A obesidade pode afetar a capacidade do cérebro de reconhecer a sensação de saciedade

CNN , Sandee LaMotte
18 jun 2023, 15:00
Obesidade (Getty Images)

A crença de que o aumento de peso pode ser resolvido simplesmente com "comer menos, fazer mais exercício e, se não o fizermos, é por falta de força de vontade, é muito simplista e falsa"

A obesidade pode afetar a capacidade do cérebro de reconhecer a sensação de saciedade após a ingestão de gorduras e açúcares, de acordo com um novo estudo.

Além disso, estas alterações cerebrais podem permanecer mesmo depois de as pessoas consideradas clinicamente obesas perderem uma quantidade significativa de peso - explicando possivelmente a razão pela qual muitas recuperam frequentemente os quilos que perderam.

"Não havia sinais de reversibilidade - os cérebros das pessoas com obesidade continuavam a não ter as respostas químicas que dizem ao corpo: 'OK, já comeste o suficiente'", disse Caroline Apovian, médica e professora na Harvard Medical School e codiretora do Center for Weight Management and Wellness no Brigham and Women's Hospital em Boston, nos Estados Unidos.

De acordo com a definição médica, as pessoas com obesidade têm um índice de massa corporal, ou IMC, superior a 30, enquanto o peso normal é um IMC entre 18 e 25.

"Este estudo reflete a razão pela qual a obesidade é uma doença: há alterações reais no cérebro", sublinhou Apovian, que não esteve envolvida no estudo.

"O estudo é muito rigoroso e bastante abrangente", considerou I. Sadaf Farooqi, médico e professor na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que também não esteve envolvido na nova investigação.

"A forma como o estudo foi concebido reforça a confiança nos resultados, que se juntam a outras investigações que também concluíram que a obesidade provoca algumas alterações no cérebro", afirmou.

Nutrientes fornecidos por sonda de alimentação 

O estudo, publicado na revista Nature Metabolism, foi um ensaio clínico controlado em que 30 pessoas consideradas clinicamente obesas e 30 pessoas com peso normal receberam hidratos de carbono (glicose), gorduras (lípidos) e água (como controlo). Cada grupo de nutrientes foi administrado diretamente no estômago através de uma sonda de alimentação e em dias separados.

"Queríamos concentrar-nos na ligação intestino-cérebro, para perceber como os nutrientes afetam o cérebro, independentemente de ver, cheirar ou provar os alimentos", explicou a principal autora do estudo, Mireille Serlie, professora de endocrinologia na Yale School of Medicine em New Haven, Connecticut, Estados Unidos.

Na noite anterior ao teste, os 60 participantes no estudo comeram a mesma refeição em casa e não voltaram a comer até a sonda ser colocada na manhã seguinte. À medida que os açúcares ou as gorduras entravam no estômago através da sonda, os investigadores utilizaram a ressonância magnética funcional (RMf) e a Tomografia Computadorizada por Emissão de Fotão Único (SPECT) para captar a resposta do cérebro durante 30 minutos.

"A ressonância magnética mostra onde os neurónios do cérebro estão a utilizar o oxigénio em reação ao nutriente - essa parte do cérebro ilumina-se", indicou Faroof. "O outro exame mede a dopamina, uma hormona que faz parte do sistema de recompensa, que é um sinal para encontrar algo agradável, gratificante e motivador e depois desejar essa coisa."

Os investigadores estavam interessados em saber de que forma as gorduras e a glicose ativavam individualmente várias áreas do cérebro relacionadas com os aspetos gratificantes da comida. Queriam saber se isto seria diferente em pessoas com obesidade em comparação com as pessoas com peso normal.

"Estávamos particularmente interessados no corpo estriado, a parte do cérebro envolvida na motivação para procurar comida e comer", disse Serlie. Localizado numa área profunda do cérebro, o corpo estriado também desempenha um papel nas emoções e na formação de hábitos.

