Até a porta-voz e investidora de longa data Oprah Winfrey teve de voltar atrás em comentários anteriores sobre os medicamentos para perda de peso serem uma "saída fácil" depois de a WeightWatchers começar a vendê-los
A WeightWatchers, empresa norte-americana que oferece serviços de perda e manutenção de peso, acredita que a cultura da dieta acabou.
Bem-vindo à era do Ozempic. Os medicamentos para emagrecer alteraram o negócio da perda de peso. O número de americanos que toma medicamentos à base de semaglutido aumentou 40 vezes nos últimos cinco anos, o que contrasta com décadas de conselhos de dieta e exercício sobre como perder quilos.
O Wegovy e outros medicamentos semelhantes ameaçam mudar para sempre a indústria da dieta, que vale 76 mil milhões de dólares, e o tecido sobre o qual esta indústria acumulou a sua riqueza. Até os bens de consumo básicos e os titãs do retalho, como a Coca-Cola e a Walmart, estão preocupados.
Sima Sistani, a diretora executiva de 44 anos da WeightWatchers, está ciente disto e reconheceu que a WeightWatchers tinha de evoluir - ou então. Ela sabe que não pode vencer o Wegovy. É por isso que está a unir forças com ele.
Depois de entrar para a empresa no ano passado, Sistani começou a fazer mudanças radicais: acabou com milhares dos famosos workshops presenciais da empresa, fechou as lojas e mudou o foco da empresa para novos medicamentos de controlo de peso como o Wegovy. Também fechou um grande negócio para comprar uma empresa de telesaúde que pode emitir receitas virtuais para os pacientes desses medicamentos de perda de peso.
Era uma mudança que ameaçava alterar aquilo pelo qual a WeightWatchers era mais conhecida - o tipo de risco que os diretores executivos raramente assumem, a não ser que vejam uma ameaça existencial ao virar da esquina. Mas para Sistani a empresa não está a perder a sua posição.
"O que fazemos melhor é ajudar as pessoas a controlar o peso. Essa é a nossa âncora", afirmou. "Penso que temos de ser verdadeiros e autênticos em relação a isso e a quem somos."
E com essa âncora, a empresa tem sido capaz de traçar um caminho a seguir, mesmo quando o terreno mudou.
"Acho que temos sido muito intencionais sobre a nossa evolução", disse Sistani à CNN. "Podemos garantir que todas as nossas partes interessadas vejam os benefícios desta transformação e desta mudança."
Reuniões presenciais, a pandemia de covid e a cultura do bem-estar
As mudanças já estavam em curso quando, em março de 2022, assumiu o controlo de uma empresa em crise. A pandemia de covid-19 interrompeu as reuniões presenciais durante algum tempo, a empresa tinha experimentado - e falhado - a positividade corporal - e o aparecimento do fenómeno de perda de peso alimentado pelo semaglutido tinha acabado de começar.
A marca de dieta tradicional, com mais de meio século de existência, estava a caminho de perder cerca de 250 milhões de dólares em 2022.
A empresa tentou agarrar-se ao crescente movimento de positividade corporal, mudando ao acaso a marca para uma marca de bem-estar holística para acompanhar as mudanças de atitudes em relação à aceitação do corpo em 2018. Não funcionou.
"Parte da razão pela qual o eixo do bem-estar não funcionou é porque foi uma jogada de marketing. Não era um produto, e não mudámos o suficiente a forma como nos apresentávamos para sermos realmente uma empresa de bem-estar", argumentou Sistani.
A ênfase nos workshops presenciais e a falta de uma pegada digital também estavam a prejudicar os resultados da empresa, especialmente na era do distanciamento social.
"Cerca de 80% dos membros tinham passado para o digital e, no entanto, continuávamos a ter esta aplicação que funcionava como se fosse um complemento das reuniões presenciais", apontou.
Sistani fez mudanças radicais, incluindo o fim de muitas reuniões presenciais, o encerramento de lojas e a promoção de medicamentos de semaglutido.
Em março, fez uma mudança ainda mais radical para renovar a empresa: a WeightWatchers fez um acordo de mais de 100 milhões de dólares para comprar a Sequence, uma empresa de telesaúde que oferece prescrições virtuais aos pacientes para esses medicamentos para perda de peso, quando apropriado.
"Estes medicamentos demonstraram, e a ciência evoluiu para dizer, que viver com obesidade é uma doença crónica. É importante, independentemente do que isso signifique para a nossa atividade, sermos claros quanto a isso. Não se trata apenas de força de vontade", defendeu. "E o que estamos a dizer agora é que sabemos melhor e cabe-nos a nós fazer melhor para que possamos ajudar as pessoas a sentirem-se positivas e a desestigmatizar esta conversa em torno da obesidade."
Os analistas do Goldman Sachs afirmam que a compra da Sequence e a adoção do semaglutido estão a evitar o colapso da empresa. Os analistas do banco projetam que 15 milhões de adultos nos EUA estarão a tomar estes medicamentos até 2031, ou seja, cerca de 13% de todos os adultos do país - não incluindo os doentes diabéticos.
Acreditam que estas alterações poderão gerar 455 milhões de dólares em novas receitas para a WeightWatchers até 2025.
