É possível emagrecer sem fazer dieta, mas será que é desejável?
É a droga do ano. Toda a gente já ouviu falar do Ozempic. Celebridades e influenciadores admitem ter tomado Ozempic (ou outro medicamento semelhante) para perder peso. Em 2022 estes novos medicamentos foram prescritos 40 milhões de vezes nos Estados Unidos. Este ano, as vendas de Ozempic aumentaram 58%. O Ozempic e o seu "irmão" Wegovy são os responsáveis pela maior parte dos rendimentos da farmacêutica Novo Nordisk.
Perder peso deixou de ser uma batalha difícil e passou a estar ao alcance de qualquer um? Depois de décadas de prescrições das mais diversas dietas, com mais ou menos hidratos, com mais ou menos açúcares, será que foi finalmente encontrado um medicamento que permite emagrecer sem ser necessário limitar aquilo que comemos?
"É importante deixar claro que essa medicação está recomendada para pessoas com diabetes e só deve ser tomada com indicação médica", começa por explicar à CNN Portugal a nutricionista Isanete Alonso. "O que acontece é que muitos pacientes com excesso de peso já são pré-diabéticos ou têm glicémia elevada, por isso acabam por ter acesso à medicação. São medicamentos muito caros, mas que com prescrição médica acabam por ser acessíveis", diz. "E depois existe um mercado à margem, muitas vezes através da internet ou de intermediários, onde as pessoas conseguem comprar estes medicamentos. E isso tem muito riscos, ninguém deveria fazer essa medicação sem acompanhamento médico", avisa esta especialista.
Como funciona o Ozempic e porque faz perder peso?
O Ozempic, para a diabetes, e o Wegovy, para a perda de peso, utilizam a mesma substância ativa, o semaglutido. Estes e outros medicamentos desta família, que utilizam a tirzepatide, a sulaglutide e o liraglutido, atuam imitando uma hormona produzida naturalmente pelo organismo, a GLP-1. São por isso chamados agonistas - um agonista é uma substância capaz de se ligar a um recetor celular e ativá-lo para provocar uma resposta biológica, uma reação geralmente similar à produzida por uma substância fisiológica. O corpo libera GLP-1 naturalmente após uma refeição, e essa hormona viaja para o cérebro, provocando a sensação de saciedade.
Estes medicamentos são relativamente novos. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA aprovou o primeiro agonista do GLP-1 em 2005. O Ozempic começou a ser comercializado em 2017. Os cientistas ainda estão a investigar os seus benefícios potenciais e também os riscos associados.
Os agonistas do GLP-1 são medicamentos injetáveis (geralmente com toma semanal) que ajudam a controlar os níveis de açúcar (glicose) no sangue - e por isso são indicados para pessoas com diabetes tipo 2. Quando comemos, os níveis de açúcar no sangue começam a subir. O que esses medicamentos fazem é estimular o corpo a produzir mais insulina. A insulina extra ajuda a reduzir os níveis de açúcar no sangue.
Estes medicamentos promovem a perda de peso de duas formas, explica a nutricionista Isanete Alonso: "Por um lado, o medicamento provoca uma secreção da insulina, o que faz com que o cérebro não identifique o apetite e, por isso, a pessoa não tem vontade de comer. Ou seja, inibem a ingestão do próprio alimento, uma vez que provocam uma sensação de que se está saciado. Por outro lado, o medicamento torna mais lento o esvaziamento gástrico, o que faz com que essa sensação dure mais tempo. Existe uma diminuição do apetite, a pessoa não tem vontade de comer".
Os medicamentos vão alterar a nossa relação com a comida
Cerca de 42% dos adultos norte-americanos sofrem de obesidade. Em Portugal, os números não são tão elevados, mas a tendência é para o aumento deste problema: cerca de 39% dos portugueses adultos serão obesos em 2035, segundo o relatório de 2023 da Federação Mundial de Obesidade, que prevê uma tendência "muito elevada" da prevalência da doença nos próximos anos.
As pessoas que têm excesso de peso estavam - até aqui - condenadas a uma vida de limitações: ter vontade de comer e não poder comer tudo o que se quer. Mas se estes medicamentos inibem, de facto, o apetite, isto significa que as pessoas que os tomam não vão sentir-se limitadas - o que diminui grandemente todo o "sofrimento psicológico" associado à dieta. Será este o fim do pecado da gula?
Alguns estudos apontam já para uma diminuição do consumo de alimentos embalados e de carne, assim como de refrigerantes. Os especialistas preveem que o consumo de calorias nos EUA diminua até 3% até 2030 devido ao aumento do consumo destes medicamentos.
