Alerta de "grande catástrofe": Hospital de Coimbra, Hospital da Guarda, Hospital Beatriz Ângelo, Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), Hospital de Viseu, Hospital de São Sebastião

10 out 2023, 09:25
Cirurgia. (Getty Images)

Risco de colapso já em novembro. “A antevisão é de um cenário de terror.” Médicos avisam para “risco de morte”

Numa altura em que o número de minutas de escusa à realização de mais horas extraordinárias para lá das estipuladas pela lei se aproxima das 2.500, há seis hospitais com serviços que podem colapsar a partir de novembro. A especialidade de Cirurgia é a mais crítica e o resultado pode ser mesmo catastrófico. Quem o diz é Susana Costa, médica e porta-voz do Médicos em Luta, que não hesita em afirmar que “em novembro poderá ser a grande catástrofe” do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que o cenário será “bem pior” do que o cancelamento e adiamento de cirurgias. 

"Nos doentes com indicação de cirurgia de urgência há um prazo a cumprir, há doentes que têm de ser operados em duas horas ou que têm indicação [cirúrgica] emergente e estes vão ver a sua situação muito agravada ou poderá ser até mesmo de morte", alerta a Susana Costa.

Em causa, esclarece, não está apenas a falta de médicos ou as escalas de urgência que terão de ser preenchidas com médicos não especialistas, também a transferência de pacientes entre unidades é um fator a entrar nesta equação, seja para a realização de cirurgias ou para o atendimento urgente. “Há um problema muito sério que é a indisponibilidade de meios de transporte para levar os doentes em tempos úteis”, assegura. As equipas de bombeiros e o INEM já o admitiram, segundo a RTP, o que pode colocar em causa o transporte de pacientes, sobretudo o transporte célebre.

Com um cenário nada animador para as próximas semanas, que por si só se esperam intensas com a chegada do tempo frio e intensificação dos vírus respiratórios, que tendem sempre a uma maior afluência às urgências, Susana Costa crê que “os portugueses vão deixar de ter acesso à saúde” se nada for feito para contrariar este cenário.

“Parece que o Governo pretende é a machadada final no SNS, como provavelmente estaria na calha para dar lugar à medicina privada”, atira.

Para Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), “infelizmente, antevê-se que o cenário possa piorar em novembro, mas a responsabilidade é do ministério de Manuel Pizarro e do Governo de António Costa, ambos têm perfeita noção para isto se reverter”.

Quando o doutor António Costa diz que não é governo dos médicos, deixa o SNS em colapso, faz uma espécie de chantagem”, acusa a médica, lembrando a declaração feita pelo primeiro-ministro em entrevista à TVI e CNN Portugal (ambas do grupo Media Capital) e que pode ver no minuto 41 da entrevista, clicando aqui.

2.500 escusas apresentadas e seis hospitais com serviços que podem colapsar

Até ao momento, cerca de 2.500 médicos já entregaram as minutas de escusa a mais trabalho suplementar para lá daquele estipulado por lei, algumas delas com efeitos a partir de 1 de novembro. E o mês de novembro é aquele que mais preocupa: chegará com um SNS ainda em cacos e a meio-gás e com serviços na iminência de fechar por falta de médicos, numa altura em que é esperada uma maior afluência às urgências devido aos vírus respiratórios, que tendem a intensificar-se assim que chegam os dias frios.

Contas feitas, e olhando para o documento partilhado pelo Médicos em Luta, no qual vai sendo atualizado o número de escusas apresentadas e os constrangimentos nos serviços afetados, há seis hospitais que podem ter serviços encerrados a partir do próximo mês, estando quatro especialidades em causa - sendo a Cirurgia Geral a mais crítica. 

No Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, 50% dos especialistas de Cirurgia Geral e todos os internos desta especialidade entregaram minutas com efeito a partir de 1 de novembro. Na Guarda, 65% dos médicos (seis de nove especialistas e os internos) de Cirurgia Geral entregaram minutas a vigorar a partir de 1 de novembro, data a partir da qual todos os médicos de Anestesiologia deixam de fazer horas extraordinárias neste hospital.

