Governo quer facilitar compra de casa aos jovens mas "poucas instituições bancárias estarão disponíveis para correr os riscos"

22 mai, 18:00
Casa

De facilitar o acesso ao crédito à habitação até à Porta 65, a estratégia do Governo para enfrentar a crise no mercado da habitação conta com medidas direcionadas para os jovens. Estas podem, no entanto, não trazer nada de novo

Pretende facilitar a compra da primeira casa mas pode não dar em nada. O Governo anunciou uma garantia pública aos jovens para viabilizar o financiamento bancário na compra da primeira casa como parte do programa habitacional, “Construir Portugal”. A medida pode, no entanto, ficar aquém do seu propósito, alerta a economista especialista em habitação, Vera Gouveia Barros.

“Serão poucas as instituições bancárias que estarão disponíveis para correr os riscos de conceder empréstimos a estas pessoas", avisa. Para a especialista, a medida do Executivo de Luís Montenegro, que começa a ser trabalhada no prazo de 15 dias, a contar após a apresentação do programa, que aconteceu a 10 de maio, "mal não faz" mas não vai resolver os problemas "óbvios" de acesso dos jovens a este mercado.

Para justificar tal afirmação, Vera Gouveia Barros diz que é necessário começar por "perceber e esmiuçar" as dificuldades. "Os jovens têm preferência por aquisição de casa ou preferem arrendamento, porque estão abertos a ir para fora e não querem estar presos a uma casa? Porque estão numa fase em que pensam em encontrar alguém e depois partilhar casa?", questiona.

E há mais: é importante olhar também para o que se sabe sobre o mercado de trabalho dos jovens, que reflete o que chama de "condições de trabalho incerto". “Na faixa dos 25 aos 34 anos, temos 10% da população que não está nem a trabalhar nem a estudar. Entre os que trabalham, um terço tem uma forma de contrato precária, a termo, e se formos ver os salários são os mais baixos. E podemos pensar: 'ok, são jovens, estão a iniciar a vida no mercado' - sim, é verdade, mas sabemos que o nível de qualificações é maior na população mais jovem do que nos mais velhos", constata, recorrendo a dados do INE.

“Se juntarmos a precariedade no trabalho e o trabalho que não é bem remunerado, suspeito que o problema está no acesso ao crédito”, garante, admitindo que “poucas instituições bancárias” vão estar disponíveis para conceder um crédito a alguém que esteja nestas condições.

Pode ser uma medida “implementável do ponto de vista da forma”, mas contribui para resolver o problema? “É uma medida que podendo ser aplicada mal não faz, mas também tenho dúvidas de que resolva alguma coisa no acesso à habitação por jovens”, afirma Vera Gouveia Barros.

"O IMT não deveria ser cego"

O Governo já “consegue perceber que descer o IVA na construção [para taxa mínima de 6%] não tem de se traduzir automaticamente num alívio para a parte que compra”, observa a economista especialista em habitação. Em causa está, explica, "a história das elasticidades” da oferta e da procura - que deveria, segundo diz, ser aplicada também ao IMT e ao Imposto de Selo.

“Com o IVA conseguiram perceber isso. Não sei se foi porque a medida já tinha sido adotada para o cabaz alimentar. Estranhamente, não se apercebem que esse raciocínio é válido para o IMT e para o Selo”, atira. O Governo quer isentar os jovens até aos 35 anos de pagar IMT e Imposto de Selo até ao quarto escalão (até 316 mil euros), uma medida que deve começar a ser estudada no prazo de 15 dias a partir da divulgação do programa para a habitação.

“O IMT não deveria ser cego quando se está a comprar e vender casas. Se tiver alguém que vende a sua casa porque está sublotada e vai para uma casa mais pequena, não vejo porque é que a pessoa vá pagar IMT. E uma família que viva numa casa que já não tem espaço para os filhos e vai para outra mais adequada às suas necessidades não devia ser penalizada por isso”, garante.

Situações como esta deviam, para Vera Gouveia Barros, “determinar a devolução do IMT" - "não de uma só vez, mas por exemplo no prazo de cinco anos no IRS”. Isto funcionaria como “uma garantia de que se a pessoa vendesse casa perdia essa parte” e iria garantir que “não havia investimento estrangeiro e de residentes não habituais e que era apenas para pessoas que trabalham cá e descontam cá”, se fosse devolvido no IRS.

Porta 65 "não é um leilão mas está subjacente"

A “elasticidade” da oferta e da procura de que fala a economista especialista em habitação também se aplica ao programa de apoio ao arrendamento Porta 65, que o Governo quer reformular para “colocar a realidade económica do jovem em primeiro lugar, acabando com exclusões em função de limites de rendas”.

“Percebo a boa intenção de subsidiar os jovens antes de ter casa arrendada, mas quando se  faz isto estamos a arriscar aceder exatamente à mesma casa, pagar exatamente o mesmo e quem vai receber o subsídio é o senhorio”, explica, frisando que o programa do Governo coloca “o poder negocial do lado do senhorio”, ao dizer que há falta de oferta no mercado.

E porquê? “Se ganho o subsídio à partida enquanto potencial inquilino, o potencial para pagar uma renda aumenta. O senhorio vai sempre pedindo mais renda até chegar ao meu limite, que é maior com o subsídio e o subsídio vai parar às mãos do senhorio e não a quem se queria subsidiar”, alerta. “Não é formalmente um leilão, mas está subjacente”.

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