Como os telemóveis estão a matar as nossas crianças – e o que podemos fazer para evitá-lo

CNN , Matt Villano
28 abr, 19:00
Telemóveis e smartphones (Getty)

Há aqui quatro dicas preciosas para uma mudança desejada por muitas famílias e pedagogos

O psicólogo Jonathan Haidt, especialista na área da Psicologia Social, tornou-se, provavelmente, pouco popular entre os adolescentes nas últimas semanas.

O seu novo livro “The Anxious Generation: How the Great Rewiring of Childhood Is Causing an Epidemic of Mental Illness” [A Geração Ansiosa: como as novas ligações da infância estão a causar uma epidemia de doenças mentais, em tradução livre] apela, essencialmente, a uma revolução na forma como os pais gerem o uso dos telemóveis e das redes sociais dos adolescentes.

Em resumo, Haidt escreve que as crianças deviam ter pouco ou nenhum acesso a ambos antes de fazerem 16 anos.

Se houve quem questionasse a base científica em que assenta a tese de Haidt, o especialista argumenta que se trata de uma perspetiva consolidada por vários anos de pesquisa – investigações que retratam as crescentes lutas de adolescentes e pré-adolescentes americanos no campo da saúde mental, bem como estatísticas que indicam que muitos adolescentes nos Estados Unidos da América se encontram já, de alguma forma, deprimidos ou ansiosos.

A American Psychological Association [Associação Americana de Psicologia] fez eco destas preocupações num novo relatório que chama a atenção das plataformas de redes sociais para um modelo de funcionamento que é “intrinsecamente inseguro para crianças”. No documento, é referido que as crianças não têm “a experiência, a capacidade de julgamento e o autocontrolo” necessários para gerirem sozinhas essas plataformas. A associação diz ainda que a culpa não pode ser apenas atribuída aos pais, aos jovens ou às lojas de aplicações – tem de recair também sobre quem desenvolve essas plataformas.

Mas os pais não deverão poder contar com os responsáveis das plataformas, o que leva à chocante conclusão de Haidt: enquanto sociedade, encontramo-nos num ponto crítico, e, se os adultos não agirem, poderão colocar em risco a saúde mental de todos os jovens, rasgando todos os limites.

Haidt, que leciona a disciplina de Liderança Ética na Leonard N. Stern School of Business da New York University, tem passado inúmeras horas a divulgar a mensagem do seu novo livro desde o seu lançamento, a 26 de março. A CNN conversou com Haidt sobre a sua pesquisa, sobre o seu livro e sobre o que devem pais e jovens esperar daqui em diante.

Esta conversa foi editada e condensada por uma questão de clareza.

CNN: Como é que nos metemos nesta situação?

Jonathan Haidt: As crianças sempre tiveram infâncias à base de jogos e brincadeiras. Contudo, de uma forma gradual, fomos deixando que isso desaparecesse, devido aos nossos medos de raptos e de outras ameaças que existiam nas décadas de 1980 e 1990. A tecnologia foi o que surgiu para preencher esse tempo. Nos anos 1990, pensávamos que a Internet iria salvar a democracia. E que iria tornar os nossos filhos mais inteligentes. Como muitos de nós eram otimistas em relação à tecnologia, não tivemos consciência quando os nossos filhos começaram a passar quatro, cinco, seis, e agora sete a nove horas, por dia nos seus telemóveis e noutros ecrãs.

O principal argumento do livro é que protegemos em demasia as nossas crianças no mundo real, acabando por deixá-los pouco protegidos online. E nestas duas facetas, é possível ver que o fizemos pensando que ficaria tudo bem. Estávamos errados nos dois aspetos.

O psicólogo especialista em Psicologia Social e autor onathan Haidt diz que os pais protegeram em demasia os seus filhos no mundo real, mas que não fizeram o suficiente para protegê-los online  (Jayne Riew)

CNN: Quais foram os dados mais surpreendentes que encontrou?

