"O ano está a correr muito bem". Margem financeira dispara nos bancos portugueses (a que mais subiu na Zona Euro)

ECO - Parceiro CNN Portugal , Luís Leitão
9 ago 2023, 08:51
Banco Central Europeu (AP Photo)

O ganho das instituições financeiras nas operações de crédito e de depósitos quase que duplicou no espaço de um ano. Mais nenhum país da Zona Euro registou um incremento tão expressivo

Desde junho do ano passado, quando o Banco Central Europeu (BCE) iniciou o maior e mais rápido ciclo de subida de taxas de juro na Zona Euro, que os bancos têm assistido a uma subida expressiva dos seus resultados. Isso foi logo visível em 2022, com os lucros da banca nacional a dispararem 49% para 3 mil milhões de euros e a margem financeira a registar um crescimento histórico de 22,5% para mais de 7,5 mil milhões de euros, o valor mais elevado desde 2012, segundo dados do Banco de Portugal.

Esta situação levou, em setembro do ano passado, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, a expressar a necessidade de se avançar com uma tributação única sobre os “lucros excessivos” da banca por conta da subida das taxas de juro que se estava a assistir, à imagem do windfall tax que foi aplicado ao setor da distribuição e da energia, por conta da subida da inflação.

A medida proposta pelo Bloco de Esquerda, que voltou a ser reforçada há dias, acabou por não ir avante, mas os lucros da banca não perderam o ritmo: só este ano, entre janeiro e junho, os lucros dos cinco maiores bancos atingiram um valor recorde de 2 mil milhões de euros, o dobro do verificado no primeiro semestre do ano passado; e a margem financeira disparou, em termos homólogos, 74% para cerca de 4,2 mil milhões de euros. “O ano está a correr muito bem”, referiu Miguel Maya, CEO do Banco Comercial Português (BCP), na última apresentação de resultados.

Margem financeira e taxas de juro

Os bancos portugueses registaram em 2022 um aumento histórico da margem financeira. No entanto, o ganho gerado pela banca com o diferencial de taxas de juro ficou 13% abaixo do máximo histórico de 2008. Nesse ano, a Euribor a 12 meses (um dos principais indexantes dos créditos) situou-se nos 4,8%, bem acima da taxa média de 1,1% contabilizada em 2022.

Fonte: ECO, Banco de Portugal, Refinitiv. • Margem financeira da banca nacional em milhões de euros. * Para o cálculo do montante da margem financeira do primeiro semestre de 2023 foi assumido que o setor teve um comportamento homólogo semelhante ao registado pelos cinco maiores bancos do mercado neste período.

A sustentar o bom desempenho das operações dos bancos nacionais no último ano está o aumento da margem financeira, que tem sido potenciado pelo crescente diferencial entre as taxas de juro ativas (cobradas pelos bancos nos empréstimos bancários) e as taxas de juro passivas (remuneração dos depósitos): enquanto que a taxa de juro dos depósitos passou de 0,07% em junho de 2022 para 1,58% um ano depois, a taxa de juro dos novos créditos à habitação disparou de 1,47% em junho de 2022 para 4,25% em junho deste ano.

No espaço de um ano, o diferencial de taxas de juro da banca nacional foi multiplicado por 1,9 vezes, passando de 1,40 pontos percentuais para 2,67 pontos percentuais. De acordo com cálculos do ECO com base em dados do BCE, Portugal foi mesmo o país da Zona Euro que, no último ano, cavou o maior fosso entre o preço que os bancos cobram por emprestar dinheiro e o preço que pagam pelas poupanças das famílias.

Isto significa que, entre os 20 estados-membros da Zona Euro, os bancos portugueses foram os que mais aumentaram a sua margem financeira entre junho de 2022 e junho de 2023, como resultado de uma quase duplicação do diferencial entre a taxa de juro média ativa (empréstimos para a compra de casa) face à taxa de juro média passiva (oferecida pelos depósitos).


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Ventos de Espanha e de Itália sopram até Portugal

O governo italiano apanhou ontem todos de surpresa ao anunciar a aplicação de um imposto único (windfall tax) sobre os lucros dos bancos que foram gerados com a subida das taxas de juro. Em cima da mesa está uma tributação de 40% da margem líquida de juros obtida em 2022 ou 2023 — consoante o montante que for maior –, tendo como objetivo o aumento anual acima dos limiares fixados em, pelo menos, 3% para 2022 e 6% para 2023. Além disso, não poderá exceder 0,1% dos ativos dos bancos.

Algumas fontes do setor ouvidas pela Reuters adiantam que o governo italiano chefiado por Giorgia Meloni, líder do partido político de extrema-direita Irmãos de Itália, espera arrecadar menos de 3 mil milhões de euros com este imposto.

