Os fabricantes dizem que os clientes querem exibir os seus carros como se fossem peças de arte, encomendando espaços personalizados que os ajudam a ter o melhor aspeto possível
Gil Dezer tem uma vista imponente a partir do topo do seu apartamento de quatro andares numa torre residencial de 60 andares em Miami. Contudo, este multimilionário, que é promotor imobiliário, não tem tanto interesse em olhar para as Bahamas, que ficam do outro lado da praia. Prefere antes olhar através das grandes janelas internas, onde vê 11 dos seus carros favoritos.
“Da minha sala de estar posso ver dois carros, da minha cozinha outros dois, depois outros sete da divisão a que chamo ‘a minha caverna masculina’”, conta à CNN este homem de 48 anos através de uma videochamada, preferindo descrever, em vez de mostrar, o seu apartamento. “Para mim, é como um colecionador de arte com um quadro de Da Vinci: não deixa o quadro no armazém, coloca-o na parede”.
Dezer explica que a sua Mona Lisa é um dos seus três supercarros exóticos: um McLaren Speedtail, um Porsche 918 e um Bugatti Chiron, cada um a valer mais de um milhão de dólares. Foi por isso que, quando avançou com o projeto da torre, ajudou a desenhar um elevador central que transporta os veículos até às suas garagens celestes, todas em vidro.
Para os entusiastas de carros que são muito ricos, uma garagem humilde – por tradição, um lugar de grande utilidade, que alimenta o sonho suburbano, geralmente separado da casa – virou um imóvel valioso, onde os condutores não só protegem as suas viaturas, mas onde também trocam experiências com amigos com semelhante gosto.
“Em vez de garagens, agora chamamo-los de ‘espaços de galeria’”, afirma Graham Harris, sócio fundador do SHH Architecture and Interior Design, em Londres, um dos principais estúdios de arquitetura do mundo para clientes abastados. “Tem tudo a ver com o drama, com um lado teatral, com o cenário, com a iluminação certa. Longe vão os dias em que uma garagem era um caixote de betão”.
Harris – que tem nos seus projetos a recuperação de uma mansão avaliada em 125 milhões de libras (cerca de 147 milhões de euros) na prestigiada Belgrave Square, em Londres – conta à CNN que há uma maior procura por garagens, não só para albergar as crescentes coleções de carros, mas também com mais espaço para conviver. Harris, por exemplo, completou recentemente uma garagem subterrânea para 26 veículos numa nova casa na zona oeste de Londres.
Ao fundir os tradicionais conceitos americanos de garagem e porão, estas luxuosas “cavernas masculinas” podem incluir simuladores avançados de corridas de carros, com ecrãs envolventes ou equipamentos de realidade virtual, bem como bares, pistas de bowling, simuladores de golfe e televisores gigantes para assistir às competições desportivas.
“Há muitos clientes a encomendar a Samsung Wall, um ecrã LED personalizado, que pode ter o tamanho que o cliente quiser, com um preço a começar nas 300 mil libras (cerca de 350 mil euros). Cria um cenário incrível, ao gosto do cliente, em qualquer garagem”, junta Harris.
Também os materiais estão a mudar. O chão de betão está ultrapassado. Harris agora utiliza resina aplicada à mão, que pode ter um acabamento de qualquer cor, protegendo os pneus dos carros e repelindo sujidade e óleos. A iluminação pode ser embutida no chão para destacar os veículos, fazendo-os parecer que estão a flutuar.
Plataformas giratórias no chão e sofisticados de estantes hidráulicas tornam possível empilhar, mover e exibir os carros facilmente, o que é melhor para qualquer profissional da casa dedicado à gestão das viaturas, garantindo que um dos veículos preferidos está disponível a qualquer momento.
Harris disponibiliza a fotografia de uma garagem para 16 carros que criou “algures na Europa”. Visível através de uma larga janela, que pode tornar-se fosca através de um toque num botão, possui um piso de resina e uma plataforma giratória central, com um teto preto brilhante projetado para espelhar os carros abaixo. Do outro lado do vidro, o escritório do cliente ergue-se ligeiramente acima da garagem, com paredes de nogueira recortada em painéis hexagonais de couro e molduras douradas.
É um mundo muito distante dos espaços funcionar que o pai de Gil Dezer, Michael, usava para proteger os seus carros quando começou a construir o império imobiliário da família. A prioridade para Michael, um condutor de autocarros de Tel Aviv que se mudou para os Estados Unidos aos 21 anos, era apenas ter espaço para guardá-los todos.
“Ele tinha 85 carros quando estava no quinto ano. Comprou o espaço de um antigo stand automóvel para mantê-los”, conta Dezer. A família acabou a comprar um antigo centro comercial em Orlando, onde Michael mantém agora mais de 180 carros, avaliados em mais de 200 milhões de dólares (cerca de 185 milhões de euros), no Orlando Auto Museum, parte do parque temático Dezerland Park.
Gil Dezer adotou uma estratégia diferente, com a sua própria coleção de apenas 32 carros dividida entre a sua casa nos Hamptons e a “penthouse” de Miami. O milionário quer ver e conduzir as suas viaturas quando bem lhe apetecer, mergulhando-se a si e aos vizinhos nesta realidade.
O edifício de Dezer, que foi concluído em 2017, com um custo de 480 milhões de dólares (cerca de 442 milhões de euros), chama-se Porsche Design Tower. Foi um dos primeiros empreendimentos residenciais da marca. O elevador central para carros, patenteado como “Dezervator”, fez da torre um verdadeiro sucesso entre aqueles que valorizam a sua prividade e segurança. O futebolista Lionel Messi mudou-se para lá quando assinou com o Inter Miami de David Beckham (apesar de Dezer dizer que o jogador se mudou depois para uma casa “no meio do nada” quando milhares de adeptos passaram a frequentar a rua em frente ao prédio).
A empresa da família Dezer está prestes a começar a construção do complexo Bentley Residences, também em Miami, com 62 andares. O mesmo irá incluir sugestões de design da marca automóvel, além de quatro “Dezervators”. Haverá espaço para três ou quatro carros para cada um dos 216 apartamentos, que incluem piscina e varanda. Os preços variam entre os 5,5 e os 35 milhões de dólares (entre os cinco e os 32 milhões de euros, mais coisa menos coisa).
“A Bentley quer que o projeto seja uma continuação da experiência automóvel”, explica Dezer. “Estamos a trabalhar num sistema que permitirá que a música que está a ouvir no carro continue quanto entrar em casa”.
É claro que o leitor seria louco por comprar um apartamento numa torre da Porsche ou da Bentley sem ter um carro dessas marcas. Mas é mesmo preciso querer ficar a olhar para os seus próprios carros o dia inteiro para poder viver lá? “É uma pergunta dolorosa”, responde Dezer, entre risos. “Cerca de 5% dos residentes colocaram um revestimento nas janelas que dão para a garagem. A minha irmã tem um lindo apartamento aqui. Quando entrei, reparei que ela tinha feito isso. Estava a ponto de matá-la”.