Haidt: O que me vem imediatamente à cabeça foi a descoberta de que os jovens do sexo masculino costumavam ser aqueles com maiores taxas de ossos quebrados antes desta grande transformação na infância. Antes de 2010, os rapazes eram mais propensos do que qualquer outro grupo a acabar na urgência com algo partido. Ao entrarmos na década de 2010, as taxas de hospitalização deste grupo caem, mostrando que os rapazes adolescentes têm menores probabilidades de partir um osso do que os seus pais ou avós. Passam a maior parte do tempo nos seus computadores ou consolas, então estão fisicamente protegidos. Contudo, diria que tal acontece em detrimento de um desenvolvimento saudável na infância.

CNN: Esta crise de saúde mental afecta rapazes e raparigas de maneira diferente?

Haidt: O facto fundamental no que respeita às diferenças de género é que, quando toda a gente passou a ter telemóvel na década de 2010, os rapazes se viraram para os jogos, para o Youtube e para o Reddit, enquanto as raparigas se dedicaram mais a redes sociais com uma forte componente visual, especialmente o Instagram, o Pinterest e o Tumblr.

A segunda diferença é que as raparigas partilham mais as suas emoções do que os rapazes. Falam mais dos seus sentimentos e estão mais abertas umas para as outras. Os níveis de ansiedade das raparigas dispararam neste período (pré-adolescência e adolescência), à medida em que passaram a estar extremamente conectadas através das redes sociais.

A automutilação é, historicamente, uma das formas que algumas raparigas utilizam para lidar com a ansiedade – e essas taxas também aumentaram no início da década de 2010. Antes, a automutilação não era algo que as jovens de 12 e 13 anos fizessem, era mais comum nas raparigas mais velhas. Nessa década, as idas às urgências por automutilação em raparigas dos 10 aos 14 anos praticamente triplicaram. É um dos maiores aumentos nos marcadores de doença mental que identificámos em todos os dados que analisámos.

CNN: Disse que estamos num momento crítico desta crise. Porquê?

Haidt: Penso que este ano é um momento crítico por vários motivos. Em 2010, o debate estava a começar. Depois aconteceu a pandemia de covid-19, o que tornou mais negras as perspetivas anteriores. Agora, que já passaram alguns anos desde a covid-19, desde o fecho das escolhas, desde as máscaras, tornou-se mais claro para todos que as crianças não estão bem. E os dados sobre as taxas de doença mental mostram-nos que a maioria do crescimento teve lugar muito antes da chegada da covid-19.

Hoje em dia, nas famílias de toda a América, uma das maiores e mais prevalentes dinâmicas é a luta com a tecnologia. O que apurei desde o lançamento do meu livro é que quase toda a gente sabe que existe um problema. Os pais estão desesperados. Sentem que não há como dar a volta. Dizem-me ‘Não é possível voltar a pasta de dentes de volta na embalagem, pois não?”. Ao que eu respondo: “Se é realmente necessário, consegue fazê-lo”.

Quando olhamos para os danos na saúde mental dos adolescentes, quando vemos os aumentos na automutilação e no suicídio, quando vemos a diminuição das notas nos testes desde 20212 nos Estados Unidos e em todo o mundo, penso que é preciso fazer alguma coisa. O meu livro fornece uma análise clara dos múltiplos problemas da nossa ação coletiva e apresenta quatro formas simples de os resolvermos.

O especialista reforça que os pais precisam de reverter uma infância assente no telefone e de restaurar uma infância assente na brincadeira Rouzes/iStockphoto/Getty Images)

CNN: Quais são então os caminhos para resolver esta crise?

Haidt: Primeiro: Nada de telemóveis com ligação à Internet antes do ensino secundário. Devemos eliminá-los do ensino primário e básico. Apenas devemos deixar as crianças terem acesso a um telemóvel daqueles simples, que só dão para fazer chamadas, ou um relógio que permita essas ligações, quando se tornarem independentes.