Em Loures, no Hospital Beatriz Ângelo, o próximo mês também irá começar com todos os médicos de Cirurgia Geral a não fazerem mais horas extraordinárias para lá das 150 horas anuais, já elas há muito ultrapassadas.

Na Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), a especialidade de Pediatria, em especial de Neonatologia, irá ter constrangimentos logo no início do próximo mês, com 100% dos profissionais deste serviço a apresentar minutas de recusa. Também a partir de 1 de novembro, o serviço de Medicina Interna de Viseu poderá apresentar dificuldades, com 90% dos médicos e internos a apresentar escusas. No Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, diz-nos a porta-voz do Médicos em Luta, também o serviço de Cirurgia “vai colocar minutas com repercussão na escala de novembro”.

A médica adianta ainda que “os doentes não só não vão ter camas de internamento, como não vão ter a possibilidade de ser atendido em nenhum serviço de urgência em novembro, que vão funcionar com médicos não especialistas”.

“Os portugueses vão ficar sem SNS na área que é mais prioritária, que é a urgência. Em novembro o SNS vai fechar”, vinca.

Hospitais tentam recrutar médicos nas folgas

O Diário de Notícias (DN) dá conta que a direção do Hospital Amadora-Sintra enviou e-mails no passado dia 5 de outubro, feriado, “a convocar médicos para turnos extras na urgência no fim de semana”, lê-se no jornal, que diz ainda que no sábado foram feitas chamadas telefónicas a mais médicos para irem trabalhar. A urgência desta unidade apresentou fortes constrangimentos no fim de semana e ontem, domingo, foi pedido ao CODU para desviar doentes urgentes.

À Federação Nacional dos Médicos (FNAM) têm chegado queixas desta prática que, apesar de já ser habitual, tem-se intensificado nos últimos dias. “Sim, temos tido algumas queixas de tentativas de conselhos de administração, quer por parte de presidentes ou direções clínicas, de tentar persuadir médicos a fazer urgência apesar de já terem cumprido com todas a legalidade das 150 horas”, conta à CNN Portugal a presidente do organismo, a médica oncologista Joana Bordalo e Sá. “Isso não pode ser, não só é ilegal, as pessoas dentro dos conselhos de administração podem vir a ser notificadas, é ilegal”, atira, embora defenda que “independentemente de tudo, os responsáveis por esta situação não são os conselhos de administração [dos hospitais], mas sim o Ministério da Saúde, que nada faz para resolver esta situação”.

Também Susana Costa, do Médicos em Luta, revela que “é habitual, é prática comum as administrações hospitalares tentarem fazer, em diversas ocasiões, pressões junto dos médicos, na tentativa de trabalharem e de ultrapassarem a legalidade do trabalho médico, é [um modus operandi] antigo”, diz, esclarecendo que “a situação agudizou” com a entrega de minutas em massa.

O mesmo relato é feito por Mónica Paes Mamede, do Conselho Nacional de Médicos Internos do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que explica que “não era raro, com falhas na escala, ligar à pessoa a meio da noite ou ao fim de semana”, mas agora, diz, “com menos médicos [o SNS] passou a depender mais da boa vontade, há relatos disso, de mensagens [para irem trabalhar em folgas”.

Os buracos nas escalas tornaram-se visíveis, este movimento de entrega de escusas em massa tornou visível os problemas há muito existentes”, defende a médica interna.

Joana Bordalo e Sá critica a posição das administrações hospitalares, mas atira a bola da responsabilidade ao Executivo. E lembra os 16 meses de negociações falhadas com o Executivo e acusa “o Governo ou as políticas deste Governo” de quererem “humilhar e ofender os médicos do SNS”, deixando, com isso, “a população para trás”.

“Dezasseis meses, quase uma dezena de propostas, a FNAM está de boa-fé, queremos ativamente ter médicos no SNS, não tem apenas a ver com questão salarial, mas o doutor Manuel Pizarro simplesmente escolheu não nos ouvir e não aceitar uma única medida”, lamenta a médica.

