Três vencedores, dois derrotados, três que "nem perderam nem ganharam" e uma surpresa de €339.149,16: balanço das eleições

11 mar, 03:08

Foi uma noite em que "empate técnico" foi das expressões vencedoras por ter sido das mais utilizadas. Mas o que se segue não é uma análise ao Português utilizado mas sim uma análise política - eis quem venceu, quem perdeu e como. E quem foi assim-assim. E ainda quem ganhou subvenção sem ganhar deputados

O azul escuro do Chega a pintar o sul do mapa de Portugal é umas das imagem do dia - o partido de André Ventura venceu no Algarve, há 33 anos que um partido que não o PS ou o PSD vencia um distrito. Com a incerteza sobre quem vai vencer oficialmente as eleições legislativas deste domingo – PS e AD vão mesmo ter de esperar pelos votos dos emigrantes para saber quem vence oficialmente, ainda que Montenegro tenha assumido a vitória e Pedro Nuno a derrota –, o Chega é o vencedor da noite.

Com um crescimento assinalável em grande parte do território, o partido de André Ventura quadriplica o seu resultado, conseguindo 48 deputados, contra os 12 que trazia de 2022.

Exemplo disso é o distrito de Faro – lembra-se do azul escuro? Pela primeira vez desde 1991, um partido que não o PS ou o PSD ganhou um distrito. A última vez que tal tinha acontecido foi em Beja, naquele ano, onde a CDU venceu aquele círculo eleitoral.

E os sinais vindos de Faro também apontam para Beja. Nem é direção geográfica, é mesmo o que dizem os eleitores. No distrito alentejano, onde os comunistas tinham elegido sempre pelo menos um deputado e a esquerda nunca tinha perdido, foi a direita a reclamar vitória, com AD e Chega a levarem dois dos três deputados por ali eleitos.

Na prática, o partido de André Ventura roubou um dos poucos lugares que a CDU tinha conseguido manter em 2022, sendo que este ano o resultado foi ainda pior. Mas já lá vamos.

"É uma clara mensagem do país a dizer assim nós não queremos maiorias absolutas, queremos um governo a dois. Cabe a quem pediu maiorias absolutas e não as teve, ou pediu maiorias e não as teve, interpretar esses resultados", dizia André Ventura ainda antes de ter qualquer certeza de quantos deputados iria ter, mas sabendo sempre que o crescimento iria ser significativo.

Já na sede, e depois de ter saltado com todos os apoiantes a fazerem o 'V' de vitória, disse assim: "O Chega ultrapassou historicamente um milhão de votos em Portugal", disse, reafirmando que esta noite marca "o fim do bipartidarismo em Portugal". E tem razão, pelo menos a julgar pelo mapa. Só Faro é que se pintou de azul, é verdade, mas o Chega foi o partido mais votado em distritos como Setúbal, Portalegre ou Beja, onde ficou à frente da AD. Distritos esses onde a CDU tinha muita história. "O PCP perdeu para o Chega o deputado em Beja", sublinhou Ventura, falando numa conquista nacional de norte a sul.

É o vencedor da noite.

André Ventura emocionou-se antes do discurso de vitória (Miguel A. Lopes/Lusa)

"Não há 18,1% de racistas mas há muitos zangados"

Pedro Nuno Santos vê como "muito improvável" que o PS vença os quatro mandatos dos círculos da emigração (se vencer - há empate nestas eleições de 2024). Por isso, e por não querer deixar o país em "suspenso", o secretário-geral do PS garantiu que não vai inviabilizar um governo da AD, mas com um aviso. "O PS nunca vai deixar André Ventura liderar a oposição"-

O PS "está unido, está forte e está coeso", garantiu, mas assumiu a derrota. "Apesar da diferença tangencial entre nós e a AD, e sem desrespeitar os votos e os eleitores dos círculos eleitorais das nossas comunidades, tudo indica que o resultado não permitirá ao PS ser o partido mais votado. Quero por isso dar os parabéns e felicitar a AD pela vitória nestas eleições."

