Depois da corrida às farmácias pelo Ozempic, o antidiabético que as celebridades de Hollywood admitiram usar para perder peso, vêm aí dois novos medicamentos que prometem perdas de peso que só se verificavam até agora através de cirurgias
Nos últimos meses, muito se tem falado do Ozempic (nome comercial do semaglutido), um antidiabético que atua também na perda de peso, prometendo uma redução de “5% a 20% do peso" em pessoas com obesidade. Mas este não é o único medicamento associado a perdas de peso substanciais. Na verdade, outros fármacos que estão prestes a entrar no mercado prometem "ganhar o espaço" do Ozempic e "revolucionar o panorama" do tratamento da obesidade e excesso de peso, indicam à CNN Portugal especialistas em endocrinologia e farmacêutica.
Existe, aliás, um outro fármaco de semaglutido - portanto, a mesma substância ativa do Ozempic - mas destinado especificamente à perda de peso. Chama-se Wegovy e já tem parecer positivo da Agência Europeia do Medicamento (EMA), que autorizou, em janeiro de 2022, a sua introdução no mercado de todos os países da União Europeia (UE).
Apesar da ‘luz verde’ da agência europeia, o Wegovy ainda não está a ser comercializado em Portugal. “É do que a indústria se queixa sempre, demora muito tempo. Mas demora o tempo necessário para as negociações”, observa o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, referindo-se ao processo de rotulagem, comparticipação e preço que cabe aos reguladores de cada país.
O endocrinologista João Jácome de Castro, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), estima que o Wegovy, que já está disponível nos EUA, Dinamarca e Finlândia, venha a ser lançado em Portugal "para o ano".
Em comunicado enviado à CNN Portugal, fonte oficial da Novo Nordisk em Portugal ressalva que "até ao momento" a farmacêutica "não tem uma data prevista para a disponibilização" do medicamento no país.
"Reconhecendo a obesidade como uma das áreas terapêuticas onde existe uma real necessidade de resposta terapêutica, temos como objetivo levar aos doentes tratamentos inovadores, como o Wegovy, o mais rápido possível, e é com esse pressuposto que estamos a trabalhar no sentido de criar as condições necessárias para assegurar uma capacidade de fornecimento sustentável do Wegovy nos diversos países – Portugal incluído", pode ler-se na mesma nota.
Tanto o Ozempic como o Wegovy têm a mesma substância ativa, o semaglutido, que atua como agonista dos recetores de GLP-1, uma hormona fisiológica que regula o apetite e a glicose. “Quando nós comemos, o nosso intestino produz GLP-1, uma molécula que atua a nível pancreático (que produz e liberta insulina) e ao nível do sistema nervoso central, reduzindo o apetite e diminuindo a ingestão alimentar. Pensa-se que também pode contribuir para o aumento do dispêndio energético, portanto, no metabolismo basal",explica à CNN Portugal a endocrinologista Paula Freitas, do Centro Hospitalar Universitário de São João.
Apesar de ter sido desenvolvido para o tratamento da diabetes tipo 2, nomeadamente com a dose máxima de 1 miligrama (mg) verificou-se que o semaglutido, quando administrado em doses mais elevadas, nomeadamente 2,4mg, também atua na perda de peso. Na prática, esta é a diferença entre o Ozempic e o Wegovy - enquanto o primeiro é indicado para o tratamento da diabetes na dose de 1mg, o segundo já é indicado apenas para a perda de peso, com a dose máxima de 2,4mg.
“A diferença é que a formulação do Wegovy foi estudada especificamente para o tratamento da obesidade", diz o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, acrescentando: "O Ozempic está aprovado para pessoas com diabetes tipo 2 - se for usado para o tratamento da obesidade, é uso off-label -, enquanto o Wegovy está aprovado para pessoas com obesidade ou excesso de peso que tenham também outros fatores de risco relacionados com o excesso de peso, como hipertensão ou colesterol elevado."
O fármaco que promete "revolucionar" a perda de peso
Além do semaglutido, existe ainda um outro fármaco que, esse sim, promete "revolucionar o panorama" do tratamento da diabetes, indica o endocrinologista João Jácome de Castro. Chama-se Mounjaro (nome comercial da tirzepatida) e, de acordo com o especialista, "é ainda mais potente na perda de peso do que o Wegovy". Tal como o Ozempic, também está indicado apenas para o tratamento da diabetes tipo 2, sendo igualmente administrado por injeção subcutânea.
Mas, à medida que foi sendo testado, "foi surpreendendo pelas perdas de peso muito, muito drásticas" que causava, observa Paula Freitas. “À volta de 56% dos doentes com diabetes que tomaram tirzapatida perderam mais de 20% do peso, e 36% perderam mais de 25% do peso corporal”, indica a endocrinologista, que já presidiu à Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade.
Face a estes resultados, João Jácome de Castro não tem dúvidas de que o Mounjaro "vai revolucionar o panorama" do tratamento da obesidade e excesso de peso assim que for introduzido no mercado. Tal como o Wegovy, este fármaco também tem Autorização de Introdução no Mercado para a diabetes tipo 2, "não tendo o titular do medicamento [
Os dois endocrinologistas contactados pela CNN Portugal defendem que estes medicamentos deveriam entrar no mercado nacional como "medicamentos para a obesidade, como uma classe própria, independentemente do grau de comparticipação".
