Uma nova linhagem da Ómicron já estudada na Dinamarca aparenta estar a causar um aumento de casos, e em Portugal já foram identificadas algumas diferenças em relação à linhagem original
Ainda está presente em poucos países, mas os primeiros dados da análise à linhagem BA.2, da variante da covid-19 Ómicron, sugerem que pode ser mais contagiosa. É isso que se pode concluir dos dados disponibilizados pela Dinamarca, que identificou a mutação pela primeira vez na segunda semana de dezembro.
"Na Dinamarca, com esta BA.2, parece ter havido um aumento significativo do número de casos que pode sugerir que possa ter uma transmissibilidade maior que a Ómicron", diz o investigador do Instituto de Medicina Molecular Miguel Prudêncio, ressalvando que são necessários dados mais aprofundados para confirmar a situação. O investigador indica que os resultados "não são suficientemente sólidos" para poder afirmar, com toda a certeza, que "é mais transmissível", até porque "em Inglaterra não se observa a mesma coisa".
No país escandinavo, e segundo as autoridades de saúde, os primeiros casos de BA.2 foram sequenciados na segunda semana de dezembro. Desde então, a proporção desta linhagem subiu de forma significativa. Nessa mesma semana de dezembro, a BA.2 era responsável por 2,3% dos casos analisados, percentagem que sobe para 44,8% na última semana analisada (a segunda de janeiro). Entre os 1.458 casos sequenciados, 653 eram daquela linhagem.
Como se comporta a BA.2
Detetada pela primeira vez em Portugal a 28 de novembro, a variante Ómicron tem já quatro linhagens diferentes. Originalmente classificada como B.1.1.529 (chamada linhagem ancestral), surgiram, um pouco por todo o mundo, as linhagens BA.1. (Ómicron original), BA.1.1, BA.2 e BA.3, estando a primeira e a terceira já presentes em território português, de acordo com o relatório mais recente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.
Mas será que uma linhagem da variante provoca um comportamento diferente da mesma?
"Uma espécie de Ómicron com mais modificações". Embora haja muitos traços semelhantes, é assim que o investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) Miguel Prudêncio classifica a BA.2. Nas diferenças, desde logo a ausência de uma "falha" do gene S, o que, na prática, não tem impacto virológico, mas torna o trabalho dos investigadores mais difícil. Se na maioria das variantes é possível identificar a sequenciação através de um simples teste PCR, a ausência desta "falha" obriga a que seja feita uma sequenciação mais demorada, pelo que a sinalização destes casos demora mais tempo. Talvez isso explique que a deteção de uma amostra no Algarve referenciada dia 18 de janeiro tenha sido sinalizada no fim do ano de 2021. Com a Ómicron original, a deteção pode ser feita através de PCR, quase de um dia para o outro.
Esta falha no gene S é uma caraterística individual da Ómicron, que permite que esta variante seja mais facilmente identificada. Ou seja, ao não apresentar esta falha, a BA.2 deve ser analisada como qualquer outra variante. Na prática, a amostra analisada tanto pode ser de BA.2 como de qualquer outra variante que não a Ómicron.
"Em contraste com a linhagem BA.1, a BA.2 não tem a deleção del69-70 na proteína Spike, pelo que não apresenta “falha” na detecção do gene S", pode ler-se no relatório do INSA.
Esta é uma das poucas certezas relativamente a uma sublinhagem da qual ainda se conhece muito pouco. O mais importante, denota Miguel Prudêncio, é que tudo aponta que esta linhagem não tenha uma maior influência no desenvolvimento de doença grave.
"Não há dados de que a doença tenha gravidade diferente da da Ómicron, mas precisamos de mais tempo. Para já não há indicação que a BA.2 cause doença mais grave que a Ómicron, que já é menos grave que a Delta, por exemplo", explica, reforçando que é necessário mais tempo para uma análise mais pormenorizada.
Este é, de resto, um dos três pontos fulcrais na análise de uma nova variante, aqueles para onde todos os investigadores olham assim que surgem novas variantes ou linhagens. Os restantes, a transmissibilidade e a eficácia das vacinas, também são sempre analisados.
Quanto ao primeiro, Miguel Prudêncio refere que os dados existentes são ainda muito preliminares, e aponta os exemplos de Dinamarca e Reino Unido, que deram dados um pouco diferentes. No país escandinavo, por exemplo, houve um aumento de casos nas últimas semanas, algo que os investigadores admitem estar ligado ao aparecimento da BA.2. Já no Reino Unido, o aparecimento desta linhagem não causou, para já, um aumento de casos significativo.
Quanto à eficácia das vacinas, "não houve nenhuma variante para a qual as vacinas perdessem todas as eficácias, nomeadamente contra a forma mais grave da doença". Este é um cenário ainda mais vincado com as doses de reforço, sublinha Miguel Prudêncio, que fala da importância da resposta das células T, essenciais para ajudar o corpo a combater a infeção, e que são "treinadas" pelas vacinas para reagirem quando aparece uma infeção.
No entanto, e como nos outros pontos, é preciso analisar mais dados para que se perceba o real impacto.
"Quando surge uma nova variante são estas três coisas que temos de ter em atenção: transmissibilidade, gravidade da doença e capacidade das vacinas", vinca o investigador do IMM.
Ao todo, e de acordo com os dados compilados pelo website cov-lineages, citado pela Organização Mundial de Saúde, foram já identificadas 1.728 linhagens de 27 variantes diferentes. Dessas variantes, cinco foram consideradas de "preocupação", a última das quais a Ómicron, que se juntou a Alpha, Beta, Gamma e Delta.
A Ómicron e a BA.2 em Portugal
Em menos de dois meses, a Ómicron tornou-se na variante prevalente em Portugal, sendo responsável por cerca de 93% dos casos de covid-19 sinalizados em Portugal, de acordo com os dados mais atualizados, que remontam a um período entre 7 e 9 de janeiro.
Mais transmissível, será esta mutação do vírus que explica o disparar de casos em Portugal, cujo recorde diário não chegava aos 17 mil até 2021, mas que subiu rapidamente, sendo já de 43.729 infeções num só dia.
"Desde o dia 6 de dezembro, tem-se verificado um elevado crescimento na proporção de casos prováveis da variante Omicron (BA.1), tendo atingido uma proporção estimada máxima de 93% entre os dias 7 e 9 de janeiro", confirma o INSA.
Os dados apontam que, nos últimos dias, a linhagem BA.1 tem decrescido, algo que pode ser atribuído ao aparecimento da BA.2: "Ensaios preliminares revelaram perfis mutacionais compatíveis com a linhagem BA.2, sugerindo que o decréscimo na proporção de amostras positivas SGTF poderá dever-se, pelo menos parcialmente, a um aumento de circulação desta linhagem em Portugal", explica o INSA, que confirma que esta linhagem já foi detetada em amostras no Algarve.
Antes da identificação desse caso, a "recente emergência da linhagem BA.2 em vários países" levou o INSA a pedir uma pesquisa dirigida de mutações, para que se possam identificar amostras sem a tal "falha" no gene S.