Segundo: Nada de redes sociais até aos 16 anos. Estas plataformas não foram feitas para crianças. Elas são particularmente prejudiciais para as crianças. Devemos ter uma proteção especial na fase inicial da puberdade, porque é aí que acontecem os danos mais gravosos.

Terceiro: Escolas sem telemóveis. Não há, de facto, qualquer argumento para deixar as crianças terem nos seus bolsos, durante as horas de aulas, aqueles que são os maiores dispositivos de distração alguma vez inventados. Se tiverem telemóveis, vão enviar mensagens durante as aulas, vão focar-se nestes aparelhos. Se não tiverem telemóveis, vão começar a ouvir os professores e a passar tempo com outras crianças.

Quarto: Mais independência, mais brincadeiras e responsabilidade no mundo real. É preciso reverter uma infância assente no telemóvel e devolver uma infância assente na brincadeira.

CNN: Repensar os privilégios dos smartphones [telemóveis inteligentes] é um grande passo para muitas famílias. Como é que se convence os pais a aceitarem?

Haidt: No ensino primário é simples. Se já deu um telemóvel ou tablet ao seu filho, pode tirá-lo. Certifique-se apenas de coordenar com os pais dos amigos do seu filho, para que não sinta que é o único. Podem continuar a ter acesso a um computador, podem enviar mensagens aos amigos por essa via. Mas se os seus filhos estão no ensino primário, assuma esse compromisso, de não lhes dar esses dispositivos até ao ensino secundário.

No ensino básico torna-se mais difícil. A maioria dos estudantes deste ciclo de ensino está completamente envolvida nos smartphones e nas redes sociais. A chave para o ensino básico é ter restrições muito severas no que respeita ao tempo de utilização. O problema é passar de algumas horas de uso para o dia inteiro. É o que fazem muitas crianças. Metade dos adolescentes americanos dizem que estão quase sempre online. Se os seus filhos têm estes dispositivos, penso que tem de aplicar algumas restrições mais duras, definindo quando podem ter acesso.

CNN: O que pensa que irá acontecer se não fizemos essas mudanças rapidamente?

Haidt: Dadas que as taxas de doença mental, de automutilação e suicídio continuam a aumentar, não sabemos onde está o limite. Não sabemos sequer se é possível termos 100% das nossas crianças deprimidas e ansiosas. Estamos praticamente a chegar a metade no que respeita às raparigas; já estamos na faixa dos 30% a 40% com depressão ou ansiedade; e cerca de 30% dizem hoje que pensaram em suicídio este ano. As coisas já estão muito más, e os indicadores podem simplesmente continuar a crescer, até um ponto onde a maioria das crianças está deprimida, ansiosa e com tendências suicidas.

Isto também tem enormes implicações sociais. Como as crianças tendem a segregar-se online de acordo com o seu sexo (interagem menos com crianças do sexo oposto), a situação não é propícia ao namoro e ao casamento heterossexual. Penso que a separação entre rapazes e raparigas, bem como as crescentes taxas de ansiedade, irão fazer com que as taxas de casamento e de procriação heterossexual diminuam muito mais rapidamente do que aquilo que tem acontecido – e é algo que tem vindo a diminuir há décadas.

Por último, penso que poderá haver enormes implicações económicas. Já temos dezenas de procuradores estaduais a processar empresas como a Meta e a Snapchat por causa da gigantesca verba que os estados gastam em serviços de emergência psiquiátrica para adolescentes. Outra implicação económica é a seguinte: se tivermos uma, duas ou três gerações ansiosas, onde os jovens têm medo de correr riscos, a nossa economia de mercado livre, a nossa cultura empreendedora, todas as coisas que tornam a economia americana tão vibrante e dinâmica sofrerão as consequências. É por isso que penso que já não temos escolha. Temos de colocar um ponto final agora.

Matt Villano é um escritor e editor, que trabalha no norte da Califórnia. Para saber mais sobre ele, aceda a whalehead.com.

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