Em pessoas com peso normal, o estudo descobriu que os sinais cerebrais do corpo estriado abrandavam quando eram introduzidos açúcares ou gorduras no sistema digestivo, indicando que o cérebro reconhecia que o corpo tinha sido alimentado.

"Esta redução global da atividade cerebral faz sentido porque, uma vez que a comida está no estômago, não há necessidade de ir à procura de mais ", explicou Serlie.

Ao mesmo tempo, os níveis de dopamina aumentaram nas pessoas com peso normal, o que indica que os centros de recompensa do cérebro também foram ativados.

Resultados diferentes para os clinicamente obesos 

No entanto, quando os mesmos nutrientes foram administrados através de uma sonda de alimentação a pessoas consideradas clinicamente obesas, a atividade cerebral não abrandou e os níveis de dopamina não aumentaram.

Isto acontecia especialmente quando os alimentos eram lipídicos ou gorduras. Esta descoberta é interessante, disse Farooqi, porque quanto maior for o teor de gordura, mais gratificante é o alimento: "É por isso que se quer um hambúrguer em vez de brócolos - a gordura do hambúrguer dará biologicamente uma melhor resposta no cérebro."

O estudo pediu então às pessoas com obesidade que perdessem 10% do seu peso corporal em três meses – uma quantidade de peso conhecida por melhorar o açúcar no sangue, restaurar o metabolismo e melhorar a saúde em geral, disse Serlie. 

Os testes foram repetidos como anteriormente - com resultados surpreendentes. De acordo com Serlie, a perda de peso não reiniciou o cérebro das pessoas obesas.

"Nada mudou - o cérebro continuava a não reconhecer a saciedade ou a sentir-se satisfeito", disse. "Poder-se-ia dizer que três meses não é tempo suficiente, ou que não perderam peso suficiente."

"Mas esta descoberta também pode explicar porque é que as pessoas perdem peso com sucesso e depois recuperam todo o peso alguns anos mais tarde - o impacto no cérebro pode não ser tão reversível como gostaríamos."

Uma meta-análise de 2018 de ensaios clínicos de perda de peso a longo prazo revelou que 50% da perda de peso original de uma pessoa era recuperada ao fim de dois anos – e 80% no final de cinco anos.

Necessária mais investigação 

É necessário ter cautela na interpretação dos resultados, alertou Serlie, uma vez que muito se desconhece: "Não sabemos quando é que estas alterações profundas no cérebro ocorrem durante o aumento de peso. Quando é que o cérebro começa a deslizar e a perder a capacidade de perceção?"

A obesidade tem uma componente genética e, embora o estudo tenha tentado controlar esse facto excluindo as pessoas com obesidade desde a infância, ainda é possível que "os genes influenciem a resposta do nosso cérebro a determinados nutrientes", observou Farooqi, que estuda o papel dos genes no peso há anos.

É necessária muito mais investigação para compreender o que a obesidade faz ao cérebro, se é desencadeada pelo próprio tecido adiposo, pelos tipos de alimentos ingeridos ou por fatores ambientais e genéticos.

"Ocorreram mudanças nas pessoas à medida que ganhavam peso? Ou há alimentos que ingeriram enquanto estavam a engordar, como alimentos ultraprocessados, que provocaram uma alteração no cérebro? Todas estas hipóteses são possíveis e na realidade não sabemos qual delas é", reconheceu Farooqi.

Até que a ciência responda a estas questões, o estudo sublinha, mais uma vez, que o estigma do peso não tem lugar na luta contra a obesidade, afirmou Serlie.

A crença de que o aumento de peso pode ser resolvido simplesmente com "comer menos, fazer mais exercício e, se não o fizermos, é por falta de força de vontade, é muito simplista e falsa", argumentou.

"Penso que é importante que as pessoas que estão a lutar contra a obesidade saibam que o mau funcionamento do cérebro pode ser a razão pela qual lutam com a ingestão de alimentos", defendeu Serlie. "E esperamos que esta informação aumente a empatia por essa luta."

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