Sistani acredita que, se ela não tivesse entrado, a empresa teria seguido os passos de concorrentes como Jenny Craig, a empresa de controlo de peso que declarou falência na primavera de 2023. Desde então, partes da empresa Jenny Craig foram vendidas à Wellful, a empresa-mãe da Nutrisystem.
O mercado parece concordar; as ações da empresa subiram cerca de 78% até agora este ano. Em 2022, as ações caíram cerca de 76%.
Segundo Sistani, embora os medicamentos para perda de peso tenham explodido em popularidade, ainda há uma falta de profissionais experientes que os prescrevam com segurança. É um papel que, segundo ela, os WeightWatchers podem preencher.
O semaglutido foi aprovado pelo regulador norte-americano, a Food and Drug Administration, para tratar a diabetes de tipo 2 sob a designação de Ozempic, mas também foi utilizado off-label para a perda de peso. Wegovy, a versão que trata a perda de peso, foi aprovada em 2021. Estes medicamentos funcionam imitando uma hormona que faz os utilizadores sentirem-se cheios, mas o seu uso traz efeitos colaterais potenciais, como desconforto gastrointestinal. Os riscos a longo prazo também continuam a ser estudados. Estes medicamentos não são soluções autónomas e requerem uma abordagem abrangente à dieta e ao exercício para um controlo de peso sustentado. Quando se deixa de os tomar, o peso regressa frequentemente.
A maioria dos médicos norte-americanos não tem formação em medicação para a obesidade e "não existe uma forma clara, segura e fiável de as pessoas perceberem se devem ou não tomar estes medicamentos", sublinhou Sistani.
Os WeightWatchers, considerou, podem ser essa fonte. "Somos uma empresa pública e, por isso, temos transparência nas nossas operações. Acreditamos que podemos proporcionar uma experiência muito melhor às pessoas que tomam estes medicamentos."
A WeightWatchers tem clínicos e investigadores na equipa e um conselho consultivo científico e um conselho consultivo médico para garantir que a experiência é segura, indicou, e que quaisquer efeitos secundários ou complicações são bem geridos e que os medicamentos vão para as pessoas que precisam deles.
Ainda assim, a WeightWatchers é uma empresa que mudou de forma mais do que uma vez ao longo da última década, enquanto luta para encontrar a sua identidade.
Até a porta-voz e investidora de longa data Oprah Winfrey teve de voltar atrás em comentários anteriores sobre os medicamentos para perda de peso serem uma "saída fácil" depois de a WeightWatchers começar a vendê-los.
Alguns seguidores de longa data do programa sentem-se traídos pelo afastamento das reuniões presenciais e pela adoção de soluções baseadas em medicamentos.
"A aquisição da Sequence pela WeightWatchers deixou muitos membros realmente abalados", observou Jamie Yonash, que dirige o blogue de estilo de vida Life is Sweeter by Design, que se concentra no conteúdo relacionado com a WeightWatchers.
"O feedback que recebi é que eles sentem-se um pouco traídos pelo facto de os WeightWatchers promoverem medicamentos para a perda de peso, porque isso parece ir contra os valores fundamentais que a empresa defende há tanto tempo", justificou.
Relativamente à perda de reuniões presenciais, considerou "que a mudança para uma programação quase totalmente digital não é do interesse de todos os membros". "As pessoas precisam de ligações e interações humanas, e estas nem sempre são conseguidas num ambiente digital."
Outros influenciadores da WeightWatchers também ficaram confusos com as mudanças. Biz Velanti, que dirige o popular blogue e conta MyBizzyKitchen, disse à CNN que "todo o mundo está à procura de uma solução rápida", com medicamentos. "Infelizmente, não querem ter o trabalho", disse, de restringir alimentos ou fazer exercício para atingir metas de perda de peso.
O futuro da WeightWatchers
Embora o futuro da WeightWatchers ainda esteja a ser escrito, Sistani tem a certeza do que não será: não será centrado em reuniões semanais e pesagens. Não será uma empresa de bens de consumo embalados que vende snacks de dieta.
A evolução, disse Sistani, é inerentemente difícil. Mas não se trata de uma aposta, acrescentou; é uma "aposta ousada que é informada com dados e depois infundida em cada parte do que fazemos".
No seu relatório de ganhos mais recente, a empresa relatou lucro líquido para o terceiro trimestre de 2023 em cerca de 43,7 milhões de dólares. A WeightWatchers anunciou um prejuízo líquido de 206 milhões no mesmo período do ano passado. A receita operacional ficou em 30,6 milhões de dólares, em comparação com uma perda operacional de 254,5 milhões em 2022.
O crescimento de assinantes também aumentou 6% ano a ano para 4 milhões. Ainda assim, a empresa perdeu dinheiro com as receitas de assinaturas e o seu lucro bruto caiu no ano.
A WeightWatchers era uma empresa orientada para o marketing quando Sistani assumiu o controlo, lembrou. Agora, com uma nova perspetiva, é uma empresa que dá prioridade ao consumidor.
"Vamos crescer de uma forma que se adeque a um consumidor mais digitalmente avançado", antecipou Sistani. "Haverá criação de comunidades e workshops, mas não terão de ser orientados por treinadores. É mais uma questão de estar nos locais onde as pessoas se querem relacionar. Passeios de domingo no parque, ou talvez até uma ida à mercearia. Há muitas formas de criar essas relações organicamente e de ir ter com as pessoas onde elas estão."