“As indústrias de alimentos, bebidas e restaurantes poderão ter uma redução procura, especialmente por alimentos não saudáveis e opções com alto teor de gordura, doces e salgados”, explicou Pamela Kaufman, analista de tabaco e alimentos embalados do Morgan Stanley, no relatório sobre o impacto dos medicamentos para a obesidade na procura do consumidor. “Reconhecemos que o impacto no curto prazo será provavelmente limitado, uma vez que a adoção de drogas aumentará gradualmente ao longo do tempo, mas poderemos ver um impacto a longo prazo à medida que a prevalência das drogas aumenta”, disse Kaufman.
Os analistas da Morgan Stanley estimam que 24 milhões de pessoas, ou 7% da população dos EUA, consumirão estes medicamentos até 2035.
Isso significa que vamos deixar de fazer dieta?
A nutricionista Isanete Alonso não acredita que as dietas vão acabar, o que é bom, considera. "Se não tenho muito apetite, reduzo a quantidade de alimentos que como e acabo por ter uma ingestão calórica mais baixa, obviamente", explica a nutricionista. No entanto, isso não quer dizer que coma de forma mais saudável. "Porque comem menos, as pessoas acabam por nem pensar muito no que estão a comer, porque acham que não lhes vai fazer mal. As pessoas que comem mal vão continuar a comer mal. As que têm deficiência de nutrientes vão continuar a ter. Por isso, essas pessoas vão ter problemas a longo prazo."
Até porque - e nunca é demais repeti-lo - ser magro não é sinónimo de ser saudável. "Todas as pessoas deviam ter cuidado com a sua alimentação e praticar exercício", afirma esta especialista.
"O nosso objetivo, como nutricionistas, não é fazer com que as pessoas emagreçam, é mudar as mentes das pessoas, para que passem a ter uma alimentação mais saudável. Esta é uma mudança no estilo de vida, que não se resolve com um medicamento", diz Isanete Alonso, sublinhando como os estudos mais recentes mostram como, cada vez mais, é importante ter uma "nutrição funcional", ou seja, usar a alimentação de forma a prevenir doenças. "Sabemos que há nutrientes que estimulam o organismo de determinada forma, que proporcionam ou evitam o surgimento de inflamações, por exemplo, mas também permitem controlar a hipertensão, o colesterol, a diabetes. Podemos usar a alimentação em substituição ou como coadjuvante de outra medicação."
"De que adianta perder peso se os problemas de saúde persistirem?", pergunta. O caminho para uma vida saudável não será, portanto, tomar medicação para poder comer o que se quer, mas o inverso, comer bem para evitar tomar medicação.
"Claro que há casos em que é necessário tomar medicação, mas temporariamente. O importante é mudar a alimentação e fazer exercício", sublinha.
Até porque está provado que os efeitos destes medicamentos apenas se verificam enquanto ele é tomado. Assim que se deixa de tomar, o apetite regressa e, com ele, o aumento de peso. Um estudo recente reconheceu que a interrupção do tratamento com semaglutida levou os participantes do estudo a recuperar a maior parte de o peso que tinham perdido num ano.
Os efeitos secundários: bons e maus
Além de ajudar a controlar o apetite e por isso ajudar na perda de peso, os inibidores do GLP-1 parecem ter outros benefícios importantes. Por exemplo, alguns desses medicamentos podem diminuir o risco de doenças cardíacas, como insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e doenças renais. As pessoas que tomam esses medicamentos notaram uma melhoria na pressão arterial e nos níveis de colesterol. Mas não está claro se esses benefícios vêm do medicamento ou da perda de peso, avisa Isanete Alonso.
"É claro que se uma pessoa tem excesso de peso tem outros problemas de saúde associados. Se diminui o peso, é provável que a sua saúde registe uma melhoria", explica a nutricionista.
Mas nem tudo são boas notícias. Ao retardar a digestão, estes medicamentos podem provocar outros sintomas não muito agradáveis, como azia, náuseas ou diarreia. Além disso, alerta Isanete Alonso, "há estudos que já estão a ser conduzidos que relacionam o uso destas substâncias com o surgimento de cancro e problemas na tiroide".
Por isso, apesar de estes serem medicamentos aconselhados para um consumo prolongado, para as pessoas que sofrem de diabetes, Isanete Alonso considera que não devem ser tomados por longos períodos, sobretudo se não houver indicação médica. "É tudo muito novo. Ainda estamos a perceber quais serão os efeitos a longo prazo", afirma.