opinião
Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

Primeiro ataque em solo russo desde a II Guerra Mundial? Análise militar indica uma provável “false flag”

8 abr 2022, 12:24

Vamos iniciar essa análise tratando dos dados conhecidos e confirmados para depois apresentar um raciocínio cartesiano militar.

No dia 1 de abril de 2022, pouco antes das 6h da manhã, dois helicópteros MI 24 (cuja versão de exportação é chamada de MI 35) circularam no espaço aéreo russo e realizaram disparos com  foguetes S-8 contra depósitos de combustível a uma distância aproximada de 600m. Pouco tempo depois, o governador da província de Belgorod, na Rússia, acusou a Ucrânia de realizar o que poderia ser o primeiro ataque em solo russo desde a II Guerra Mundial. Os depósitos de combustível estão a cerca de 40Km da fronteira com a Ucrânia e ao norte da cidade ucraniana de Kharkiv, onde têm ocorrido combates intensos há semanas.

Essa aeronave é um helicóptero de ataque com blindagem reforçada e motor potente, o que lhe conferiu a alcunha de “Tanque voador”. A sua autonomia de vôo é de até 450 Km. Considerado um helicóptero de grandes dimensões, possui também capacidade para transportar até oito combatentes. Esse tipo de aeronave está em operação desde a década de 1970 e já foi usado por mais de cinquenta países em todos os continentes, exceto na Antártica.

Partindo dessas informações, vamos fazer algumas considerações sobre esse suposto ataque em que a Ucrânia nega envolvimento. O planeamento de uma operação desta natureza envolve vários aspectos que aprendi no Estágio de Operações Aeromóveis, ministrado no Centro de Instrução de Aviação do Exército Brasileiro.

• Se a autonomia da aeronave é de 450Km, podemos considerar que a distância máxima de deslocamento seria de 200Km, e 50Km de autonomia ficariam como reserva para ter flexibilidade caso ocorra algum imprevisto e a rota precise de ser alterada;

•  A Rússia e a Ucrânia são dotadas desta mesma aeronave em atividade, como herança da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

• O helicóptero é considerado um meio nobre e caro, devendo ser empregado em missões envolvendo alvos compensadores, que justifiquem o risco de ser abatido ou danificado.

• A região da faixa de fronteira entre os dois países ao norte de Kharkiv está sob controlo russo, o que significaria um grande risco para os helicópteros sobrevoarem, porque os sistemas de radares e defesa antiaérea dos russos são sofisticados e eficientes.

• No planeamento de um deslocamento desta natureza, é muito importante ter informações sobre a localização dos radares. O terreno possui dobras que consistem em zonas de sombra para os radares, que os pilotos procuram usar para encobrir o deslocamento dos helicópteros que procuram voar rente ao chão ou à copa das árvores. Esse tipo de deslocamento é mais comum ser realizado de dia. À noite, é necessário que a tripulação utilize óculos de visão noturna, o que prejudica muito a percepção de profundidade e leva os pilotos a reduzir a velocidade e voar mais afastado das dobras do terreno, aumentando a exposição ao sistema de radares.

• Os sistemas de radares são normalmente integrados com as defesas antiaéreas, que engajam automaticamente os alvos considerados hostis após identificados.

• Considera-se que dois helicópteros operando juntos formam uma secção, a menor fração de emprego.

• Os foguetes S-8 usados não têm grande precisão e obrigaram os helicópteros a aproximarem-se dos alvos até uma distância muito reduzida.

• Os depósitos de combustível atingidos não apresentam nenhuma vantagem relevante às forças ucranianas nem alteram quase nada na manobra russa, além de não ter havido nenhuma vítima. Também não se sabe se os depósitos estavam cheios de combustível ou apenas parcialmente completos.

• O depósito de combustível é um alvo altamente inflamável caso seja atingido por outros tipos de armamento muito mais baratos, e que que podem ser disparados de um pequeno grupo desde o solo, a partir de distâncias muito maiores (5Km) sem serem identificados. A Ucrânia dispõe dessas armas.

• Não há informações sobre a trajetória das aeronaves até chegarem às proximidades dos depósitos atingidos, podendo ter descolado tanto da Ucrânia quanto da Rússia. Causou muita estranheza que esse tipo de deslocamento não tivesse sido rastreado pelos sistemas de defesa da Rússia.

• Nos dias que antecederam o ataque, a Rússia estava a ser pressionada a reduzir a intensidade de suas ações, em rodas de negociação.

Considerando as observações acima e a presteza da comunicação oficial russa em comunicar estas explosões, pode-se inferir que existe uma possibilidade significativa de estas duas aeronaves empregadas serem russas e terem descolado em segurança de dentro do território russo e regressado sem grandes riscos, consistindo no que se popularmente chama de “False Flag”.

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