Seriam mais de 400 milhões de euros. O que podia ganhar Portugal se seguisse Itália no imposto aos lucros extraordinários dos bancos

9 ago 2023, 23:00
Notas, dinheiro, euro, poupança. Foto: Adrien Fillon/NurPhoto via Getty Images

Governo italiano quer utilizar o dinheiro para reduzir impostos e ajudar quem tenha crédito à habitação. Medida levanta dúvidas económicas e legais

É uma medida controversa e que abalou a banca italiana, mas o governo insistiu e a aplicação de um imposto sobre os lucros extraordinários dos bancos é mesmo para avançar, mesmo que a medida já tenha sido, entretanto, suavizada. A ideia do executivo liderado por Giorgia Meloni passa por utilizar o dinheiro arrecadado com a taxa para descer os impostos e ajudar as famílias com maiores dificuldades em cumprir o crédito à habitação.

Uma medida que deverá gerar pelo menos dois mil milhões de euros ao Estado italiano, que pretende transferir a quantia diretamente para os contribuintes. Mas e por cá, como seria se o Governo decidisse apostar numa iniciativa semelhante?

O Governo italiano, recorde-se, vai obrigar os bancos a pagarem um imposto extra de 40% que irá recair sobre o excedente da margem financeira, ou seja, sobre os ganhos que os bancos conseguem com a diferença entre os juros que recebem e os juros que pagam. Na prática, os bancos vão ser taxados de uma de duas formas: ou se aplica o imposto sobre o valor que exceda em 5% o crescimento da margem financeira de 2022 em relação a 2021, ou se aplica o imposto sobre o valor que exceda em 10% o crescimento da margem financeira de 2023 em relação a 2021. A aplicação dependerá de qual a maior parcela entre as duas, sendo essa a que vai contar para o imposto.

Se o Governo português seguisse a mesma fórmula– e tendo em conta os dados do Banco de Portugal relativos à margem financeira dos bancos entre os anos de 2022 e 2021, o Estado poderia arrecadar mais de 400 milhões de euros junto da banca.

Isto para 2022, que é um ano já fechado, mas que não será, certamente, o mais lucrativo para a banca. É que em 2023, face às subidas de taxas de juro decididas pelo Banco Central Europeu, a margem financeira tem aumentado ainda mais, permitindo lucros ainda maiores.

No caso português, e olhando para o ano de 2022, que é o que está fechado, a margem financeira foi de 7.509 milhões de euros, 1.379 milhões de euros acima dos 6.130 milhões de euros obtidos em 2021. Mas como o imposto italiano permite que haja um crescimento de 5% sem ser tributado, seguindo a mesma lógica em Portugal, aplicar-se-ia a taxa de 40% a cerca de 1.072 milhões de euros e não aos 1.379 milhões. O imposto que resultaria para o Estado seria de cerca de 429 milhões de euros.

Já olhando para o ano de 2023, tendo em conta os dados conhecidos do primeiro semestre, sabe-se que a margem financeira continuou a aumentar e que atingiu os 4.200 milhões de euros, apenas levando em consideração os cinco maiores bancos a operar em Portugal. No primeiro semestre de 2021, a margem financeira de todo o setor foi de 3.042 milhões de euros. A diferença é de cerca de 1.150 milhões de euros, mas neste caso seria possível um crescimento de 10% na margem financeira sem tributação, pelo que a taxa de 40% se aplicaria apenas a pouco mais de 853 milhões de euros e não aos 1.150 milhões. O imposto que resultaria seria de cerca de 341 milhões de euros.

Como o maior valor é o que resulta da diferença entre a margem financeira de 2022 e de 2021, seria esse o montante a cobrar aos bancos.

Recorde-se, no entanto, que esta quarta-feira o Ministério das Finanças italiano emitiu um esclarecimento onde dizia que o imposto seria limitado a 0,1% do total dos ativos do banco. Analistas citados pelo Financial Times disseram que este limite "reduziria grandemente" o impacto da medida, diminuindo a coleta total da taxa de 4,5 mil milhões de euros para 2,5 mil milhões de euros ou menos.

A CNN Portugal perguntou ao Ministério das Finanças se Portugal estaria a ponderar adotar uma medida similar à italiana, mas não obteve resposta.

Medida é justa? E legal?

O jurista Rogério Fernandes Ferreira lembra à CNN Portugal que a situação italiana "não é igual à portuguesa". A começar logo pelo défice, com os dois países em dois polos opostos: "A Itália tem um problema complicado e está a tentar resolvê-lo com os impostos. A situação portuguesa não é a mesma e os bancos, neste momento, já pagam contribuições mais ou menos desta natureza".

O especialista em direito fiscal fala das contribuições para o Fundo de Resolução, que se destinam ao setor bancário, mas também das contribuições para o Fundo de Estabilização da Segurança Social, impostos "específicos sobre o setor" criados em 2011 e 2020.

"Já em 2011 e em 2020 o governo criou impostos específicos sobre este setor", sublinha, dizendo que isso "levanta várias questões". Além disso, diz o jurista, os bancos recuperam ainda de alguns anos de prejuízo, estando também à vista um problema na procura por crédito, o que pode afetar a atividade a médio prazo.

Para o economista Sandro Mendonça esta é uma medida "interessante", nomeadamente num contexto europeu em que há um "setor privilegiado" pelas medidas do Banco Central Europeu (BCE), que já subiu as taxas de juro até 4,25%, não se comprometendo com o fim da escalada, que visa controlar a inflação. O especialista ouvido pela CNN Portugal afirma que esta política "agressiva" se adiciona ao custo de vida das populações, enquanto a banca tem "lucros extraordinários", para os quais aparece uma "medida extraordinária".

"Estes lucros não são mérito deste setor. Ocorrem na sequência de uma alta da taxa de juro que se traduz em lucros anormais, em que nada aconteceu ao nível da capacidade de gestão. Vemos que há um grande crescendo de bem-estar do setor, enquanto vemos um problema de habitação, que é grave, e também é extraordinário", vinca.

Sandro Mendonça, que também é professor universitário em Itália, recusa que medidas deste género possam ter impacto nos consumidores, até porque o desenho da medida serve para "ventilar para o lado dos consumidores", ficando o encargo do lado do setor, acabando por haver uma redistribuição. "Em última análise aumenta a estabilidade do setor bancário", acrescenta, falando em bónus para vários gestores que tiveram uma "situação de privilégio".

Rogério Fernandes Ferreira contrapõe esta versão, dizendo que se trata de uma "medida muito desinteressante", sobretudo pensando numa realidade portuguesa. O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nota que também houve lucros excessivos nos setores da Saúde ou da Defesa, mas que nesses casos não houve impostos do género.

"O problema é saber qual é o valor arrecadado. Não é popular, é populista", reitera, questionando se os portugueses conhecem qual a receita calculada pelos diversos impostos extraordinários aplicados aos mais diversos setores.

O jurista levanta também dúvidas quanto à legalidade da medida, nomeadamente ao olho da Constituição portuguesa. Rogério Fernandes Ferreira pede aos tribunais que façam o "controlo" deste tipo de medidas, até porque a visão popular parece estar genericamente de acordo, uma vez que se trata de questões setoriais, nomeadamente perante um setor que tem sido bastante polémico em Portugal, o da banca.

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