Assim que as escusas a mais horas extra começaram a ser entregues, a falta de médicos no SNS ficou a nu e os constrangimentos no preenchimento de escalas e na operacionalização dos serviços de várias especialidades foram notórios de norte a sul do país, revelando um estado de crise nas urgências hospitalares

Ao longo da última semana, foram vários os serviços que encerraram devido à falta de médicos para completar as escalas dos serviços de urgência. A Urgência Externa de Cirurgia Geral e Medicina Interna do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim – Vila do Conde esteve, por exemplo, encerrada durante 48 horas e as urgências pediátricas do hospital das Caldas da Rainha estiveram também encerradas este fim de semana. Segundo a SIC Notícias, neste hospital, todos os doentes que vinham do centro de orientação de doentes urgentes foram deslocados para as unidades mais próximas. No maior hospital do país foi acionado um plano de contingência: o diretor do Serviço de Urgência Central, João Gouveia, informou que apenas os doentes que necessitam de “apoio mais diferenciado, doentes urgentes” serão atendidos naquela unidade, apelando aos demais para que não se desloquem ao maior hospital do país. 

De acordo com o documento partilhado pelo Médicos em Luta, no Hospital de Braga, a especialidade de Cirurgia Geral não tem a escala para outubro completa, podendo os constrangimentos levar mesmo ao seu encerramento a partir de 10 de outubro, não se sabendo se terá efeitos também em novembro.

Novas greves marcadas e sindicatos à espera de Pizarro e de decisões concretas

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) prolongou até às 24 horas do dia 24 de novembro de 2023 a paralisação total - que foi iniciada a 24 de julho - à prestação de trabalho suplementar nos cuidados de saúde primários. Da parte da FNAM, está agendada uma nova greve no dia 17.

Susana Costa destaca a “união nunca antes vista” entre os médicos, mas defende que as reivindicações não são de agora. Acontecem hoje porque os médicos chegaram a um ponto sem retorno. “Chega, passamos muitos anos nesta situação, chegamos ao limite, não conseguimos mais segurar a catástrofe do SNS, isto é um grito de alerta aos portugueses”, diz a porta-voz do Médicos em Luta.

Mónica Paes Mamede, do Conselho Nacional de Médicos Internos do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) diz que as escusas apresentadas, até mesmo por médicos internos - que há muito se queixam da carga de trabalho - e as sucessivas greves são “um espelho” do SNS, que “funciona da boa vontade”. “Toda a gente atingiu o seu limite, expressamos isso de forma ativa na última greve, de uma forma sonante e diferente do que estavam habituados a ver”, diz a médica interna.

Também o diretor clínico do Hospital de São João, Roberto Roncon, garante, no entanto, que esta não é “uma reação contra o SNS”, mas “a forma mais adequada para mostrar insatisfação” que encontraram.

Da reunião deste fim de semana entre a Direção Executiva do SNS e as administrações hospitalares não saíram quaisquer medidas concretas, apenas a proposta de uma moratória de duas semanas para o funcionamento dos hospitais em rede.

Sobre este ponto Joana Bordalo e Sá, da FNAM, diz que a medida peca por tardia, apressando-se a dizer que, apesar de anunciada, ainda não é conhecida a forma como vai funcionar. No entanto, a médica destaca que “podem arranjar todo o tipo de soluções e reorganização - e os Serviços de Urgência precisam efetivamente de uma reorganização -, seja isso, as ULS [unidades locais de saúde], das USF [unidades de saúde familiar], sem médicos não há SNS e o que dizemos é que os médicos do SNS são os médicos de todos os portugueses e cidadãos que vivem em Portugal”.

Joana Bordalo e Sá, que à hora da conversa com a CNN Portugal (11:00 de segunda-feira) afirmou não ter recebido ainda qualquer convocatória do Governo para uma nova reunião com os sindicatos médicos, revela que “havia uma grande esperança na parte de toda a negociação”, mas que agora o sentimento que mais reina é o de descrença, “com os próprios  médicos tiveram uma paciência enorme e chegamos ao fim de decisões unilaterais, com mais trabalho para os médicos e um aumento salarial transversal que, em média, dá 60 cêntimos por hora”.

“Mesmo havendo uma nova reunião, terá [Ministério da Saúde] de fazer do ponto de vista formal uma convocatória e pontos de trabalho por escrito”, atira a dirigente da FNAM, mantendo a linha de exigências do SIM, que já tinha desafiado o Executivo a apresentar as propostas por escrito.

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