o poder híbrido. É nisto que a UE e os seus países devem concentrar-se para que a democracia e as sociedades abertas prevaleçam.

A presente agressão militar de Putin pode dar-lhe uma vantagem tática. Mas, a longo prazo, poderá ser derrotado se a UE e os seus líderes e aliados retirarem as devidas lições estratégicas deste momento negro da história da Europa e estiverem dispostos a aceitar os custos de estarem menos dependentes da Rússia e de reforçarem a sua capacidade de agir de forma autónoma no futuro.

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