Redes sociais: "Há ansiedade em torno das ações climáticas", por isso tento trazer os conteúdos de "forma mais ligeira"

CNN Portugal , CNC
1 out 2023, 12:00
Catarina Barreiros (Instagram)

ENTREVISTA || Catarina Barreiros utiliza as suas redes sociais e o seu website para espalhar informação sobre diferentes tipos de produtos e se estes são, ou não, verdadeiramente sustentáveis

Catarina Barreiros, de 30 anos, é uma adepta ativa da sustentabilidade e utiliza as suas redes sociais para partilhar informação sobre como ser mais sustentável, tendo até criado um projeto chamado “Do Zero”, onde tenta responder a questões sobre sustentabilidade. Tem ainda um podcast e uma loja digital, que fazem parte deste mesmo o projeto.

É de Lisboa, estudou Arquitetura no Instituto Superior Técnico e depois estudou Gestão com especialização em Marketing e Negócios Digitais, na Nova School of Business and Economics.

Vive com o marido e com a filha e afirma que os seus pais criaram “uns ativistas natos”, pois os seus dois irmãos, um deles com paralisia cerebral, participam em Iron Man’s para chamar à atenção para a inclusão no desporto.

A CNN Portugal esteve à conversa com Catarina Barreiros sobre o seu trabalho nas redes sociais e na criação de conteúdo sobre sustentabilidade.

Como surgiu a ideia de começar a publicar conteúdos sobre sustentabilidade? 
Estava à procura de informação para mim e comecei a publicar nas redes sociais aquilo que ia descobrindo. Por exemplo, tinha dúvidas sobre se as palhinhas de bambu eram melhores, ou não, do que as convencionais… 

Foi uma questão de pesquisa e de escolhas informadas? 
Exatamente. Fui tentar ser uma consumidora mais informada. Pesquisava muitas horas e depois achei que era inglório estar a guardar essa pesquisa toda para mim e fui partilhando com os meus amigos nas redes sociais.

Quando começou todo esse processo de pesquisa? 
Em maio de 2018, na altura em que casei, e depois, a partir de agosto, mais ou menos, foi a primeira vez que comecei a falar sobre esses temas nas redes sociais.

E porquê este tipo de conteúdo? Por ser uma coisa que lhe interessava pessoalmente? 
Sim, tinha interesse. Era um tema que, na altura, ainda não se falava muito em Portugal. Sou muito cética em relação a tudo o que me dizem, preciso de ver e confirmar. Mas sentia que queria viver de uma maneira mais alinhada com os valores em que acredito. São valores mais humanistas, de proteção das pessoas e da natureza, e, portanto, foi muito isso que fui fazer.
Era um tema de que poucas pessoas falavam e era necessário que alguém o abordasse. 
Já tinha tido uma página de moda há 11 anos e, na altura, gostava muito desse tema e ainda gosto, mas o que senti foi que não havia pessoas suficientes a falar sobre sustentabilidade em Portugal. E pensei que as pessoas não tinham noção do que se estava a passar e que sendo este um tema muito urgente decidi ajudar a trazer o tema também. Foi uma necessidade na minha vida de mudar, mas também a urgência deste tema ser abordado.

Tem um site que surgiu depois de começar a haver alguma tração nas redes sociais. As publicações geram rendimento?
Sim. A monetização que tenho nas redes sociais vem de posts patrocinados. Não é diretamente das views. Já no site, não tenho nenhum tipo de publicidade. A única publicidade que tenho é nas minhas próprias redes sociais, no Instagram. 

Como é feita a escolha da informação? Como se decide o que é informação fidedigna ou que não é informação fidedigna? 
Aplico às parcerias o mesmo critério que aplico às outras coisas sobre as quais publico: tem de ser fácil de verificar a informação. 
Se uma empresa me disser que quer fazer um post em que digo que aquele produto é melhor do que outro, tem de haver alguma análise numérica que comprove o que estão a dizer e que seja certificada por uma parte independente. Se me dizem que esse produto é sustentável, a primeira resposta que vou dar é logo não, porque não existem produtos sustentáveis. Existem produtos mais responsáveis do que outros, existem produtos que têm uma pegada carbónica menor do que outros, produtos que têm menos matéria-prima virgem do que outros, produtos que duram mais tempo do que outros. 
Há vários tipos de critérios para definir a sustentabilidade de um produto e não me serve só alguém dizer que isto é sustentável. 

