«Um Café com...» Frederico Pombares, argumentista de sucessos como Herman SIC, O Último a Sair ou Lado B, que é capaz de ficar um sábado inteiro a ver futebol e ainda espera vir a ser scout.
Frederico Pombares começou por ser publicitário, até que Bruno Nogueira descobriu o blog dele e o convidou para escrever textos humorísticos para televisão. Nunca mais parou e hoje é um dos mais conceituados argumentistas do panorama nacional.
Já escreveu para stand-up, para séries, para filmes e até para peças de teatro. Fez parte de sucessos como Herman Sic, O Último a Sair, Lado B, Sal, Notícias em Segunda Mão, Levanta-te e Ri, 7 Pecados Rurais, Desliga a Televisão ou Ferro Activo.
É também conhecido pela paixão que tem por comida, que o levou a abrir o restaurante Lés-a-Lés e a fazer um roteiro de tasquinhas de Portugal. Para além disso, é um apaixonado por futebol, adepto do Belenenses e compulsivo jogador de FIFA.
Nesta conversa com o Maisfutebol, explica o que apaixona no futebol, ele que é capaz de passar um sábado inteiro a ver os jogos, partilha memórias de infância e confessa que fica estupidamente feliz quando um jogador que descobriu no FIFA sai para um grande clube.
Qual é a sua relação com o futebol?
É uma relação de amor e paixão. Na realidade é das coisas que mais amo na vida. São memórias ótimas que tenho com o meu pai, de nos sentarmos em frente à televisão a ver futebol às onze da manhã e acabarmos às onze da noite. Começávamos pela liga inglesa, espanhola, por aí fora, e acabávamos à noite com a portuguesa. Amo futebol e estou sempre a ver futebol.
Mesmo que não seja o seu clube...
Eu sou adepto do Clube de Futebol os Belenenses, portanto nesta altura ando um bocado triste e tenho de ver os clubes dos outros.
Esse ritual de ver futebol com o seu pai acontecia muitas vezes?
Todos os fins de semana. Ainda vivíamos juntos, portanto eu era muito mais novo. Depois mantive a tradição sozinho em casa.
Então esse hábito ainda se mantém...?
Sim, sim, todos os fins de semana. Tenho as aplicações que me dizem as horas dos jogos e faço o meu dia de acordo com os jogos que quero ver. Por exemplo, se me perguntar se vejo um Portimonense-Tondela, não vejo. Eu vejo os clubes de que gosto, e sobretudo pelos jogadores. Vejo o Atlético Madrid por causa do João Félix e sei que não veria o Atlético se o Félix não estivesse lá. Da mesma forma que aqui há uns anos via o Besiktas só por causa do Quaresma.
Então e nesta altura que clubes é que vê por causa dos jogadores?
Antes de mais vejo os três grandes, claro. Depois, lá fora, vejo o City, por causa dos portugueses, sobretudo pelo Cancelo. Vejo o Wolverhampton por causa dos portugueses, vejo o Liverpool por causa do Diogo Jota, vejo o United e não preciso de explicar porquê, vejo o Atlético por causa do Félix, enfim. Via o Tottenham por causa do Mourinho.
É curioso dizer que vê o City por causa do Cancelo, a resposta mais óbvia seria o Bernardo.
Compreendo. Mas para mim o Cancelo é o melhor lateral direito do mundo. Ou esquerdo, depende de como o Guardiola o utilizar, para não prescindir do comboio Kyle Walker. Eu gosto do Bernardo, mas não é um jogador que me fascine particularmente. Eu sei que fascina toda a gente, mas a mim não. Como também acho que o Ruben Dias não é um grande jogador. É verdade que ganhou o prémio de melhor defesa da Premier League e quem sou eu para dizer isto? Mas é uma coisa que sinto, não acho que seja jogador para o City e acho até que o Guardiola vai perceber isso. Eu gosto de jogadores que sejam talento puro e o Cancelo é mesmo talento puro. A capacidade de levar o jogo para a frente, os cruzamentos, os remates, tudo me fascina. O Bernardo também é talento puro, eu sei isso, mas faz dois ou três jogos magníficos e depois apaga-se outra vez.
