Marcelo tem nas mãos algo que na Europa é "absolutamente normal" mas ao qual não estamos habituados em Portugal

12 mar, 09:00

Presidente da República vai ouvir os representantes de todos os partidos enquanto aguarda os resultados dos círculos eleitorais dos emigrantes. Ao que tudo indica, Marcelo Rebelo de Sousa vai indigitar Luís Montenegro para a liderança de um Governo minoritário

O Presidente da República vai indigitar Luís Montenegro, líder da AD, afirmam todos os especialistas ouvidos pela CNN Portugal. "Depois de Pedro Nuno Santos ter assumido a derrota e depois de o próprio Presidente ter feito saber que iria indigitar quem tivesse mais votos, não há qualquer dúvida sobre o que Marcelo Rebelo de Sousa vai fazer", diz o politólogo Pedro Silveira. "A única questão que existe é quando é que isso vai acontecer." 

O Presidente da República só pode indigitar o primeiro-ministro depois de conhecidos os resultados dos círculos da emigração que, segundo o calendário da Comissão Nacional de Eleições, serão apurados no dia 20. Estes votos atribuem os quatro mandatos que ainda faltam para completar os 230 lugares na Assembleia da República. Até lá, Marcelo Rebelo de Sousa vai ouvir os representantes dos vários partidos, a começar pelo partido menos votado, o PAN, esta terça-feira, seguindo-se Livre (quarta-feira), CDU (quinta-feira), Bloco de Esquerda (sexta-feira), Iniciativa Liberal (sábado), Chega (segunda-feira), PS (terça-feira, dia 19) e Aliança Democrática (quarta-feira, dia 20). Todos os partidos têm audiência marcada às 17:00. Este é um “requisito formal que ele tem mesmo de cumprir", explicita a politóloga Paula do Espírito Santo.

Ainda que existisse uma maioria parlamentar de esquerda, o que não é o caso, faria sentido indigitar o lider do partido mais votado, considera Pedro Silveira. "Foi isso que Cavaco fez em relação a Passos Coelho em 2015. Já se sabia que o Orçamento não ia passar, mas tinha sido o partido o mais votado e por isso foi indigitado. Até porque uma coisa é a intenção dos partidos, aquilo que eles dizem que vão fazer, e outra coisa é a votação que de facto acontece, as posições podem alterar-se."

Paula do Espírito Santo concorda: "Imagina-se que havendo um entendimento por parte de quem perdeu, isso facilita a vida do Presidente da República, porque sabe que não haverá um golpe palaciano". Ou seja, o PS não apresentará uma moção de rejeição - o que, de qualquer forma, só poderia acontecer após os primeiros seis meses de governação.

Além disso, qual seria a solução? "Não há grandes alternativas para um outro equilíbrio de forças. O Chega não irá participar abertamente numa solução governativa  - pelo menos foi o que Luís Montenegro afirmou. Portanto, a AD está a contar com o apoio da Iniciativa Liberal e com a estratégia da oposição, uma vez que o PS não tem, neste momento, qualquer interesse em deitar abaixo o Governo. Pedro Nuno Santos precisa de se afirmar como líder do partido e, além disso, sabemos que o voto popular não costuma premiar os responsáveis por provocar crises políticas." Assim sendo, o Presidente "vai deixar a solução na mão das forças democráticas, esperando que coloquem o interesse parlamentar e governativo acima dos interesses pessoais e políticos".

O politólogo João Pacheco concorda que, mesmo com resultados muito próximos da AD e do PS, "em princípio não há motivos para não indigitar" Luís Montenegro. E não entende qual é o drama de termos um governo minoritário. "Isto noutros países da Europa é absolutamente normal. Há governos minoritários e as pessoas vão-se entendendo, ao longo da legislatura. Ou então não se entendem e os governos caem", diz. "Esta obsessão com a estabilidade é uma coisa muito portuguesa. Nós tivemos 48 anos de ditadura e habituámo-nos a isto, enquanto povo. Mas a estabilidade não é necessariamente uma coisa que sai da maioria absoluta, como acabámos de comprovar. Assim como os governos minoritários não são necessariamente instáveis, como aconteceu com António Guterres."

"A política por definição é a arte de negociar", afirma João Pacheco. "Há diferentes opiniões e diferentes forças e temos que conseguir chegar a um entendimento de que isto de que isto é o que serve a um maior número de pessoas."

Sobre o que podemos esperar desta próxima legislatura, "ficou tudo bastante claro ontem", diz Pedro Silveira. "Já se sabia que o PS não iria obstaculizar um governo de minoria da AD mas ontem Pedro Nuno Nuno Santos esclareceu de forma bastante cabal que rejeitará um Orçamento de Estado." Por outro lado, Luis Montenegro já disse que não se aliaria ao Chega. Desta forma, "terá um governo minoritario, com uma grande dificuldade de aprovação do Orçamento".

"É verdade que, por um lado, está tudo na mão do Chega", mas também sabemos, diz o politólogo, que o Chega "só aprovará o Orçamento se isso o beneficiar, ou seja, por interesse próprio. Portanto, ainda que a situação não seja fácil, este Governo tem a possibilidade de, estando a fazer um bom trabalho, poder garantir que o Chega aprova o Orçamento. Também está um pouco do seu lado", considera Pedro Silveira.

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