Esses critérios foram sendo selecionados ao longo do tempo? 
Sim, fui fazendo perguntas. Acontece muitas vezes, por exemplo, perder parcerias porque as marcas precisam que os conteúdos sejam publicados muito rapidamente e ainda não conheço o suficiente sobre a marca e tenho de estudar. 
Isto aconteceu-me várias vezes este ano, a marca 'X' queria uma parceria. Eu precisava do relatório de sustentabilidade da marca, precisava saber o que estão a fazer, precisava do relatório de sustentabilidade deste produto em específico e, se a marca não o pode apresentar, ou tem pressa e o conteúdo em si é preciso rapidamente, não aceito. 

E como é que funciona todo este processo, tanto para o website como para as redes sociais? 
Já mudei muito o meu estilo de comunicação nos últimos anos, mas é ir vendo, de acordo com aquilo que também sinto que faz sentido para mim. Por exemplo, quando tive a minha filha, claro que falei mais sobre maternidade. Mas o processo é basicamente temas que me interessam e que quero explorar. Vou procurar temas que me sejam queridos e importantes. 

Tem algum exemplo?
Atualmente, como sinto que já há ansiedade suficiente em torno do tema das ações climáticas, tento trazer os conteúdos de forma mais ligeira, mais humorística, mas trago-os na mesma. E tento encontrar uma maneira mais leve de trazer assuntos sérios. Mas esta é uma abordagem relativamente recente na minha página, tinha uma abordagem muito mais séria. 
O processo vai evoluindo conforme vai crescendo com a minha comunidade. E vou sentindo aquilo que a minha comunidade também gosta e percebendo com o feedback que me dão. 

Portanto é uma escolha pessoal e ao mesmo tempo direcionada para o público-alvo?
Exatamente. Se sinto que as pessoas estão a ficar muito desesperadas e que sentem que já não há nada a fazer, está na altura de trazer um post mais levezinho. Recentemente discutiu-se a lei do restauro da natureza no Parlamento Europeu e percebi que a maior parte das pessoas não percebe sequer o que é isso. Recebi mensagens a perguntarem se podia explicar o que é esta lei. Então, sei que vou fazer um vídeo mais sério para explicar isto de forma mais científica. 

Alguma vez acreditou que ia ter tanto impacto na tua audiência?
Não achávamos que as coisas iam tomar esta proporção. Foi muito engraçado porque quando comecei a dedicar-me à página de sustentabilidade já trabalhava com redes sociais. 
Estava numa farmacêutica e fazia marketing digital e o meu trabalho era contratar influencers, entre outras coisas, para fazer publicidades, e dizia ao meu marido, meio na brincadeira: “vou escolher o único segmento de mercado que nunca me vai dar dinheiro.”
Só que, entretanto, as empresas começaram a mudar e investi efetivamente na sustentabilidade. E, portanto, foi maravilhoso.

E tem objetivos particulares para cada post? Precisas de ter ‘X’ likes ou ‘X’ gostos num post?
Não. 

É mesmo uma questão de tentar trazer visibilidade? 
Sim. Mesmo quando trabalho com marcas, não trabalho com objetivos de likes. A ideia é sempre informar. Claro que, se vejo que um conteúdo não correu bem, tenho de perceber porquê para trazer a mensagem de outra maneira. Não mudo o conteúdo em função da marca ou dos resultados necessários. Mudo a forma como ele é apresentado. Mas, sinceramente, não penso muito nos números. Sei que é talvez por estar num mercado, num nicho de segmentos, um bocadinho diferente a nível de competitividade, porque é muito mais importante o conteúdo do que a forma. Se quero falar sobre um tema, é sobre esse tema, mesmo que não seja um tema muito sexy, quero falar sobre ele. O meu objetivo sempre é torná-lo mais apelativo.

Conforme a visibilidade foi aumentando, que mudanças houve em termos de vida e rotina? 
Seria mentir se dissesse que não senti nenhuma mudança. Sinto que tenho de estar constantemente a fazer publicações. E isso é muito complicado em termos de conteúdo. Estou fechada muito tempo a pensar em conteúdo, a estudar e a informar-me. Depois, a seguir, faço o trabalho que é: “ok, agora é filmar tudo de seguida”. Tenho de ser um bocadinho mais objetiva. E isso mudou muito. A maneira como via as redes sociais era muito mais como um hobby. Hoje é um trabalho. Levo isto com uma seriedade bastante diferente. E depois, claro, as redes sociais deram-me a oportunidade de ter uma equipa a trabalhar comigo.

