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"Estão a matar o morto". A estratégia de Montenegro para a habitação não agrada a ninguém: os problemas urgentes ficam sem resposta

10 mai, 21:30
O primeiro-ministro, Luis Montenegro (LUSA/Miguel A. Lopes)

O silêncio nas medidas para o mercado de arrendamento, os incentivos que terminam aos 35 anos, as parcerias com os privados para explorar o património público devoluto, a revogação de uma medida que nunca teve efeitos e o foco na construção, cujos efeitos só se farão sentir daqui a alguns anos. São estas as críticas à nova estratégia de Montenegro para a habitação. Vêm de inquilinos, proprietários e especialistas no campo da habitação

A nova estratégia de habitação do Governo não deixou ninguém satisfeito. Nem inquilinos, nem proprietários, nem especialistas na área. São 30 medidas, dizem, que não trazem soluções concretas para a crise da habitação instalada em Portugal.

“É o maior ‘flop’ que alguma vez foi apresentado por um governo em Portugal no âmbito da habitação” e “representa um grave compromisso eleitoral”, classificou Luís Menezes Leitão. Para o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, as medidas apresentadas por Montenegro são “uma mão cheia de nada, outra cheia de coisa nenhuma”. Revelam uma estratégia de “insistir nas mesmas propostas a pensar que vão dar um resultado diferente”, juntou.

Também da Associação Nacional de Proprietários, na voz de António Frias Marques, vem um lamento: “é uma tristeza, é uma mão cheia de nada”.

Do outro da questão, dos inquilinos, a sensação é partilhada. António Machado, da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, classificou a estratégia apresentada esta sexta-feira como “um conjunto de boas intenções, como aliás o programa anterior e muitos outros programas anteriores. Por sua vez, Vasco Barata, porta-voz da associação Chão das Lutas, que defende o direito à habitação, explica ficou “muito claro que este governo tem uma agenda para a habitação” muito diferente das prioridades porque esta associação tem lutado.

A economista Vera Gouveia Barros insiste que esta estratégia continua sem estar assente num diagnóstico profundo da realidade em Portugal, cruzando indicadores como a taxa de esforço das famílias ou o número de imóveis públicos que estão vazios. “Parece-me que essa é a grande falha: não se começar por estudar os problemas. Não há um diagnóstico feito. É como um médico distribuir medicação sem perceber qual é a doença”, compara.

Falta de medidas no arrendamento

Uma das falhas identificada por todas as partes ouvidas pela CNN Portugal é a falta de medidas concretas para o arrendamento. O Governo comprometeu-se a nomear um grupo de trabalho para corrigir as “distorções introduzidas” no mercado ao longo dos últimos anos e assim “devolver flexibilidade e confiança ao mercado de arrendamento”.

Os proprietários lamentam que faltem respostas para problemas antigos. “Em relação às coisas importantes, como as rendas antigas, vai ficar tudo na mesma”, exemplifica António Frias Marques. Menezes Leitão insiste que “o governo mantém” os tetos às rendas. “Enquanto não se devover confiança ao mercado de arrendamento é impossível resolvermos o problema de arrendamento em Portugal”, afirmou à CNN Portugal.

E deixou um desafio ao primeiro-ministro, que chegou a considerar que as coisas até estão a evoluir bem no campo da habitação: vá à Avenida “Almirante Reis ver as barracas” e “as casas sobrelotadas”.

Apoios acabam aos 35 anos

O Governo acena com uma medida que permitirá cobrir a totalidade do empréstimo para jovens até aos 35 anos. Contudo, os inquilinos lembram que, apesar de positiva, esta proposta continua a deixar muita gente de fora, a quem os problemas da habitação também batem à porta.

“Dos 35 anos para diante não se sabe que medidas vão ser adotadas. As famílias com mais de 35 anos também precisam de habitação”, afirmou António Machado.

Está também prevista isenção de IMT e de Imposto de Selo para jovens até aos 35 anos nos imóveis até ao 4º escalão.

Estado paga para privado explorar rendas acessíveis

O Governo quer disponibilizar imóveis públicos, sem uso, a preços acessíveis. Contudo, num modelo de parcerias público-privadas, que levanta críticas.

“Os modelos de negócio, quando foram tentados em Lisboa, não funcionaram nas parcerias público-privadas. Por que é que o estado há de prescindir de habitação 100% pública e entregá-la à exploração dos privados. É um favor aos atores imobiliários”, classifica Vasco Barata. A mesma visão é partilhada pela Associação dos Inquilinos Lisbonenses: “o Estado paga, mas não faz”.

A economista Vera Gouveia Barros destaca como “grande novidade” a possibilidade de serem autarquias a assumirem este processo de aproveitamento de edifícios públicos devolutos, por exemplo da Segurança Social, embora tenha dúvidas sobre o modelo que será seguido.

A proposta do executivo para as autarquias passa por um regime legal “semiautomático de aproveitamento de imóveis públicos devolutos ou subutilizados por apresentação casuística de projeto de habitação”.

Gonçalo Antunes, especialista em habitação, avisa que um “levantamento sério ainda está por fazer”. “É incompreensível que, num momento de cruze habitacional, o Estado tenha património público sem uso”, classifica.

Aposta na construção sem frutos imediatos

“O Governo embarca totalmente na narrativa de que é preciso construir mais. E que isso vai baixar os preços. Temos casas, elas estão é mal distribuídas e a servir para outros fins, como o alojamento local”, aponta Vasco Barata da Chão das Lutas.

Os inquilinos, na voz de António Machado, alertam que aplicação do IVA na taxa mínima de 6% para as obras de reabilitação e construção até ao fim da legislatura pode acabar sem efeitos práticos nos preços das casas. “Necessitamos de garantia de que a diferença do IVA não vai ser absorvida pelo construtor, pelo imobiliário ou pelo vendedor. Pode ser muito interessante, mas altamente perigosa”, diz.

O especialista em habitação Gonçalo Antunes classifica a estratégia assinada pelo novo ministro Miguel Pinto Luz como tendo “uma atitude menos intervencionista”, procurando “criar pontes com a iniciativa privada”. Mas deixa a ressalva de que os efeitos só se farão sentir daqui a muito tempo: “é um processo que não há de mudar de um dia para o outro e há de ter resultados daqui a uns bons anos”

O fim de uma medida que nunca foi aplicada

Montenegro prometeu revogar o arrendamento forçado previsto no pacote Mais Habitação do executivo de António Costa. Contudo, as partes com interesse nesta matéria, lembram que esta medida nunca teve efeitos práticos.

Luís Menezes Leitão lembra que o primeiro-ministro prometeu revogar o Mais Habitação como um todo, mas que agora está apenas a mexer em duas medidas: “o arrendamento forçado, que já ninguém aplicava” e a revogação da garantia do Estado aos senhorios. O outro representante dos proprietários, António Frias Marques diz que se está a “revogar uma coisa que nunca funcionou. Estão a matar o morto”.

“Marketing político” sobre uma medida “que nunca foi aplicada nem nunca seria aplicada”, classifica Vasco Barata.

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