Aprendizagem com famílias indígenas e caixas de comida atiradas para a selva. Como sobreviveram as crianças 40 dias desaparecidas?

10 jun 2023, 11:21
Crianças desaparecidas há 40 dias na selva colombiana foram resgatadas (Associated Press e Getty Images)

Embora desnutridas, nenhuma das crianças está em estado grave. Acredita-se que os conhecimentos indígenas as podem ter salvado.

Foram 40 dias na selva densa, sem proteção, rodeadas de ameaças e mudanças de temperatura. E mesmo assim sobreviveram: foram este sábado resgatados os quatro irmãos, de 13, 9, 4 anos e um bebé de 11 meses, que estavam há mais de um mês na selva amazónica do sul da Colômbia.

Mas, como conseguiram sobreviver tanto tempo? “É uma incógnita”, diz-nos o comandante Jorge Mendes. Mas o facto de serem crianças é, por si, uma razão. “Quando falamos de crianças, a indicação que temos nas buscas é para esquecer as estatísticas que existem. As crianças têm uma resiliência muito grande, como vimos no sismo na Turquia”. 

As crianças estavam na selva desde 1 de maio, quando o avião onde viajavam caiu. A mãe dos menores, o seu acompanhante e o piloto não resistiram aos ferimentos.

As crianças têm um  grande espírito de improviso, uma mobilidade diferente ao nível ósseo e muscular. E as crianças têm uma outra vantagem que os adultos não têm, a ignorância. Ignoram o perigo que os rodeia, enquanto o adulto está sempre mais em stress e em pânico”, continua. Ainda assim, confessa-nos, “o mais impressionante é uma criança de 11 meses ter sobrevivido, isso deixa toda a gente de boa aberta”.

Segundo a imprensa internacional, os conhecimentos indígenas destas crianças parecem ter servido de escudo protetor nos 40 dias que estiveram na selva. Os próprios militares que estiveram nas buscas das quatro crianças (todas membros do povo Huitoto) reconhecem que a criança mais velha, de 13 anos, tinha algum conhecimento de como sobreviver na floresta tropical. 

“A aprendizagem com as famílias indígenas e a aprendizagem da vida na selva salvou as crianças”, disse o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, citado pela CNN Internacional, reiterando aquilo que John Moreno, um líder indígena da vizinha Vaupes, já tinha comentado ao jornal colombiano Cambio. As crianças foram criadas pela avó, “que é conhecedora da terra indígena de Araracuara”, diz Moreno. E esse “conhecimento tradicional”, assegura, “foi o que os fez sobreviver”, sobretudo contra a iminente ameaça animal - neste tipo de selvas, as cobras são dominantes.

Mas, o que terão comido estas crianças? Não muita coisa, dado o estado de magreza em que foram encontradas. No entanto, diz o The Federal, é possível que tenham alcançado alguns dos kits de comida que foram lançados na selva pelas forças aéreas da Colômbia. Não se sabe, porém, se as crianças comerem ou não os alimentos dessas caixas, mas perto do local onde foram encontradas foi possível ver pedaços de fruta, o que leva a crer que foi um dos alimentos consumidos.

Embora desnutridas, nenhuma das crianças estava em estado grave, nem mesmo a mais nova, que celebrou o seu primeiro aniversário na selva, conta o The Guardian

Densidade da selva e falta de meios dificultaram equipas de resgate

As equipas de busca e salvamento da Colômbia atravessaram várias dificuldades ao longo destes 40 dias. Não só pelas condições atmosféricas, mas sobretudo pela natureza da própria selva.

A busca e salvamento naquele contexto é extremamente complicada, uma selva extremamente densa”, explica o comandante Jorge Mendes.

Embora os batedores sejam militares e conheçam bem a selva devido ao combate ao narcotráfico, o especialista diz que faltaram meios para que as buscas fossem mais eficazes: “As equipas chegaram a pedir ajuda via satélite e câmaras térmicas e isso nunca foi possível, sabiam que as crianças poderiam estar vivas, mas não sabiam onde”.

Na procura por estas crianças, as forças militares da Colômbia contaram com a ajuda de comunidades indígenas. Um total de 80 indígenas juntaram-se às buscas na chamada 'Operação Esperança'.

“Quem está no terreno vai ver se há vestígios que indiquem movimentação”, diz. E um dos aspetos que pode ter ajudado na descoberta dos menores, diz o comentador da CNN Portugal, é o uso de “uma técnica de busca e salvamento circular”. “Num avião, que é considerada um ponto de meio, vai-se criando um perímetro para se ir alargando à volta, criando um ciclo, que pode ir de cinco, 10 a 15 metros e vai-se aumentando”, o que, explica, permite localizar pessoas ou objetos, como aconteceu quando detectaram um biberão, tesoura e elásticos do cabelo e mais recentemente bocados de fruta.

O recurso a animais treinados pode também ter sido uma mais-valia neste caso. Acredita-se que Wilson, o cão responsável pela busca e que, de momento, se encontra desaparecido, terá sido o responsável por as autoridades não desistirem das crianças, uma vez que, depois do desaparecimento do animal, teriam sido encontradas pegadas de cão, acompanhadas de pegadas de crianças, o que fez crer às autoridades que o cão tinha encontrado os meninos e estava com eles.

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