O filme do dia em que Putin não invadiu a Ucrânia: a Rússia gozou com isso, mas a NATO está preocupada

16 fev 2022, 19:01

O conflito dizia-se iminente e o presidente ucraniano fez de uma possível invasão um grito de união entre os cidadãos. A NATO, por sua vez, acredita que a contestação militar russa dos princípios de segurança europeus veio para ficar. O que aconteceu, esta quarta-feira, no leste da Europa?

A noite anunciava-se tensa para os cidadãos ucranianos. Na segunda-feira, o presidente Volodymyr Zelensky revelava publicamente que fontes dos serviços de informação norte-americanos davam conta de que o poderoso exército russo preparava-se para invadir o país na quarta-feira, dia 16. Chegado o dia da invasão anunciada, os únicos ataques russos vieram de Moscovo em forma de ironia.

O dia começou com o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Maria Zakharova, a abrir as hostilidades com uma publicação no Facebook onde afirmou, com ironia: "Gostava de pedir às fontes de desinformação dos Estados Unidos e do Reino Unido se podem publicar o calendário das invasões que vão surgir este ano. Gostava de planear as minhas férias".

Foi com um tom semelhante que Vladimir Chizhov, embaixador russo na União Europeia, disse que as guerras "raramente começam às quartas-feiras" na Europa. Também o deputado embaixador para as Nações Unidas, Dmitry Polyanksiy, terá sugerido que os líderes europeus deviam visitar um médico por toda a "paranóia" com a data da invasão.

Um novo normal na Europa

Os comentários surgem um dia depois de Vladimir Putin ter garantido publicamente, durante uma conferência de imprensa conjunta com o chanceler alemão Olaf Scholz, que o exército russo estava a levar a cabo “uma retirada parcial” das forças aglomeradas “nas áreas dos exercícios”. De Joe Biden a Zelensky e a passar pela NATO, estas alegações foram recebidas pelo Ocidente com muito ceticismo.

“Para já, não vemos qualquer sinal de um desescalar da situação no terreno. Não há qualquer retirada de tropas ou equipamento. Isto pode mudar, mas o que vemos hoje é que a Rússia mantém um grande contingente militar na fronteira, pronto para atacar”, afirmou esta quarta-feira o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que diz que a situação atual é “a maior crise de segurança europeia desde a Guerra Fria”.

"Reagimos à realidade e, por enquanto, ainda não vimos qualquer retirada, só ouvimos falar dela", disse esta quarta-feira Zelensky à BBC Radio 4."Quando as tropas retirarem, todos poderão vê-lo, não só os serviços de reconhecimento militar, mas todos nós", acrescentou o presidente ucraniano, que sublinhou que "todas as pessoas esperam que haja um apaziguamento" das tensões com a Rússia.

Em resposta, a NATO revelou que aumentou a prontidão e o número de tropas, aviões e navios disponíveis para reagir de força rápida a qualquer movimentação russa, embora sublinhem que estes são apenas “passos defensivos” e que a aliança “não é uma ameaça para a Rússia. Porém, Stoltenberg assegura que os membros da NATO estão juntos, numa altura em que “Moscovo tornou claro estar disposto a contestar os princípios fundamentais em que se baseia a nossa segurança durante décadas. E está disposta a fazê-lo com a utilização de força”.

“Este é o novo normal na Europa”, afirmou, acrescentando que a organização se mantém "aberta para o diálogo" e relembra Moscovo que "não é tarde demais para recuar".

O porta-voz do Kremlim, Dmitry Peskov, diz que “aparentemente, existe uma certa limitação no sistema da NATO de avaliação da situação”, que incapacita os seus representantes de “avaliar friamente a situação”.

Ciberataque sem precedentes

Moscovo negou esta quarta-feira a autoria do ciberataque que teve como alvo o site do Ministério da Defesa russo e dois bancos privados. Em causa esteve um ataque DDoS, o maior da história da Ucrânia. Nas últimas horas, o Privatbank tem estado inoperacional e há falhas no Banco de Poupança do Estado da Ucrânia, ou Oschadbank.

