Os testemunhos dos médicos Paulo Sintra, Francisco Ferreira e Silva, Ivo Ferreira e Francisco Almeida
Os médicos estão em luta, por tudo e por nada. Porque tanto têm de viver com centenas de horas extraordinárias que fazem todos os anos e muitas outras condições de uma carreira no serviço público que os empurra cada vez mais para o privado, mas também com falta de papel nas marquesas ou espaços degradados que não dignificam a doença.
Quatro médicos portugueses deram à CNN Portugal os seus testemunhos, de como são os seus dias, das suas alegrias e das suas tristezas, da dedicação à profissão que rouba tempo à família, da agonia de verem um Serviço Nacional de Saúde a cair aos pedaços.
Os seus textos foram publicados ao longo desta semana e agora reunidos num só.
Paulo Sintra, 52 anos, é cirurgião. Com quase 30 anos de dedicação a uma profissão e tendo já feito um pouco de tudo, continuam a ser os doentes que, com os seus dramas, queixas e carências, justificam a caminhada diária para o hospital. Ser ou não ser profissional de saúde nunca foi a questão no seu caso, nem dos que o rodeiam, mesmo que o custo seja elevado: "São centenas de horas penosas e extraordinárias arrancadas a filhos e família, mas necessárias para tratar todos os doentes"
Francisco Ferreira e Silva é um jovem médico de família. É recém-especialista, mas assume estar já "cansado". Conta que desde que iniciou funções no SNS que tem visto as condições de trabalho a piorar, a motivação dos profissionais a diminuir e o burnout a aumentar. Há muito tempo que esperam uma reforma do SNS e que o seu trabalho seja reconhecido, mas, depois de meses em negociações, "nada aconteceu". O nada é aliás uma constante do seu dia: “No meu centro não existe ar condicionado, os aquecedores são os nossos, as impressoras estão sempre a avariar. Muitas vezes não temos papel da marquesa nem papel de mãos. No inverno, chove lá dentro”
Ivo Ferreira, 39 anos, é radiologista. Pouco mais de seis meses após o término da especialidade optou pela saída do SNS. O tempo que não tinha para ser pai, o dinheiro que não tinha para sustentar a família, o respeito que não recebia por ser médico tornaram-se razões óbvias para trocar o público pelo privado: “O sector privado paga incomparavelmente melhor do que o público. Em radiologia falamos de um valor que facilmente chega seis vezes ao oferecido pelo SNS”
Francisco Almeida, 31 anos, interno. Sente a profissão como se estivesse a assistir a um incêndio atiçado por fortes ventos e altas temperaturas. Não compreende como se investe tanto numa transportadora aérea, mas ninguém parece interessado em salvar o Serviço Nacional de Saúde: “Sou um jovem médico que vê com muita tristeza e agonia um dos bens mais preciosos deste país ser destruído lentamente”