Visões muito semelhantes, com mais ou menos Estado mas com a vontade de afastar dois cenários: um Chega a apoiar um governo e um executivo liderado pelo PS
Iniciativa Liberal (IL) e Aliança Democrática (AD) não se entenderam para uma coligação pré-eleitoral - os liberais recusaram-na e Luís Montenegro lembrou Rui Rocha disso mesmo no debate entre ambos, que foi transmitido pela SIC. "A IL não integrou a AD por vontade própria", lembrou o presidente do PSD.
Mas se não houve oportunidade de se juntarem antes, não ficaram quaisquer dúvidas de que vai haver uma aproximação após 10 de março.
A frase que o confirma é de Rui Rocha: "A solução para o país está nesta mesa", disse o presidente da IL, ainda que traçando diferenças entre as ideias de ambos, mas afastando claramente um fantasma que nunca chegou à mesa, mas que a direita teme vir a precisar (o Chega).
Qualquer outra solução, e qualquer outra solução teria precisamente o partido de André Ventura, "atrasa" o país, nomeadamente porque vai "manter o PS no governo".
"Há um voto que traz mesmo mudança, porque não temos mais tempo. E esse voto que muda mesmo o país é na IL", reiterou o liberal, reafirmando a transparência do partido e deixando o sublinhado de que a solução passará sempre pela a AD, mas será sempre melhor quanto maior for o peso da IL.
E como se mede esse peso? Em 10 desafios. Ninguém o viu, mas Rui Rocha acenou com um papel de dez medidas que quer ver a AD a comprometer-se. O presidente da IL até começou por elaborar: apresentou mais uma vez a visão em relação ao IRS. E com isso até conseguiu que Luís Montenegro alinhasse, mas o presidente do PSD interrompeu o adversário para se chegar um passo à frente.
É que a AD também defende uma taxa de IRS até aos 15% para todos os jovens até aos 35 anos, mas também passa por propostas como a isenção de IRS em prémios de produtividade.
"A visão de Rui Rocha é muito redutora da visão fiscal da AD", afirmou Luís Montenegro, depois de o liberal ter acusado a AD de falta de ambição, acusando o programa de IRS da coligação que junta PSD, CDS e PPM de beneficiar apenas em cinco euros os contribuintes.
"A nossa proposta muda a vida das pessoas", disse, acusando novamente a AD de ser pouco mais ambicioso que o PS. O presidente da IL admitiu que a proposta da AD é "melhor que a que o PS apresenta", mas criticou o facto de o 15.º mês deixar de fora várias pessoas, incluindo funcionários públicos. Montenegro negou esse cenário, mas Rui Rocha continuou.
"A proposta da IL é para todos. Representa a transformação do país para quem quer crescer pelo seu trabalho, seja no Estado ou no privado", disse o liberal, acrescentando que "quem trabalha tem de ter mais dinheiro no bolso".
E Montenegro concordou. Há um lugar para o mérito. Ambos querem chegar a um ponto comum e até concordaram que a forma de lá chegar é semelhante. "As pessoas têm de ser premiadas quando fazem mais que as outras, quando fazem melhor que as outras", sublinhou, acusando o Estado de desincentivar os empresários com as medidas em vigor.
Rui Rocha respondeu novamente com a questão da Função Pública, dizendo que as pessoas que têm uma mesma função no Estado ganham o mesmo independentemente do desempenho.
Saúde e banca a marcar a discórdia
Mesmo que com algumas diferenças, foi muita a concórdia económica. Só que há uma "diferença conceptual" que Montenegro fez questão de traçar. A AD entende que a base da saúde em Portugal deve ser o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que deve garantir os acessos necessários aos cidadãos, cumprindo a Constituição.
O presidente do PSD lembrou a capacidade limitada do serviço, destacando a necessidade de os setores social e privado colaborarem no serviço público, mas sem nunca perder o foco daquilo que é a base, o SNS.
"A base da proposta da IL é um bocadinho diferente, mais concorrencial, onde a liberdade de escolha estaria assumida ao início", afirmou, voltando a dizer que também neste ponto o objetivo final deve ser o mesmo.
Rui Rocha recusou complexos ideológicos, viu "terreno comum" entre ambos e admitiu entendimentos nas PPP, mas traçou uma diferença. "Para o PSD é possível recorrer aos privados quando o SNS falha. Para nós essa escolha deve existir sempre", vincou, comparando esse cenário à utilização de um sistema como a ADSE para todos.
"É colocar as pessoas na posição que os funcionários públicos têm com a ADSE", acrescentou, falando de pontos de partida diferentes, nomeadamente pela liberdade de escolha, que a IL quer de início, mas que a AD não vê com bons olhos, até porque "não é possível universalizar o SNS2.
A Caixa Geral de Depósitos foi outro ponto de desacordo. A IL é a favor da privatização, mas a AD mostrou uma "posição de princípio". Luís Montenegro tem uma visão de que Portugal tem "necessidade de ter um banco público", falando da "excelente gestão" e dos resultados positivos do banco.
"Tem de haver um reduto de salvaguarda, uma válvula de segurança", acrescentou, apelando ao respeito pelos depósitos portugueses, mas também à segurança a dar aos investidores.
Rui Rocha discordou. Lembrou o debate com Mariana Mortágua e a questão dos juros do crédito a habitação e as mudanças de opinião de Pedro Nuno Santos. O presidente da Iniciativa Liberal não quer o banco público, assumindo mesmo que teme a "intromissão" de Mariana Mortágua na gestão da Caixa Geral de Depósitos.
O liberal admitiu o apoio da Caixa na última crise económica, mas lembrou os milhares de milhões investidos no banco, reiterando que "não podemos ter um banco sujeito à intromissão política".
"É melhor poupar o país a essa situação. Agora não vai acontecer, mas não sabemos daqui a dez anos", terminou.