Estamos a passear mal os nossos cães. E isso é um problema

CNN , Brandon Griggs
8 jul 2023, 10:00
'Dog walker" verifica o seu telemóvel enquanto guia os cães, a 21 de fevereiro de 2023, no Washington Park, em Denver, nos EUA. David Zalubowski/AP

Especialistas em comportamento animal dizem que não prestar atenção ao que se faz durante um passeio pode confundir ou frustrar os cães, dando-lhes sinais contraditórios. E, na pior das hipóteses, podem pôr em perigo a segurança do cão - e a sua própria também

Todos nós já o vimos. Muitos de nós já o fizemos.

Tratamos os passeios com o cão como uma oportunidade de fazer duas (ou três) coisas ao mesmo tempo, guiando os nossos cães pelo bairro enquanto olhamos para os nossos telemóveis, conversamos com um amigo, ouvimos um podcast ou empurramos um carrinho de bebé.

Os mais ambiciosos até incorporam os cães nos seus planos de treino, fazendo jogging ou andando de bicicleta enquanto os seus animais de estimação andam ao seu lado.

É compreensível. No mundo de hoje, em que a agenda é sobrecarregada, este tipo de multitarefas pode parecer produtivo. E passear um cão duas vezes por dia pelas mesmas ruas pode tornar-se aborrecido.

Mas os especialistas em comportamento animal dizem que, na melhor das hipóteses, os passeadores de cães (dog walkers, em inglês) que não estão a prestar atenção ao que fazem podem confundir ou frustrar os cães, dando-lhes sinais contraditórios. E, na pior das hipóteses, podem pôr em perigo a segurança do cão - e a sua própria também.

"É como se fosse o equivalente da condução distraída ao passear o cão", compara Leslie Sinn, especialista em comportamento animal de Ashburn, Virgínia, Estados Unidos. "Não está a prestar atenção aos sinais de que seu cão está desconfortável. E se está a perder todos esses sinais porque a sua cabeça está noutro lugar, isso é um problema."

Cães podem engolir algo prejudicial quando não está a olhar

Matt Semrad é um leitor ávido e devora audiolivros da biblioteca - cerca de um por semana. Também passa várias horas por dia a passear os seus dois doodles pretos, Sirius e Sonny.

Assim, para maximizar o seu tempo de leitura, o morador dos subúrbios de Atlanta ouve livros nos seus passeios com o cão.

"Ficaria aborrecido só de passear os cães", admite.

Semrad reconhece que não se preocupa muito com o bem-estar dos seus cães durante os passeios porque são bem comportados e observa-os atentamente quando passam por outros cães na rua.

Outros passeadores de cães podem não ser tão vigilantes. A CNN falou com vários comportamentalistas animais que dizem ver habitualmente pessoas a passear cães nos seus bairros, que estão ao telefone ou a empurrar carrinhos de bebé e parecem ignorar largamente os seus animais de estimação.

Esta situação pode constituir um problema de segurança por várias razões, dizem os especialistas em comportamento animal. Estudos demonstram que apenas uma pequena percentagem de pessoas consegue fazer várias tarefas de forma eficaz. Os passeadores de cães distraídos podem não se aperceber de potenciais ameaças: ciclistas, corredores, carros ou cães soltos. Quando uma pessoa olha para o telemóvel, o seu animal de estimação pode estar numa altercação com outro cão - ou pior.

Um homem fala ao telefone enquanto empurra um carrinho de bebé e passeia um cão, a 20 de abril de 2020, em Nova Iorque, nos EUA. Cindy Ord/Getty Images

"É preciso estar sempre alerta", diz Jacob Hollier, fundador da Crate Escape, um serviço de passear cães e de tomar conta de animais de estimação com sede em Atlanta. "Se houver um carro fora de controlo ou uma scooter a vir pelo passeio... a qualquer momento, pode ser perigoso e possivelmente fatal."

Hollier exige que os seus empregados não usem o telemóvel enquanto passeiam os cães - exceto para tirar fotografias dos cães para enviar aos donos.

"Trabalho com um Dogue Alemão de 81 quilos e tenho de estar sempre a vigiá-lo", afirma. "Ele é maior do que eu."