Também lhe acontece achar que um determinado jogador, que para as outras pessoas é bom, mas não é muito bom, para si é um fenómeno?
Acontecia-me com o Nani, por exemplo. É um jogador que adoro ver. Ficava chateado quando era substituído por um jogador que não tinha o valor dele, porque acho que foi até um pouco incompreendido no United. Mas olhamos para o Nani e vemos que há ali qualquer coisa que muitos poucos têm. Percebe? Aqueles cruzamentos tensos e sempre bem direcionados, aquela basculação com o corpo, enfim. Isto depois também vai muito do gosto de cada um, mas a mim o Nani, sobretudo nos tempos do United, entusiasmava-me.
Tem um olhar crítico sobre o fenómeno futebol?
Tenho um olhar crítico sobre os jogadores e sobre os treinadores. Sobre o fenómeno, não. O futebol não é a minha vida. Se fosse a minha vida, se calhar sim, mas é só um divertimento e uma distração. Sei dos problemas que o futebol tem, e que se arrastam há muitos anos, seja de cariz financeiro ou de cariz ético, falta muita coisa ao futebol, obviamente, mas não chega a incomodar-me. É só entretenimento. Por exemplo, o que está a acontecer com Luís Filipe Vieira, os casos em tribunal, as escutas, isso tudo é entretenimento para mim. Se fosse adepto do Benfica, seguramente não seria, mas como não sou, acompanho por divertimento.
Mas também é matéria para trabalhar?
Claramente, claramente. O facto de eu ser do Clube de Futebol os Belenenses permite-me também ter um olhar mais distante e sem nenhum apego.
E não tem receio? Muitas vezes os adeptos não aceitam que se faça piadas sobre o seu clube.
Não. O meu trabalho é público. Escrevo humor há vinte anos e escrevo sobre os três clubes, não tenho um alvo preferencial. O único alvo preferencial que tenho é o Jorge Jesus, para mim é sempre uma pena gigante quando ele sai. Muitas vezes o melhor do jogo é mesmo a flash-interview do Jorge Jesus. Sou capaz de ver noventa minutos de futebol mau só para no fim poder ouvir o Jorge Jesus. É um espírito livre, diz o que lhe vai na cabeça e quer lá saber se as pessoas vão pôr aquilo na net ou não.
Nas conferências de imprensa dele estamos sempre à espera de receber a verdade, pode não ser a verdade absoluta, mas é a verdade dele.
Exatamente, ele é muito genuíno. É capaz até de colocar as pessoas que estão ao lado dele em cheque. Como aconteceu recentemente, quando disse que a administração do Benfica ficou toda a tremer com Barcelona e Bayern Munique na Champions, e ele: ‘Vamos passar.’ Acabou por colocar em cheque a administração do Benfica, mas sabemos que não o estava a fazer por mal. Não estava minimamente a fazer por mal. Ele só não tem muitos cuidados e uma conferência de imprensa acaba muitas vezes por se tornar, para ele, uma conversa de café.
Agora imagine as dores de cabeça que não deve dar ao assessor de imprensa...
Deve ser o maior desafio de sempre para o assessor, porque o Jesus é um cavalo selvagem. É indomável. Até porque os jornalistas sabem que ele é assim e com muita facilidade lhe põem uma casca de banana à frente... e lá vai ele.
É um homem muito à for da pele.
Mas sinceramente, se me perguntar, eu prefiro muito mais o estilo do Jorge Jesus do que aqueles treinadores contidos, muito sisudos, muito controlados. Isso incomoda-me mais, porque muitas vezes eu sei que eles no dia a dia não são assim. E acho que eles perdem muito em ser assim.
Vê-se isso com Ruben Amorim.
