Caixões de "soldados franceses na Ucrânia", Tom Cruise e alertas da CIA: agentes russos estão a dar tudo para não irem parar à linha da frente

CNN , Sean Lyngaas e Donie O'Sullivan
4 jun, 11:22
Segurança reforçada em Paris para os Jogos Olímpicos (AP Photo/Michel Euler)

Falso documentário de Tom Cruise é o mais recente desenvolvimento de uma campanha de influência russa que visa os Jogos Olímpicos de Paris e o apoio do Ocidente à Ucrânia, nomeadamente de Emmanuel Macron

Os propagandistas pró-russos estão a intensificar os seus esforços para denegrir os Jogos Olímpicos de Paris, no próximo mês, e minar o apoio do Ocidente à Ucrânia através de uma série de descaradas manobras online e offline, disseram à CNN especialistas e responsáveis ocidentais.

Segundo as fontes, as manobras incluem a utilização de inteligência artificial para imitar a voz do ator Tom Cruise na narração de um falso documentário que ataca o Comité Olímpico Internacional (COI) e a colocação de caixões com uma inscrição que invoca a guerra da Ucrânia perto da Torre Eiffel.

A atividade parece fazer parte de um esforço cada vez mais frenético dos agentes russos para manchar os Jogos Olímpicos e travar qualquer impulso que a Ucrânia esteja a criar para usar armas fabricadas no Ocidente para atacar o território russo, disseram à CNN especialistas que seguem a desinformação russa. O COI impôs restrições à participação de atletas russos nos Jogos Olímpicos de Paris devido à guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Há uma mistura de desespero e oportunismo na recente onda de propaganda, afirmou Gavin Wilde, ex-especialista em Rússia do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. “Para os propagandistas tecnológicos que trabalham na Rússia, a alternativa contra a qual se estão a proteger não é a irrelevância - é uma viagem só de ida para as linhas da frente”, disse Wilde à CNN.

Campanha para minar o Ocidente

Os agentes russos utilizaram a voz falsa de Cruise, o logótipo da Netflix e até uma crítica falsa do New York Times para tentar dar legitimidade ao documentário, de acordo com analistas da Microsoft, que publicaram um relatório sobre a atividade no domingo. O vídeo de propaganda, lançado na plataforma de comunicação social Telegram no ano passado, foi “o primeiro vislumbre do que viria a ser uma extensa campanha” do mesmo ator de propaganda russa para difamar os Jogos Olímpicos de Paris, apontou a Microsoft.

De acordo com a Microsoft, os propagandistas russos também têm vindo a criar notícias falsas, alegando que os parisienses estão a comprar seguros de propriedade devido ao receio de terrorismo em torno dos Jogos Olímpicos, e falsos comunicados de imprensa que alegadamente provêm da CIA e dos serviços secretos franceses, alertando para o terrorismo.

A CNN solicitou um comentário à embaixada russa em Washington, DC.

Nem todos os subterfúgios recentes foram online.

No sábado, a polícia francesa descobriu cinco caixões cobertos com a bandeira francesa, com as palavras “soldados franceses na Ucrânia”, perto da Torre Eiffel. Um oficial militar francês disse à CNN que há suspeitas de que a Rússia esteja envolvida na manobra. A polícia francesa está a interrogar três homens relacionados com o incidente.

A recusa do presidente francês Emmanuel Macron em descartar a possibilidade de enviar tropas francesas para a Ucrânia enfureceu o governo russo.

Nos últimos dias, as redes sociais pró-Rússia também partilharam um vídeo falsificado do porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, comentando a potencial utilização pela Ucrânia de armas fabricadas nos EUA na Rússia. O vídeo parece ter sido compilado a partir de duas aparições diferentes de Miller na imprensa, mostrando-o com gravatas diferentes.

Não é claro quem fez o vídeo. As autoridades norte-americanas e os peritos privados não identificaram publicamente a fonte do vídeo.

“Embora este vídeo seja obviamente falso, é um passo em direção ao que os investigadores de contra-desinformação têm vindo a alertar - a utilização de meios de comunicação manipulados por IA para melhorar as operações de desinformação estrangeiras”, observou o Departamento de Estado numa declaração à CNN.

A embaixada russa na África do Sul partilhou uma versão do vídeo nas suas contas X, de acordo com capturas de ecrã captadas por um jornalista da BBC.

Para Hany Farid, um especialista forense digital e professor da UC Berkley, o vídeo tinha características de ser manipulado usando IA.

Farid passou o vídeo por vários sistemas de deteção de falsificações profundas e disse que estes indicavam que as vozes no vídeo tinham sido criadas com recurso a IA e que os movimentos labiais do porta-voz do Departamento de Estado no vídeo tinham sido alterados com recurso a software de IA de sincronização labial.

“Mesmo que a falsificação não seja acreditada por todos, o bombardeamento constante de deepfakes está a levar a um ceticismo geral em relação a tudo o que vemos online”, considerou Farid.

Mas Lee Foster, outro especialista em operações de informação, manifestou ceticismo quanto ao facto de as imagens do vídeo terem sido criadas com recurso a IA.

“Olhando para ele de um ponto de vista analítico, não faz sentido usar IA para manipular os movimentos da boca de forma que eles sejam basicamente idênticos ao original”, analisou Foster. “No entanto, a manipulação do áudio do vídeo pela IA continua a ser uma questão por resolver.”

Fantasmas do passado olímpico

O antagonismo russo em relação ao COI já vem de há muitos anos. O COI proibiu os atletas russos de competirem oficialmente sob a bandeira russa em Paris devido à invasão em grande escala da Ucrânia pelo Kremlin em 2022. Os atletas russos enfrentaram restrições semelhantes em Jogos Olímpicos anteriores devido ao alegado programa de doping da Rússia.

A agência de inteligência militar russa GRU esteve por trás de um ataque cibernético destrutivo em computadores utilizados na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de inverno na Coreia do Sul em 2018, de acordo com o Departamento de Justiça dos EUA.

Os funcionários dos Jogos Olímpicos de Paris estão a preparar-se para uma ameaça semelhante no próximo mês.

“O GRU reservou alguns dos seus ciberataques mais graves para França e para os Jogos Olímpicos, e levou-os a cabo quando a situação geopolítica era consideravelmente menos tensa”, indicou John Hultquist, analista-chefe da empresa de cibersegurança Mandiant, propriedade da Google.

Os Jogos Olímpicos de Paris “serão um alvo incrivelmente aliciante para estes atores”, acrescentou Hultquist. “Qualquer ataque que eles preparem será concebido para minar o prestígio francês e a solidariedade que está no centro do evento.”

*Kylie Atwood e Saskya Vandoorne contribuíram para este artigo

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