Não são apenas os cães que estão em risco. Os especialistas dizem que já viram passeadores de cães distraídos ferirem-se ao tropeçarem nos passeios ou mesmo nos seus próprios cães. Um estudo concluiu que os ferimentos em humanos enquanto passeavam os cães aumentaram mais de quatro vezes de 2001 a 2020.

Além disso, os cães são famosos por comerem coisas que são más para eles, sublinham os especialistas.

"Se não estiver a prestar atenção, os cães podem apanhar e comer coisas RAPIDAMENTE - ossos de galinha, beatas de cigarro, ratos mortos/envenenados, etc.", indica Amy L. Pike, comportamentalista animal de Fairfax, Virgínia.

"Se não viu, não saberá que deve levá-lo ao veterinário. Ou se os levar porque estão doentes, não saberá o que ingeriram, o que poderia ajudr o seu veterinário a tratá-los."

A distração também podem afetar a saúde mental dos animais

A segurança física é a preocupação mais urgente, mas passear distraído o cão também pode ser prejudicial para o treino comportamental e até para a saúde mental do cão, alertam os especialistas.

Um dono de cão que esteja a fazer muitas outras coisas que não apenas passear pode estar a perder uma oportunidade de reforçar o treino básico - sentar, vir, ficar e outros comandos - num ambiente prático, observa a comportamentalista animal Mary R. Burch, diretora do programa Family Dog do American Kennel Club.

Uma pessoa absorta no telemóvel também pode não reparar quando o seu cão fica agitado ou mostra sinais de fadiga ou de lesão.

"O seu cão 'fala' principalmente com a sua linguagem corporal não-verbal", afirma Pike. "Se não estiver a prestar atenção suficiente ao que ele está a 'dizer', não saberá como o seu cão se sente."

As caminhadas são mais do que exercício físico para os cães - elas também oferecem benefícios mentais, diz Valli Parthasarathy, um comportamentalista de Portland, Oregon. Parthasarathy diz que os cães gostam de estrutura e consistência nos seus passeios.

Uma mulher passeia o seu cão enquanto anda de bicicleta, a 19 de setembro de 2013, perto da estação de comboios de Atocha, em Madrid, Espanha. Pablo Blazquez Dominguez/Getty Images

Se o dono estiver apenas a andar para a frente ou não estiver a prestar atenção, o cão pode ficar confuso com sinais contraditórios - por exemplo, ser autorizado a cheirar um arbusto mas ser impedido de cheirar outro.

Os cães sentem grande parte do mundo através do nariz e podem ficar frustrados se não lhes for permitida alguma latitude para explorar, indica Parthasarathy.

"O meu passeio ideal para um cão é aquele em que ele tem muito tempo para cheirar e apreciar o ambiente", diz. "Eles têm as suas próprias prioridades caninas. Usar o nariz é o seu enriquecimento... é como se estivessem a ler as notícias."

Parthasarathy conta que até já viu donos de cães distraídos a puxar a trela enquanto o cão estava a fazer chichi.

Um passeador distraído também pode estar a perder uma oportunidade para se relacionar com o seu cão, considera Burch, do American Kennel Club. "Interagir e divertir-se em conjunto forma uma ligação que pode durar uma vida inteira."

Alguns donos de cães tentam fazer várias tarefas durante os passeios sem sacrificar o bem-estar dos seus animais. Teddy Thomas, dos subúrbios de Atlanta, gosta de ouvir música ou audiolivros nos seus passeios com Stella, uma cadela resgatada.

"Não sinto que olho muito para o meu telemóvel enquanto estou a passear com ela", diz. "Diria que ela tem a maior parte da minha atenção - talvez não 100% dela, mas o suficiente para nos manter ambos seguros."

Parthasarathy compreende porque é que algumas pessoas fazem várias tarefas enquanto passeiam os seus cães. Alguns pais sobrecarregados de trabalho não podem deixar os filhos para trás durante os passeios com o cão, pelo que os levam consigo. Outros pais não têm tempo para fazer passeios separados todos os dias.

"Todos estão a tentar fazer o melhor que podem", defende. "Mas ir passear com o seu cão deve ser uma questão de construir essa relação e concentrar-se no que o seu cão precisa. Essa pode ser a única altura em que ele sai de casa nesse dia."

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