Para Pedro Nuno Santos, "o Chega teve um resultado muito expressivo que não dá para ignorar, não há 18,1% de portugueses votantes racistas e xenófobos, mas há muitos portugueses zangados que sentem que não têm tido representação e aos quais não foi dada resposta aos seus problemas concretos".

Antes de se ir embora citou Mário Soares: "Só é vencido quem desiste de lutar, nós não desistimos. Vamos ter muito combate pela frente, com a convicção que voltaremos a reconstruir uma maioria que nos permita governar Portugal".

É um dos derrotados da noite.

Pedro Nuno Santos resignou-se a ser oposição daqui para a frente (LUSA/António Pedro Santos)

Afinal um voto serve

De resto, se o mapa do país tinha sido totalmente cor-de-rosa em 2022, desta vez houve uma divisão bastante clara. De Aveiro, Viseu e Guarda para cima (inclusivé) ganhou a AD. Desses distritos para baixo (exclusivé) ganhou o PS, à exceção de Leiria (AD) e Faro (Chega).

AD junta nem sequer teve uma percentagem muito superior ao PSD de Rui Rio e ao CDS de Francisco Rodrigues dos Santos em 2022, mas em número de mandatos ficou acima, ainda que não muito, mas o suficiente para declarar vitória nestas eleições.

Para Luís Montenegro nem era preciso ter mais 50 mil votos que o PS. Um bastava. Foi o próprio que o disse no discurso em que reclamou vitória, repetindo uma expressão da campanha.

Independentemente disso há duas certezas: o não ao Chega é mesmo um não e o Presidente da República deve indigitá-lo como primeiro-ministro.

"Eu assumi dois compromissos na campanha eleitoral e naturalmente que cumprirei a minha palavra. Nunca faria a mim próprio, ao meu partido e à democracia portuguesa tamanha maldade que seria incumprir compromissos que assumi de forma tão clara", referiu, sobre uma possibilidade de entendimentos com André Ventura.

"O que direi ao Presidente da República é que estamos prontos para iniciar a governação, para respeitar a palavra do povo português, prontos para mudar de Governo", acrescentou ainda, dirigindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa..

É um dos vencedores da noite.

Luís Montenegro comemora vitória nas eleições legislativas (Tiago Petinga/Lusa)

Não dá cabelo azul, mas é um grupo parlamentar

A brincadeira surgiu na rubrica "Bom Partido", de Guilherme Geirinhas, humorista que entrevistou seis líderes partidários antes destas eleições. Foi lá que Rui Tavares se negou a prometer que pintaria o cabelo, nem mesmo se elegesse o primeiro beto do Livre.

Não elegeu esse beto - concorria pelo Porto - mas conseguiu um grupo parlamentar, elevando de um para quatro o número de deputados. É ele e mais três, a partir de agora.

No discurso de análise aos resultados, Rui Tavares destacou as "eleições muito disputadas e muito importantes nos 50 anos do 25 de Abril". Embora reconhecendo que as eleições "não estão fechadas" e que isso "deixa-nos ainda na incerteza", pois “não sabemos ainda que governabilidade podemos ter nos próximos meses”, o coporta-voz do Livre disse que, "perante este cenário, há só duas certezas": que há espaço para o Livre e que o Livre “sabe crescer”.

É um dos vencedores da noite.

Rui Tavares celebra vitória nas legislativas (André Kosters/Lusa)

Arrumaram a foice

Tinham elegido dois por Setúbal, tinham elegido um por Beja (e faziam-no desde que há democracia), mas este domingo os comunistas perderam grande parte dos bastiões que ainda lhes restavam.

O sinal já tinha sido dado em 2022, com o CDU a perder o deputado por Évora e Santarém, mas desta vez ficou claro: o eleitorado comunista está mesmo a encolher e esse fenómeno também chegou a Beja, onde foi o Chega a conseguir o deputado que vestia cor vermelha até aqui, ou a Setúbal, onde o deputado que tinha também foi parar a André Ventura.

