Os cientistas descobriram finalmente porque é que ficamos com mais constipações e gripes no inverno

CNN , Sandee LaMotte
11 dez 2022, 22:00
Doente Foto: AP

“O ar frio está associado ao aumento da infeção viral porque perdemos metade da nossa imunidade simplesmente porque as temperaturas baixam”

O frio anda no ar e todos sabem o que isso significa: chegou a época das constipações e gripes, quando parece que todas as pessoas à nossa volta estão a espirrar, a fungar ou pior. É quase como se os germes do frio e da gripe começassem a aparecer com os primeiros sinais do tempo de inverno.

No entanto, os germes estão presentes durante todo o ano - basta pensar na sua última constipação de verão. Mas então porque é que as pessoas apanham mais constipações, gripe e agora covid-19 quando está frio?

Naquilo a que os investigadores estão a chamar um avanço científico, os cientistas na origem de um novo estudo podem ter encontrado a razão biológica para termos mais doenças respiratórias no inverno. Isto porque o próprio ar frio perturba a resposta imunitária que ocorre no nariz.

“Esta é a primeira vez que temos uma explicação biológica e molecular sobre um fator da nossa resposta imunitária inata que parece ser limitada por temperaturas mais frias”, afirmou a professora de otorrinolaringologia da Universidade de Stanford, na Califórnia, Zara Patel, que não esteve envolvida no novo estudo.

Na verdade, a redução da temperatura dentro do nariz em apenas nove graus Fahrenheit (5 graus Celsius) mata quase 50% dos milhares de milhões de células de combate a vírus e bactérias nas narinas, segundo o estudo publicado no The Journal of Allergy and Clinical Immunology.

“O ar frio está associado ao aumento da infeção viral porque perdemos metade da nossa imunidade simplesmente porque as temperaturas baixam”, segundo o rinologista Benjamin Bleier, diretor de otorrinolaringologia no Massachusetts Eye and Ear e professor associado na Escola de Medicina de Harvard em Boston.

“É importante lembrar que estes são estudos in vitro, o que significa que embora se esteja a utilizar tecido humano no laboratório para estudar esta resposta imunitária, este não é um estudo que está a ser realizado dentro do nariz de alguém”, escreveu Patel. “Muitas vezes os resultados dos estudos in vitro são confirmados in vivo, mas nem sempre.”

Um ninho de vespas

Para compreender por que razão isto ocorre, Bleier, a sua equipa e o coautor Mansoor Amiji, que lidera o departamento de ciências farmacêuticas da Universidade Northeastern em Boston, investigaram e descobriram que quando um vírus ou bactéria respiratória invade o nariz (o principal ponto de entrada no corpo), a parte da frente deteta imediatamente o germe, muito antes que a parte de trás tenha sequer conhecimento do intruso.

Nesse momento, as células que revestem o nariz começam imediatamente a criar biliões de cópias simples de si próprias, chamadas vesículas extracelulares, ou VE.

“As VE não se podem dividir como as células, mas são como pequenas mini versões de células especificamente concebidas para matar estes vírus”, explicou Bleier. “As VE atuam para chamar a atenção, para que, ao inalarmos um vírus, o vírus se cole a estes pontos em vez de se colar às células.”

Essas “mini réplicas” são então expelidas pelas células para o muco nasal (sim, o ranho), deixando de existir germes invasores antes destes poderem chegar ao seu destino e de se poderem multiplicar.

“Esta é uma das partes do sistema imunitário, se não a única, que deixa o nosso corpo combater as bactérias e os vírus antes de entrarem realmente no nosso corpo”, afirmou Bleier.

Uma vez criados e dispersos em secreções nasais, os milhares de milhões de VE começam então a enxotar os germes malvados, disse Bleier.

“É como se se enxotasse um ninho de vespas. O que acontece? Poderão ver alguns vespões a voar, mas quando os afugentamos, todos eles voam para fora do ninho para atacar o animal antes que ele entre no próprio ninho”, afirmou Bleier. “E é desta mesma forma que o nosso corpo lida com estes vírus inalados para que não consigam entrar sequer na célula.”

Um grande aumento do sistema imunitário

Quando está sob ataque, o nariz aumenta a produção de vesículas extracelulares em 160%, segundo este estudo. E verificaram-se ainda diferenças adicionais: as VE tinham muito mais recetores na sua superfície do que as células originais, aumentando assim a capacidade de retenção de vírus nos biliões de vesículas extracelulares no nariz.

“Imaginem os recetores como pequenos braços que estão a sair, tentando agarrar-se às partículas virais ao inspirá-las”, explicou Bleier. “E descobrimos que cada vesícula tem até 20 vezes mais recetores na superfície, tornando-as super pegajosas.”

As células do corpo também contêm um assassino viral chamado micro RNA, que ataca os germes invasores. No entanto, as VE no nariz continham 13 vezes mais micro sequências de RNA do que as células normais, afirma-se no estudo.

Assim, o nariz vai para a batalha armado com alguns superpoderes extra. Mas o que acontece a essas vantagens quando chega o tempo frio?

Para descobrir, Bleier e a sua equipa expuseram quatro participantes no estudo a 15 minutos de temperaturas de 40 graus Fahrenheit (4,4 graus Celsius), e depois mediram as condições dentro das suas cavidades nasais.

“O que descobrimos é que quando se está exposto ao ar frio, a temperatura no nariz pode descer até 9 graus Fahrenheit. E isso é o suficiente para eliminar todas essas três vantagens imunitárias que o nariz tem”, afirmou Bleier.

Na verdade, aquela temperatura fria na ponta do nariz foi suficiente para eliminar quase 42% das vesículas extracelulares da luta, disse Bleier.

“Da mesma forma, temos quase metade da quantidade desses micro RNA assassinos dentro de cada vesícula, e podemos ter até 70% de queda no número de recetores em cada vesícula, tornando-as muito menos pegajosas”, disse Bleier.

O que é que isso faz à nossa capacidade de combater as constipações, gripe e covid-19? Diminui para metade a capacidade do nosso sistema imunitário em combater as infeções respiratórias, explicou Bleier.

Não tem de usar uma meia no nariz

Ao que parece, a pandemia deu-nos exatamente o que precisávamos para ajudar a combater o ar frio e manter a nossa imunidade elevada, disse Bleier.

“Não só as máscaras nos protegem da inalação direta de vírus, como também é como se estivéssemos a usar uma camisola no nariz”, disse Bleier.

Patel concorda: “Quanto mais quente conseguirmos manter o ambiente intranasal, melhor este mecanismo de defesa imunitária inato será capaz de funcionar. Talvez mais uma razão para continuar a usar máscaras!”

No futuro, Bleier espera ver o desenvolvimento de medicações nasais tópicas que se baseiem nesta revelação científica. Estes novos fármacos irão “essencialmente enganar o nariz para pensar que acabou de detetar um vírus”, referiu.

“Graças a essa exposição, terá todas essas ‘vespas’ extra a voar no seu muco protegendo-o”, acrescentou.

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