opinião
Coronel Veterano do Exército Brasileiro
A ARTE DA GUERRA

Os ucranianos já têm uma longa tradição de resistência contra os russos

11 mar 2022, 11:24

Apesar de existirem laços históricos de formação da Rússia, Bielorússia e Ucrânia que remontam ao século IX, na história moderna há vários motivos para que exista um forte ressentimento de ucranianos em relação aos russos.

Logo após a criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, liderada pela Rússia, Vladmir Lenine tomou a iniciativa de reconhecer a Ucrânia como uma nação “autónoma” e soberana. Após a sua morte, surgiram iniciativas que visavam libertar a Ucrânia da submissão ao poder central, que passou a ser exercido por Josef Estaline a partir de Moscovo. As iniciativas do ditador Estaline para reprimir os rebeldes foram proibir a utilização do idioma ucraniano, realizar o confisco da produção de alimentos, rejeitar ajuda externa e controlar o movimento populacional. Como resultado, estima-se que tenham morrido de fome, entre 1932 e 1933, até 10 milhões de pessoas, mesmo estando em tempo de paz. Esse acontecimento é considerado como genocídio por vários países e ficou conhecido como Holomodor, que em ucraniano, significa “matar pela fome”.

A partir de 1942, durante a II Guerra Mundial, com a invasão da União Soviética pelos nazis, foram criadas condições favoráveis para o surgimento de uma guerra irregular que podemos enquadrar na tipologia de guerra de resistência. Auto denominado como Exército Insurgente da Ucrânia, esse movimento ficou mais conhecido como UPA, abreviatura de Ukrayins’ka Povstans’ka Armiya.

O objetivo dessa força irregular era defender as populações ucranianas que já haviam sido massacradas pelos soviéticos na década anterior e passou também a sofrer com a ocupação dos nazis e hostilidades da resistência polaca. Eles faziam questão de se diferenciar dos “partizans” soviéticos que combatiam os nazis usando o termo “Povstanti”, cujo significado é insurgente. Com a rendição do III Reich, a UPA prosseguiu combatendo contra a União Soviética. Didaticamente, podemos dizer que a UPA era composta por três segmentos distintos: a força de guerrilha, a força subterrânea e a força de sustentação.

A força de guerrilha da UPA, braço armado ostensivo e militarmente organizado, operava principalmente na região dos Montes Cárpatos e no Oeste da Ucrânia. Os seus integrantes eram normalmente camponeses comprometidos com a causa e que conheciam bem o terreno. O planeamento das operações era normalmente centralizado e a execução ocorria de forma descentralizada, valendo-se dos princípios da oportunidade e flexibilidade. Devido à inferioridade em relação aos exércitos de ocupação, os guerrilheiros evitavam o engajamento em combates decisivos, buscando normalmente conduzir ações de inquietação e emboscadas contra instalações policiais e colunas militares. Muitas vezes, esses combatentes ocupavam abrigos subterrâneos altamente bem disfarçados e de dificílima identificação, onde também conseguiam proteger-se das baixas temperaturas do inverno na região. As maiores unidades eram os kurins, equivalentes a batalhões e chegavam a ter 700 combatentes; e as menores frações eram semelhantes aos grupos de combate tradicionais, com o efetivo aproximado de oito a dez homens. Com o tempo, a estrutura foi-se sofisticando e foram criadas divisões territoriais e centros de treino e formação de oficiais e de combatentes de baixas graduações. Os armamentos utilizados eram os capturados ou desviados dos alemães ou do Exército Vermelho.

Uma força subterrânea da UPA era integrada por pessoas que viviam nas cidades ocupadas pelos soviéticos e nazis com uma vida aparentemente normal. Entretanto, faziam parte de uma rede clandestina altamente sofisticada e organizada em células independentes, que realizavam falsificação de documentos, impressões de propaganda subversiva, assassinatos seletivos, transmissões rádios clandestinas e sabotagens de infraestruturas críticas.

Uma força de sustentação era encarregada de realizar o apoio logístico clandestino para a Força de Guerrilha e Força subterrânea. Essa atividade era desenvolvida através da coleta de informações, determinados tipos de trabalho, transporte, aquisição, desvio e distribuição de suprimentos de medicamentos, comida, armamentos, munição e rádios. Também poderiam atuar como mensageiros e realizar o recrutamento de novos integrantes após confirmar o real comprometimento com a causa.

Uma das principais características dos integrantes desse movimento de resistência era a segurança nas comunicações sigilosas, caracterizada por senhas, contra-senhas, sinais de reconhecimento e mensagens pré-estabelecidas.

Após a capitulação dos nazis, os soviéticos estimaram que a UPA poderia ter entre 180.000 e 500 mil integrantes e resolveram direcionar seus esforços contra essa força irregular. Como resultado, foram realizadas prisões em massa de suspeitos e suas famílias. Até 1955, ano em que a UPA foi extinta, foram realizadas dezenas de milhares de prisões e assassinatos dos seus líderes e colaboradores. Em resposta, os integrantes da força subterrânea da UPA atacavam dezenas de milhares de ativistas soviéticos, colaboradores do regime e suas famílias; e por isso eram chamados de terroristas pelos soviéticos.

Com a extinção da União Soviética e independência da Ucrânia, os veteranos sobreviventes da UPA passaram a participar de desfiles cívicos, os restos mortais dos principais líderes foram transladados para o cemitério de Lychakivsiy, em Lviv, dedicado aos heróis da  resistência, e foi criado um Estatuto Oficial dos Combatentes da Independência da Ucrânia, que abrange todas as pessoas que participaram dessas ações desde a década de 1920 até a extinção da União Soviética.

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