"Ontem, 15 de fevereiro, ocorreu o maior ataque na história da Ucrânia contra sites estatais e o setor bancário", disse o vice-primeiro-ministro e ministro da Transformação Digital, Mikhail Fyodorov, citado pela agência noticiosa UNIAN. Este foi um ataque preparado antecipadamente e que custou "milhões de dólares", disse o ministro, sublinhando que “o objetivo era desestabilizar e desencadear o pânico".

O chefe do departamento de cibersegurança do Conselho de Segurança da Ucrânia (SBU), Ilya Vityuk, disse que é muito cedo para visar um responsável direto, mas notou que o elevado custo de tal operação exclui a possibilidade de um ‘hacker’ solitário ou de um pequeno grupo. Em causa está um chamado ataque negação de serviço distribuído (DDoS) inundou os servidores dos sites ucranianos com tráfego falso, excedendo a capacidade da a infraestrutura do site, que fica incapaz de dar resposta ao elevado número de solicitações.

O governo dos EUA está a investigar o ataque cibernético em sites ucranianos, de acordo com uma funcionária do Departamento de Estado na quarta-feira, sugerindo que a Rússia tem um histórico de realizar tais hacks. "Quem é que costuma utilizar estas armas um pouco por todo o mundo? O Kremlim, obviamente", afirmou Victoria Nuland, num programa matinal na CBS, onde acrescentou que, apesar da suspeição, os Estados Unidos ainda estão a levar a cabo "trabalho forense" para descobrir a origem do ciberataque.

"A Rússia não está relacionada com qualquer ciberataque”, disse aos jornalistas o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.

Putin não reconhece repúblicas separatistas (para já)

A Presidência russa deu esta quarta-feira uma indicação de que Vladimir Putin vai recusar o reconhecimento das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk na Ucrânia, por isso constituir uma violação dos Acordos de Minsk. Numa resolução aprovada na terça-feira, a Duma, o parlamento russo, apelou a Putin para que reconheça as repúblicas da região do Donbass, no sudeste da Ucrânia, proclamadas por separatistas pró-Moscovo em guerra contra Kiev desde 2014, com apoio da Rússia.

“Sem dúvida, o reconhecimento não corresponde aos Acordos de Minsk”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, citado pela agência estatal russa TASS, ao ser questionado sobre a reação de Putin ao pedido parlamentar. Peskov explica que o presidente russo tomou nota do apelo, mas “salientou que o crucial é ajudar a resolver a situação no sudeste” da Ucrânia.

“E isso só pode ser feito através de esforços abrangentes para facilitar a implementação do Pacote de Medidas de Minsk”, disse o porta-voz do Kremlin. “É nisto que o presidente se vai concentrar”, acrescentou.

Peskov disse que Putin defendeu em várias ocasiões o cumprimento dos acordos assinados em 2015, sob mediação francesa e alemã, que preveem um estatuto especial para os territórios controlados pelos separatistas. Mas, considerou Peskov, a resolução parlamentar é um “indicador claro do estado de espírito dos deputados e da opinião pública prevalecente no país”. De acordo com o porta-voz, a lei russa não impõe quaisquer prazos ou obrigações ao chefe de Estado para responder à resolução parlamentar. 

A iniciativa da Duma foi de imediato condenada pela Ucrânia e pelos países ocidentais, que alertaram que o reconhecimento dos territórios separatistas significaria o fim do processo de paz no Leste da Ucrânia.

O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, disse, na terça-feira, esperar que Moscovo cumpra “os seus compromissos e participe de boa-fé" nas negociações sobre o Donbass no chamado Formato da Normandia com a Ucrânia, com mediação da França e da Alemanha. A última reunião dos líderes dos quatro países do Formato Normandia realizou-se em 2019, em Paris. Nas últimas semanas, realizaram-se duas reuniões de conselheiros políticos nesse formato, sem sucesso, no âmbito da atual crise sobre a Ucrânia.

A guerra na região do Donbass começou em 2014, quando a Rússia invadiu e anexou a península ucraniana da Crimeia. Desde então, o conflito provocou cerca de 14.000 mortos e 1,5 milhões de deslocados, segundo as Nações Unidas.

 

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