Mãe das crianças resgatadas da selva pediu-lhes para deixarem o avião e procurarem ajuda: "O vosso pai vai mostrar-vos o mesmo grande amor que eu vos mostrei"

12 jun 2023, 20:46

Irmãos colombianos tiveram de mover o corpo da mãe para salvar a bebé Cristian. Crianças estiveram 40 dias desaparecidas

Lesly tem apenas 13 anos mas, na Colômbia, é vista como a heroína que ao longo de 40 dias manteve os três irmãos a salvo na densa floresta amazónica. As quatro crianças, que sobreviveram à queda da avioneta onde seguiam a 1 de maio, foram encontradas na sexta-feira, desnutridas, mas sem ferimentos de maior.

Encaminhados para o hospital, Lesly, de 13 anos, Soleini, de nove, Tien, de quatro, e Cristin, que completou um ano no meio da selva, têm revelado a pouco e pouco o que aconteceu quer no acidente quer ao longo dos 40 dias em que andaram perdidos na Amazónia.

Uma das primeiras revelações foi de que a mãe esteve quatro dias viva. Segundo o pai dos quatro irmão, Manuel Ranoque, Lesly contou que "a mãe esteve viva durante quatro dias".

"Antes de morrer, ela disse-lhes: 'Talvez devam ir. Vocês vão ver o tipo de homem que o vosso pai é, e ele vai mostrar-vos o mesmo grande amor que eu vos mostrei'", revelou Ranoque no domingo, acrescentando que tem sido difícil conseguir detalhes das crianças, uma vez que estas não se alimentaram nem dormiram em condições nos últimos tempos.

No entanto, em entrevista ao programa Fantástico, da Globo, Sergio París Mendoza, diretor da Autoridade Aeronáutica Civil da Colômbia, revelou novos pormenores sobre como as crianças sobreviveram ao acidente.

Segundo Mendoza, o lugar em que seguiam as crianças ficou intacto no impacto, ao contrário do que aconteceu com o assento da mãe. 

“Infelizmente, a cadeira onde a mãe estava desprendeu-se com o impacto e caiu contra o corpo do piloto. Atrás, a cadeira onde estava a filha mais velha e os menores estava absolutamente intacta, não se desprendeu”, contou.

O diretor da Autoridade Aeronáutica revelou ainda que os irmãos colombianos tiveram de mover o corpo da mãe para salvar a bebé Cristian, presa entre a mãe e o piloto, Hernando Múrcia Morales. 

“A criança indígena, mais velha, conseguiu ver o movimento dos pés da bebé, e tirou-a. Estava entre o corpo da mãe e do piloto. E deixaram a aeronave.”

Alimentados com mandioca, frutas silvestres e água

Mas, afinal, como se alimentaram as crianças ao longo de 40 dias? Segundo o tio-avô dos irmãos, Fidencio Valencia, citado pela Associated Press, as crianças alimentaram-se com mandioca e frutas silvestres que apanhavam graças ao seu conhecimento da floresta.

"Quando o avião caiu, eles levaram mandioca [da aeronave], e sobreviveram com isso. Depois da farinha acabar, começaram a comer sementes", revelou Valencia, acrescentando que o conhecimento da floresta que a mãe passou a Lesly, a criança mais velha, ajudou a manter as crianças a salvo e nutridas. 

Para além disso, as crianças foram bebendo água e comendo frutas silvestres que apanhavam pelo caminho, mas com o passar do tempo foram ficando cada vez mais fracas, tendo sido encontradas a cerca de cinco quilómetros do local do acidente. 

"As crianças estavam muito fracas. Elas só estavam fortes o suficiente para respirar ou alcançar pequenas frutas para se alimentarem ou beberem uma gota de água na selva", revelou o general Pedro Sánchez, responsável pelo resgate, acrescentando que as equipas passaram a cerca de 20 ou 50 metros do local onde os menores estavam por várias vezes, mas que não os encontraram. 

O tio-avô, que visitou as crianças no hospital de Bogotá onde vão ficar internadas pelo menos durante duas semanas, conta que o medo fez com que os irmãos provavelmente se escondessem das equipas de salvamento.

"Eles estavam apavorados com os cães a ladrar. Esconderam-se entre as árvores... fugiram", revelou, acrescentando que, atualmente, os quatro irmãos estão "abalados, mas em boas mãos". Também Damaris Mucutuy, uma das tias das crianças, revelou a uma rádio local que "as crianças estão bem", apesar de estarem desidratadas e de terem picadas de insetos. Segundo a mesma familiar, para além de todo o apoio médico também foi oferecido apoio psicológico às crianças.

Gravações na floresta assustaram crianças

Nas buscas pelas crianças, tudo foi usado para que os quatro irmãos fossem encontrados o mais depressa possível. Desde centenas de militares envolvidos nas buscas, ao lançamento de foguetes luminosos e caixas de comida, desde helicópteros até ao uso de gravações com a voz da avó dos irmãos, a missão de resgate tentou de tudo para trazer Lesly, Soleini, Tien e Cristin a salvo para casa.

No entanto, em declarações à Cope, Alicia Méndez, jornalista do El Tiempo, revela que as crianças tinham medo não só dos homens fardados como também da voz das gravações. 

"Eles ouviram a mensagem e ficaram com medo, esconderam-se no mato para não serem encontrados. Sempre que [a equipa de busca] estava perto, escondiam-se. Não sabemos o que se passava nas suas cabecinhas", contou a jornalista. 

O único que conseguiu aproximar-se das crianças foi Wilson, o pastor belga que continua desaparecido na selva, que durante algum tempo passou tempo com elas e deixou algumas pistas que levou as equipas até aos irmãos.

Astrid Cáceres, diretora do Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, citada pelo The Guardian, confirmou que a Lesly disse que ela e os irmãos foram acompanhados por "um cão que estava perdido, que não sabia para onde ir e que os acompanhou durante algum tempo".

Esta segunda-feira foram divulgados dois desenhos de Wilson, feitos por Lesly e Soleini, que foram entregues ao comandante das Forças Militares da Colômbia, numa altura em que as buscas pelo pastor belga continuam no terreno.

A selva é muito densa e perigosa nesta zona particularmente remota e as buscas são dificultadas pela presença de animais selvagens, árvores até 40 metros de altura e chuva intensa.

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