Era o que eu ia dizer. Olhe o caso do Ruben Amorim, por exemplo. É um homem normal, é um jovem que fala, que ri, que diz piadas. Acaba por tomar aquilo com uma ligeireza que é empática. Mas ele é só normal. Não faz aquele esforço para ser sisudo.
Estando agora acima dos 40 anos, também foi daquelas crianças que queria ser o Futre?
Sim, sim. Queria mais ser o Futre daquela altura do que o Futre de agora. O meu pai costuma dizer, e com alguma razão, que se o Futre jogasse hoje em dia não havia dinheiro para o comprar. Lá está, é outro espírito livre. Estas pessoas, além de geralmente terem muita qualidade, acabam por se tornar personagens ricas. Porque são reais. Eles são mesmo assim. Dou muito valor a isso.
Que mais memórias é que guarda da infância?
Olhe, lembro-me perfeitamente, e com muito carinho, de quando tive uma Adidas Etrusco. Era a bola oficial naquela altura, via que era a bola com que os jogadores jogavam na televisão e amava de tal forma aquela bola que não jogava com ela para não a estragar.
Não a levava para a escola, portanto...?
Não, não, não. Não ia estragar a minha Adidas Etrusco. Deixava que os outros levassem.
E a paixão pelo Belenenses como é que nasce?
Como nasceram todas as paixões dos miúdos pelos clubes: por influência dos pais. O meu pai fez-me sócio do Belenenses desde que nasci. Entretanto o meu pai foi vice-presidente do Belenenses durante alguns anos, nessa altura tive uma ligação ainda maior, que fez com que a desilusão pela separação da SAD com o clube fosse também maior. Mas foi assim. Acho que as paixões futebolísticas são sempre hereditárias.
Tem muitas memórias de jogos no Restelo em criança?
Muitíssimas. Desde pequenos flashs quando era criança até memórias mais vívidas de quando era mais velho. O flash mais antigo que tenho é de quando era mesmo muito pequeno, tanto assim que não tinha noção de que um jogador quando cai nem sempre se aleija, apesar de parecer. Lembro-me que era mesmo muito miúdo e chorei desalmadamente quando um guarda-redes do Vitória Guimarães, penso que era o Melo, chocou aqui no Restelo com um jogador e rebolou incessantemente pelo relvado. O meu pai tentava convencer-me que era normal, mas eu não parava de chorar. Nem sei se ele se lembrará disto.
Das equipas do Belenenses qual é que lhe deixou mais saudades?
Há uma equipa inesquecível, com o Mladenov e tal, mas eu era muito pequeno. Era na altura em que jogadores de Champions vinham para cá ver o que se passava aqui. Depois tenho memórias ótimas do Belenenses que ficou em sexto lugar com o João Alves, quando o meu pai lá esteve como vice-presidente. Tinha uma série de jogadores que depois foram para o Benfica, FC Porto, Salamaca...
Esse Belenenses tinha uma grande equipa.
Tinha uma excelente equipa. Aliás, o João Alves teve a capacidade de recuperar uma série de jogadores que já estavam perdidos. O caso do Fernando Mendes, por exemplo, o lateral esquerdo, que nessa época vai à Seleção, joga no Restelo contra a Grécia e depois sai para o FC Porto. O caso do Pedro Barny, que também andava meio perdido. O Paulo Madeira! Reabilitar o Paulo Madeira é o maior feito da carreira do João Alves. Ainda foi para o Benfica outra vez. O César Brito. Atenção, o César Brito! É pá, espetacular. Até golos de bicicleta ainda marcou.
Mas esse Belenenses tinha o Giovanella, Rogério, Taira, Catanha.
Sim, sim, só esse meio campo com Taira, Giovanella e Rogério. Veja bem. Depois foram todos para o Salamanca, com o João Alves. Mais o Catanha na frente, que depois também foi para o Salamanca e ainda foi à seleção espanhola. Até o Pauleta esteve lá no Restelo, esteve quase, quase, quase a assinar, mas depois foi para o Salamanca.