Até porque, sustenta João Jácome de Castro, a perda de peso está associada a outros benefícios para a saúde, nomeadamente na redução da hipertensão, redução de enfartes do miocárdio e até na taxa de Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs).
"O grande problema é que, apesar de Portugal ter sido um dos primeiros países a considerar a obesidade uma doença, não há comparticipação de fármacos para a obesidade. Este é o grande problema", lamenta Paula Freitas.
Mas a toma destes medicamentos para a perda de peso tem uma contrapartida: o seu efeito nem sempre é permanente, e, por isso, é possível voltar ao peso inicial, ressalva o presidente da SPEDM: "Há pessoas que não voltam a ganhar peso, mas há muitas que voltam a ganhar." Nestes casos, João Jácome de Castro assume que os doentes devem poder fazer "pequenos ciclos de tratamento" com interrupções pelo meio, "de X em X anos, por exemplo", para "manter o peso".
Já a endocrinologista Paula Freitas defende uma abordagem multidisciplinar, com um acompanhamento de nutricionistas, fisiologistas, e até psicólogos, se necessário.
"A obesidade é uma doença e deve ser tratada como todas as outras doenças", argumenta. O mesmo defende João Jácome de Castro, que afirma que "tem de se deixar de banalizar a obesidade como se fosse uma mania das pessoas". "A obesidade é uma doença na qual as hormonas que atuam no sistema nervoso central, nos centros do apetite, atuam de maneira diferente das restantes pessoas", sustenta.
Por isso, o endocrinologista não esconde o otimismo em relação a esta evolução dos fármacos para a perda de peso. "O futuro é altamente promissor", estima o especialista, assumindo que "cada vez mais" será possível recorrer aos medicamentos para combater a obesidade.
O alerta para as vendas falsas de semaglutido na internet
A procura pelo Ozempic disparou no início do ano, depois de várias celebridades de Hollywood terem admitido recorrer a este medicamento para perderem peso. A corrida às farmácias foi de tal forma desenfreada que o fármaco acabou por ficar esgotado em vários países, incluindo em Portugal. Agora, "a procura estabilizou", indica o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. Mas, nos EUA, porém, o fármaco continua em "escassez de stock", conforme indicado na base de dados da Food and Drug Administration (FDA).
Neste cenário, cada vez mais norte-americanos procuram obter o medicamento por vias alternativas, nomeadamente através das farmácias de medicamentos manipulados, que, de acordo com o New York Times, "podem comprar semaglutido de fábricas de ingredientes farmacêuticos" para dar resposta à elevada procura pelo Ozempic. Estas farmácias "costumam mistura-lo [o semaglutido] com vitaminas B ou com um composto químico metabólico chamado L-carnitina, que parece contribuir para a perda de peso", escreve o jornal norte-americano.
Para a endocrinologista Paula Freitas, porém, “é muito pouco provável” que estas farmácias estejam realmente a vender semaglutido, ainda que manipulado, uma vez que se trata de uma molécula “com uma estrutura muito complexa”, patenteada pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, que demorou "anos e anos" a desenvolvê-la.
Confrontada com este fenómeno, a própria farmacêutica garantiu ao New York Times que não vende a molécula para "fins de manipulação" e que não existe sequer uma versão genérica do medicamento aprovada pela FDA. A empresa adianta ainda que já está a tomar medidas, inclusive enviando a cartas dirigidas às “entidades que estão envolvidas na venda ilegal de semaglutido manipulado, divulgando publicidade enganosa e infringindo patentes”.
O bastonário das Ordem dos Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, confirma à CNN Portugal que esta é "uma realidade mundial", apontando que "existe há muitos anos uma rede ilegal [de venda de medicamentos] montada a nível internacional em sites muitas vezes desenvolvidos fora da Europa".
Nestes esquemas de venda ilegal de fármacos, "o que interessa é que o aspeto do medicamento falsificado corresponda ao aspeto do original", explica Hélder Mota Filipe. "As pessoas acham que comprar medicamentos através da internet é como comprar roupa ou livros, só que nos medicamentos está em causa um problema de saúde pública que pode pôr em risco a sua própria vida", adverte o responsável.
O endocrinologista João Jácome de Castro aconselha, por isso, que "nunca compre medicamentos fora do circuito legal". "Não é só por defender o cumprimento da lei, é porque o risco é enorme e não há qualquer controlo de qualidade", adverte.
Ainda assim, o bastonário assinala que "a realidade dos EUA é diferente da realidade da Europa" no que diz respeito à venda ilegal de medicamentos. "Na Europa, não é possível é manipular medicamentos para substituir medicamentos que estão comercializados e que estão disponíveis. O Ozempic está disponível na Europa e não há razão absolutamente nenhuma para se fazerem formulações manipuladas de um medicamento que existe na sua versão industrial", indica.