Isenção de IMT, garantia pública no crédito à habitação… Medidas do Governo para apoiar jovens podem "gerar um efeito perverso". "Resultado óbvio é a subida de preços" das casas

24 mai, 07:00
Imobiliário (Associated Press)

O Governo decidiu atuar do lado da procura, num momento em que a oferta no setor imobiliário escasseia. Prevê-se "uma subida dos preços das casas", aponta o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal. “Duvido que estas medidas resolvam alguma coisa", sublinha Vera Gouveia Barros, economista e especialista em habitação

O Governo espera que em agosto os jovens possam beneficiar dos apoios anunciados esta quinta-feira para os ajudar a comprar a primeira casa. Mas este conjunto de medidas, como uma garantia pública do Estado para contrair crédito e a isenção de IMT, podem gerar um “efeito perverso”, segundo identificam vários especialistas no setor. “A procura vai aumentar e como não há casas para fazer face a essa procura, os preços vão subir”, sublinha Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). 

Esse diagnóstico está feito há muito tempo e o cenário de falta de construção e de confiança no mercado imobiliário tem levado a uma diminuição constante do número de casas disponíveis para venda. “A oferta”, continua Paulo Caiado, “é o grande responsável pelos preços que atualmente se verificam no mercado. Isto é um facto”. Ora, garante, “se implementarmos medidas que vão incrementar a procura, o resultado óbvio é a subida de preços”. 

Esse resultado, a concretizar-se, deverá agudizar uma tendência verificada ao longo dos últimos meses em Portugal, que faz dele um dos poucos países que não acompanha a tendência da zona Euro de uma descida do preço das casas. A acumular a isso, sublinha Vera Gouveia Barros, economista especialista em habitação, a garantia pública do Estado que o Governo pretende dar - de até 15% na compra de um imóvel no valor máximo de 450 mil euros - deverá abranger uma pequena fatia dos jovens portugueses. “Estamos a falar de quem tem uma vida um bocado mais confortável e que tenha, eventualmente através da poupança dos pais, esse valor para um investimento inicial”. 

Segundo dados do INE, três em cada quatro jovens, entre os 18 e os 35 anos, têm salários até aos mil euros líquidos. Uma estatística que leva Vera Gouveia Barros a questionar o estudo por trás da eficácia das medidas apresentadas pelo Governo. “10% não trabalha nem estuda, e, dos que estão a trabalhar, um terço está numa situação de contrato a termo ou numa outra forma precária de contratação”. “Estarmos aqui a dar 10% ou 15% não vai fazer diferença”, assegura, exemplificando: “É como se uma pessoa está a morrer afogada porque falta-lhe um metro para ter pé e damos-lhe um banquinho de 20 centímetros. Não é isso que a vai salvar”.

“Duvido que estas medidas resolvam alguma coisa e duvido também que ela tenha sido estudada deste ponto de vista”, assevera.

Dentro do Governo, há a noção de que este diploma aprovado em Conselho de Ministros, seja um pacote atrativo para levar os jovens que abandonaram o País nos últimos anos a regressar. Margarida Balseiro Lopes, ministra da Juventude e da Modernização, reforçou isso mesmo em entrevista à CNN Portugal. “Nós temos um problema, 30% dos jovens portugueses vivem fora do país e o Governo está verdadeiramente preocupado com estes jovens e sobretudo com o impacto que isto tem para o futuro”. 

Este pacote de medidas, sublinha, quer mostrar a quem está lá fora que “há oportunidades em Portugal” e que o Executivo “está empenhado em criar condições para cá criarem os seus projetos de vida”. Para isso, o Governo quer também isentar de IMT as compras imobiliárias de jovens até ao valor de 316 mil euros, descontando também esse valor a investimentos acima dos 600 mil euros. “Nós sabemos”, refere a ministra, “que no concelho de Lisboa e do Porto é muito difícil arranjar um T2 ou um T3 por esse valor, por isso o Governo definiu que uma casa por exemplo que custe 450 mil euros, os primeiros 316 mil euros são isentos e o adquirente só vai pagar o imposto dessa diferença”. 

Para Paulo Caiado, presidente da APEMIP, o diploma do Governo peca por não configurar medidas de apoio com base na localização do investimento imobiliário. “Parece-me que é importante contextualizar o valor em função da localização, porque 450 mil euros é a diferença entre um apartamento fantástico em Celorico da Beira e um T2 no centro de Lisboa”, aponta.

O diploma pode também gerar outro sentido no mercado da compra e venda de casas, assume Paulo Caiado. É que “tendencialmente”, o segmento de jovens que tem dinheiro para investir na sua primeira habitação vai colocar o seu processo de busca em pausa à espera que o pacote legislativo entre em vigor. “É bem possível que sim”, afirma, destacando que neste momento “a representatividade dos jovens com menos de 35 anos no mercado imobiliário é muito pequena”. 

Há também outro risco identificado pela economista Vera Gouveia Barros que poderá aumentar ainda mais os preços das casas. É que, tanto a garantia pública do Estado, como a isenção do IMT, dá aos jovens maior disponibilidade financeira para o investimento na primeira habitação. “Com maior capacidade económica, o proprietário vai tentar conseguir sacar o máximo que ele está disposto a pagar - levando ao aumento dos preços”. 

E esse valor que o comprador está disposto a pagar é um valor que tem de ter em conta o desaparecimento da parcela dos impostos. “É uma questão distributiva”, aponta, reforçando que há uma grande probabilidade de proprietários calcularem esta isenção na própria oferta do preço das casas. “Na verdade, o que nós estamos a fazer é perder receita fiscal”, diz. “Os jovens estão exatamente na mesma, a pagar exatamente o mesmo e quem está a usufruir dessa isenção fiscal pode vir a ser, em termos concretos, os proprietários”.

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