"Um ditador não perdoa". Putin fica mais forte ou mais fraco? E qual será o futuro de Prigozhin?

26 jun 2023, 11:33

Foram as horas mais caóticas da Rússia no século XXI. Entre os especialistas, a opinião divide-se entre quem pensa que o presidente russo viu a sua autoridade reforçada e quem vê, no acordo com o líder dos mercenários, um sinal de fragilidade

Ainda muito está por explicar acerca do motim liderado por Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, contra as lideranças militares do Estado russo. Apesar disso, no Ocidente, há quem não tenha dúvidas de que Vladimir Putin saiu enfraquecido deste incidente.

"O governo foi abalado. Putin foi abalado pessoalmente. Isto torna-o mais vulnerável, sem dúvida, do que em qualquer outra altura nas duas décadas em que governou a Federação Russa", disse David Petraeus, ex-diretor da CIA, à CNN Internacional.

A visão de Petraeus é partilhada por Paulo Portas, comentador da TVI, do mesmo grupo da CNN Portugal, que diz que a revolta é um “sinal de que alguma coisa pode acontecer na Rússia” e vai resultar numa “guerra mais forte”.

“A única fuga em frente que tem é endurecer o combate bélico, Putin precisa dramaticamente de vitórias visto que teve uma fenda muito profunda no seu sistema de poder e no modelo de segurança da Rússia, que é muito complexo”, explica Portas.

O comentador afirma que o presidente russo “provou da sua medicina”, uma vez que é um “erro” recorrer a milícias para assegurar a segurança de um Estado. “As milícias serviram para Putin fazer o que o Estado russo não queria fazer, tanto dentro como fora da Rússia. Ele precisa de milícias porque nunca quis fazer uma mobilização geral. O risco é a desobediência”.

Paulo Portas considera ainda que os russos agora têm “menos medo” do seu presidente. “O ponto mais importante para o enfraquecimento de Putin é que o regime dele depende da força, e é a força que gera o medo. Se há uma rutura, uma dissensão nessa força, fica obviamente mais fraco”, aponta.

Opinião semelhante tem Victor Ângelo, ex-secretário-geral adjunto da ONU, que diz que, embora seja difícil dizer se há um vencedor neste episódio, afirma que Putin sai claramente enfraquecido.

“Na minha carreira nas Nações Unidas tive de lidar com muitos ditadores, e uma das coisas que aprendi é que um ditador não perdoa, sobretudo quando se trata de um ato criminoso, de um motim ou de um golpe de Estado. A partir do momento em que o ditador perdoa, depois de ter dito publicamente que este era um caso muito sério e que deveria ser punido severamente, mostra que está numa situação de fraqueza. Com o tempo, penso que vamos ver um Vladimir Putin muito enfraquecido. Podemos mesmo vir a ver, no futuro, uma tentativa para o substituir no poder”, perspetiva o diplomata.

Também Isidro de Morais Pereira e Francisco Seixas da Costa afirmam que a rebelião do Grupo Wagner, cujas forças chegaram a estar a apenas 200 quilómetros de Moscovo, demonstrou fraquezas no Kremlin. “Admitir substituir a estrutura superior da Defesa é, já em si, a escolha de um dos lados”, diz o major-general. O embaixador reconhece que Putin “tem uma popularidade e uma capacidade de controlo do país que é difícil de contestar”, mas refere que “nada será igual no futuro”.

“Este desafio a um país que está em guerra e que se supunha ter capacidade de organização e controlo global muito forte significa que há uma fragilidade imanente à liderança russa, não tenhamos dúvidas disso”, considera Seixas da Costa.

No entanto, para o major-general Carlos Branco, é Putin quem sai reforçado destas tumultuosas 24 horas. “Não consigo ver indícios de que tenha saído mais fraco. Acabou por ganhar autoridade para tomar uma série de decisões que, provavelmente, não teria noutras circunstâncias. Pode instaurar a lei marcial e mesmo decretar a mobilização total. A crise serviu, também, para identificar alguém que estivesse titubeante em relação a estes acontecimentos. Esses indivíduos foram identificados, poderá utilizar essa informação para fazer algumas purgas e colocar pessoas da sua confiança nas posições vazias”, analisou o comentador da CNN Portugal.

Carlos Branco destaca também a rapidez com que o presidente da Rússia resolveu o problema.

“Putin conseguiu resolver isto em menos de 24 horas e conseguiu arranjar a solução: arranjar um mediador com capacidade de persuadir Prigozhin e de o chamar à razão. Revela uma capacidade de atuação e de resolução do problema que temos de ter em conta”.

Também para o major-general Agostinho Costa o vencedor deste braço-de-ferro é Vladimir Putin. “Não vimos as Forças Armadas passarem para o lado do Grupo Wagner, não vimos a população na rua a gritar contra Putin. O que vimos foi a população satisfeita por se ver livre deste pesadelo”, afirma o especialista em assuntos de segurança. “Com este incidente, resolve quatro problemas: afasta Prigozhin, integra o Grupo Wagner [nas Forças Armadas da Rússia], faz ascender Surovikin e afasta Shoigu e Gerasimov, que são duas personalidade que o acompanham desde o início do século”.

Que será de Prigozhin?

Para Agostinho Costa, o grande instigador da revolta é uma “carta fora do baralho” que foi “encostada por ser um incómodo”, entendimento semelhante ao de Carlos Branco.

“Prigozhin vai sair da cena pública russa, já está a caminho disso. Deixou de comandar o seu ganha-pão, o Grupo Wagner, que vai desaparecer, pelo menos com a configuração enquanto ele esteve à frente, e incorporar-se nas Forças Armadas da Rússia. Os funcionários do Wagner vão deixar de trabalhar para Prigozhin e passar a trabalhar para o Ministério da Defesa. Acabou-se uma fonte de rendimentos”, afirmou o major-general na antena da CNN Portugal. “Esta aventura de Prigozhin evidenciou o apoio das elites políticas e militares ao poder de Moscovo. Não teve ninguém que o acompanhasse na sua marcha, até mesmo um grande número dos seus mercenários não o acompanhou quando se aperceberam da armadilha em que tinham caído. Prigozhin ficou sozinho”, completou.

Contudo, o embaixador Seixas da Costa não descarta o total afastamento de Prigozhin, dado o conhecimento profundo que tem do líder russo. “Prigozhin é, certamente, um dos homens que mais sabe sobre Vladimir Putin. Sabe quem são os seus duplos, onde estão os refúgios, a situação de saúde e, se calhar, o seu património pessoal. Isso talvez explique que tenha sido considerado traidor de manhã e sido amnistiado à tarde, numa espécie de tratado de partilha de silêncios”.

Mais de 24 horas após o anúncio do acordo entre Putin, Lukashenko e Prigozhin, segundo o qual este último deveria ir viver para a Bielorrússia, o líder do Grupo Wagner continua em paradeiro incerto e sem comunicar nas redes sociais, algo que fazia todos os dias.

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