Para além de adepto de futebol, também é um grande fã do jogo FIFA, não é?
Adoro. Quando sai uma nova versão, vou logo comprar e depois jogo, jogo, jogo. Começo com as equipas na terceira divisão e vou por ali fora. O que é engraçado: permite-me conhecer muitos jogadores. Às vezes há jogadores que são contratados por grandes clubes que eu já o conheço desde que ele tinha 16 anos. Isto é um bocado parvo, porque hoje em dia os jogadores já estão referenciados desde os sete meses de idade, mas acontece eu comprar um jogador, ele ser realmente bom e eu depois ficar estupidamente feliz quando ele na vida real é contratado por um grande clube. É completamente infantil, mas fico tão feliz que parece que fui eu o scout do jogador.
Depois ainda diz aos seus amigos ‘é pá, já conheço este gajo há dois anos’.
Exatamente, exatamente. Só me falta mandar mails para os clubes a dizer ‘comprem este gajo’.
Passa muitas horas a jogar?
Passo, passo. Quando posso, passo muitas horas a jogar. Lá está, cada um tem a sua maneira de descontrair e a minha acaba por ser o FIFA. Gosto de esmiuçar aquilo de todas as maneiras e feitios até me cansar.
Acontece-lhe ter ideias quando está a jogar?
Não. Eu não sou o típico artista, que está a dormir e acorda porque teve uma ideia. Para mim ter ideias é quando paro e me sento para ter ideias. Muitas vezes são coisas que já estão na minha cabeça e depois é só burilá-las. Não é difícil, é como o Saramago que escrevia das nove às cinco. Acho que acabo por ter uma vida muito mais livre assim: quando quero fazer uma coisa, faço-a, quando estou a fazer outra coisa, penso nessa outra coisa. Ou seja, acabo por segmentar a minha vida e sou muito mais eficaz assim. Sou pouco artístico. Não estou a cozinhar, vem-me uma ideia e tenho que parar.
O futebol é então uma forma de sair do mundo, descansar e recuperar o fôlego?
É exatamente isso. Se eu tenho um trabalho para fazer ao sábado, sei que tenho de o fazer até às 11, porque às 11:30 começa o City, depois às 14 começa o United e mais tarde talvez tenha um Sporting ou um Benfica. Para mim o futebol é quase um prémio por trabalhar. Se sei que este sábado vai ter muitos jogos que quero ver, trabalho mais à semana para ao fim de semana ter esse premiozinho de poder ver os jogos descansado.
E só vê os jogos ou também segue o noticiário de futebol?
Sigo o noticiário, sim. Mas nem é por trabalho, porque não faço humor de atualidade e o meu trabalho não tem nada a ver com o futebol. É mesmo por gosto. E isto é mesmo verdade: tenho a aplicação do Maisfutebol e estou sempre a receber as notificações do Maisfutebol, que são muitas e ainda bem, porque eu gosto disso. Gosto muito de, em vez de estar parado a ler um jornal, de estar a fazer uma coisa qualquer e a qualquer momento receber uma última hora que acabou de acontecer. Gosto muito mais disso do que ‘ah, agora vou parar aqui uma hora e ver o que dizem as notícias’. Por exemplo, estamos a falar e acabei agora de receber uma notificação: ‘The Best, Ronaldo ganhou um prémio especial da FIFA’. Gosto disto. Gosto de estar a falar ou de estar a ver televisão, a luz acende-se e é uma última hora. Gosto de saber.
Só para terminar, para além desta paixão por ver e saber de futebol, também gosta de jogar?
Adoro, adoro. O meu sonho era ter sido jogador de futebol. Depois mais tarde era ter sido treinador. Agora com 43 anos não sei o que me sobra, talvez ser scout ou agente de jogadores.
«Um café com...» senta o Maisfutebol à mesa com figuras eminentes da nossa sociedade, nomes sem ligação aparente ao desporto, a não ser a paixão. A música, a literatura, o cinema ou a política enredados nas quatro linhas de conversas livres e descontraídas.