O argumento de Meloni prende-se por os bancos tardarem em refletir na remuneração dos depósitos a subida as taxas de referência do BCE, ao contrário do que sucede com as taxas de juro aplicadas nos empréstimos bancários. Porém, ao contrário do que sucede em Portugal, o diferencial entre taxas ativas e passivas da banca italiana até está a minguar.

Segundo dados do BCE, em junho, o diferencial entre as taxas cobradas nos novos créditos à habitação e a taxa de juro dos novos depósitos às famílias italianas era de 0,94 pontos percentuais. Um ano antes, esse diferencial era de 1,55 pontos percentuais. O mesmo sucede quando se tem em conta a taxa de juro do crédito ao consumo, com a margem financeira dos bancos italianos a passar de 4,1 pontos percentuais em junho de 2022 para 1,28 pontos percentuais em junho deste ano.

Diferencial de taxas de juro

O atual nível da margem financeira dos bancos nacionais está no mesmo patamar que há 20 anos, com as taxas de juro dos novos créditos à habitação a apresentarem um valor 2,67 pontos percentuais acima da taxa de juro dos novos depósitos. Além disso, nunca o diferencial das taxas de juro da banca nacional apresentou um desfasamento tão grande face à média da Zona Euro como hoje.

Fonte: ECO, BCE • Taxa de juro ativa referente à taxa de juro média praticada nos novos créditos à habitação. Diferencial das taxas de juro medido em pontos percentuais. 9 de agosto 2023.

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A decisão do governo de Meloni vem no seguimento de uma medida semelhante tomada há cerca de um ano pelo governo espanhol, que aplicou uma taxa de 4,8% sobre as receitas da banca. Em Portugal, uma solução deste tipo não teve, até ao momento, qualquer adesão por parte do governo.

Em agosto do ano passado, António Costa chegou a descartar a aplicação de um windfall tax sobre a banca, notando que, em algumas empresas “já temos taxas, sobretaxas e sobre sobretaxas”, numa clara alusão ao setor bancário.

Questionada pelo ECO sobre a possibilidade de o setor poder vir a ser alvo de um imposto sobre os lucros extraordinários em 2022 e 2023, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) refere que “em Portugal, os bancos já se encontram sujeitos, há vários anos, à aplicação de impostos extraordinários, como é o caso da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Bancário (desde 2011) e do Adicional de Solidariedade (desde 2020).”

Para Pedro Brinca, professor da Nova SBE, a aplicação de um windfall tax está longe de ser uma solução eficaz e construtiva, pois assume um “cenário de engenharia contabilística” que pode ser facilmente desmontando pelos bancos. “O que o Estado poderia fazer era promover uma solução estrutural no sentido de promover mais concorrência e levar a que o ambiente concorrencial diminua os lucros extraordinários, e não ser o governo a definir o que são lucros extraordinários ou não”, diz.

António Nogueira Leite, economista e ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), defende também que o caminho não passa por uma maior tributação dos resultados dos bancos. “Não sou fã deste tipo de tributação por uma questão de princípio porque põe um arbítrio sobre o mercado que não é bom para a tomada de investimento”, sublinhando ainda que “a subida dos juros foi boa para os bancos, mas a política monetária foi também péssima para os bancos na última década.”

O ECO questionou o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças sobre a possibilidade de ser aplicado um windfall tax ao setor bancário nacional e quais as suas implicações, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.

Ao contrário do que tem sucedido com a banca europeia, é notório que os bancos portugueses têm mostrado uma maior relutância em aumentar a remuneração dos depósitos. Grande parte desta realidade deve-se à posição de elevada liquidez que a banca nacional enfrenta. No final do ano passado, o rácio de transformação da banca estava no valor mais baixo desde março de 1998 e era 1,6 vezes inferior ao rácio de transformação médio desde a adesão de Portugal à Zona Euro.

A somar a esta realidade, Pedro Brinca destaca a “concentração do número de players no mercado” que não só dificulta a existência de uma maior concorrência no setor como até promove práticas de anticoncorrenciais, como ficou espelhado em 2019 com a Autoridade da Concorrência a condenar 14 bancos por cartelização na fixação de produtos de crédito.

Além disso, António Nogueira Leite destaca também que em nada contribuiu para pressionar os maiores bancos a subirem as taxas de juro “uma política pouco agressiva por parte dos bancos mais pequenos na captação de recursos dos particulares”, particularmente durante o período de taxa de juro negativas, e “a passividade dos consumidores, que continuam a estar pouco informados e gostam pouco de mudar as suas poupanças de banco.”

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