"O resultado da CDU, com a redução da sua representação parlamentar e uma percentagem abaixo do que alcançámos há dois anos, significa um desenvolvimento negativo, mas não deixa de constituir uma importante expressão de resistência, com tanto mais valor e significado quando a sua construção teve de enfrentar o prolongado enquadramento caracterizado pela hostilidade e menorização", admitiu Paulo Raimundo, visivelmente desgastado.

Com efeito, a CDU foi mesmo o único partido a perder votos, mesmo num cenário que até se colocava favorável ao contrário. É que, com a abstenção mais baixa desde 1995, todos os partidos viram os seus votos subir, mas a coligação liderada pelos comunistas desceu, perdendo quase 40 mil votos, enquanto partidos como o Livre ganharam mais de 120 mil.

Para resumir a noite de Paulo Raimundo basta uma análise: é o pior resultado de sempre da CDU, com apenas quatro deputados - eram seis em 2022.

É um dos derrotados da noite.

Paulo Raimundo cabisbaixo com o pior resultado de sempre da CDU (Manuel de Almeida/Lusa)

Ainda estamos em 2022?

Mariana Mortágua nem tanto, mas Inês de Sousa Real não pode deixar de sentir um dejà vu. A porta-voz do PAN volta a ser a única eleita do partido. Conseguiu sobreviver, é verdade, mas não regressou ao grupo parlamentar obtido em 2019.

Já o Bloco de Esquerda também mantém o número de deputados, cinco, fazendo apenas uma renovação de caras.

Mariana Mortágua sorri ao saber que mantém o grupo parlamentar com cinco deputados (João relvas/Lusa)

O mesmo da Iniciativa Liberal, que perdeu um deputado em Lisboa, mas ganhou um em Aveiro, pelo que mantém os oito mandatos eleitos em 2022, ainda que com uma troca de caras em alguns locais - falta ainda saber se a aposta em João Cotrim de Figueiredo no círculo pela Europa resulta em frutos, mas é pouco provável.

Nem perderam nem ganharam.

Evangelizados pelo boletim de voto

Foi-se alertando timidamente, com o tom a subir, que havia para aí uma outra AD, mas que esta tinha um N no fim. De semelhante só mesmo o 'D' de democrática, mas uma é Aliança, a outra é alternativa.

Nas sombras começou a crescer o medo de que os eleitores viessem a confundir os dois. Luís Montenegro, da AD, repetiu por várias vezes que um não era outro, mas não terá ficado convencido de que as suas palavras tinham sido bem entendidas.

É que já este domingo, quando muitos já lá tinham ido por as cruzes nos boletins de voto, a AD veio fazer um comunicado a pedir à Comissão Nacional de Eleições (CNE) que promovesse o "voto esclarecido" perante a possibilidade de confusão entre os dois projetos. Luís Montenegro veio mesmo justificar a reação, dizendo que tinha ouvido relatos de confusão nas secções de voto. Pelo meio o PS veio queixar-se.

Foram 100.044 votos no ADN, uma contagem incomparavelmente superior aos 10.911 votos de 2022, mesmo que a drástica redução da abstenção explique o aumento de votação de praticamente todos os partidos.

Isto também se explica por uma maior presença da religião evangélica em Portugal. 

"Atenção, portugueses, na paz do senhor. Aqui quem fala é o pastor e também deputado federal do Brasil, Marcos Feliciano. Eu quero chamar a atenção de todas as lideranças evangélicas de Portugal, bem como de todos os cristãos para que no próximo dia 10 de março, dia de eleições em Portugal, para que apoiem e votem no ADN". Esta mensagem foi proferida pelo porta-voz de Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil.

Além disso, apesar de não ter conseguido eleger um deputado, o partido liderado por Bruno Fialho conseguiu arrecadar 339.149,16 euros de subvenção pública, além de entrar definitivamente na cena política.

É uma das surpresas da noite.

Bruno Fialho saiu da sombra (LUSA/Carlos M. Almeida)

Decisão 24

Mais Decisão 24

Patrocinados