Como correu a visita ao Parlamento Europeu?
Recebi um convite da Comissão Europeia para ir conhecer as instituições da Europa, nomeadamente, a sede da Comissão Europeia, conhecer o Parlamento Europeu. Foi muito bom e mantive-me em contato, entretanto, com assessores e deputados, o que me permite ajudar a passar alguma informação sobre este tipo de temas e a estar em contato com decisores políticos. 

Quando lidamos com redes sociais há sempre comentários mais negativos. Também sente esse tipo de negatividade? 
Não sinto muito. Claro que acontece de vez em quando. Isso é inegável. Mas é o que é. Não posso queixar-me imenso, não tenho um tipo de conteúdo que leve as pessoas a irritarem-se comigo, também porque não dou abertura pessoal. Penso no Instagram como a minha casa, abro a porta a quem quiser. Se alguém for desagradável comigo na minha casa, não vai voltar a entrar lá. Então, se alguém for mal-educado comigo nas redes sociais, se alguém for mal-educado com alguém da minha comunidade, é bloqueado porque esse tipo de comportamento não é tolerável. Uma coisa é a pessoa discordar de mim. E se a pessoa não for mal-educada, está tudo bem. Até gosto que discordem de mim, porque acho que é uma maneira de evoluirmos. Já tive conversas muito interessantes com pessoas que discordavam em absoluto de mim e tudo bem. A partir do momento em que há um insulto, para mim acabou e é a regra que impus na minha comunidade, para que todos possamos exprimir-nos livremente, sem ninguém se sentir atacado.

E que conselhos tem para quem quer falar sobre este tipo de temas nas redes sociais? 
Informar-se muito bem. Não só para ficar bem informado, como também para não estar a espalhar informação má. Porque existe muita desinformação e é necessário ter muita consciência de que é um tema difícil e que está sempre a mudar. A pessoa precisa ter, às vezes, uma humildade muito difícil de gerir: “Achava isto sobre este tema, mas, entretanto, saiu esta nova evidência e estava errada, aparentemente, à luz desta nova evidência”. 
E é importante a pessoa ter, acima de tudo, empatia porque há poucas verdades absolutas nisto, na sustentabilidade e é preciso perceber que os contextos das pessoas que estão a ler-nos são diferentes do nosso. Temos de ter algum cuidado na maneira como falamos para as pessoas não sentirem que o peso do mundo está nos seus ombros.

Há alguma pessoa que admire que esteja envolvida também em projetos de sustentabilidade?
A Júlia Seixas, que é investigadora e trabalha vários temas da sustentabilidade, mas está muito ligada também ao sector energético. A Sofia Santos, que está mais ligada às finanças sustentáveis, é outra referência muito grande. Também o João Soutinho, que tem uma organização que é a VERDE, de carbono biodiverso. E, por fim, o Nuno Gaspar de Oliveira, que faz também a transição ecológica e de serviços de ecossistemas. 

Lê alguns livros para se manter ao corrente das novas formas de ser sustentável?
Recentemente li um que é “O Mundo em Chamas”, da Naomi Klein, há outro que também é espetacular e que recomendo, que é o “Donut Economics”, da Kate Raworth. E o livro “As Alterações Climáticas”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, também é muito bom.

Que ferramentas é que recomenda para as pessoas aprenderem a ser mais sustentáveis?
Há um site muito bom chamado Climate Science, que tem workshops gratuitos fundamentados em ciência, que é muito fácil de ver e muito giro. Existe também uma aplicação em Portugal chamada Waste App, que é gratuita, para ver onde é que se pode colocar tudo a reciclar, desde as havaianas, a pneus, a tintas, etc... O site da Zero ONG é espetacular, porque também tem imensa informação sobre temas muito bons. O site da WWF também é muito bom, tem ferramentas muito úteis para o consumidor. No site do Oceanário de Lisboa também se encontra informação muito pertinente sobre formas de consumo sustentável.

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