Há "más notícias para os pais” sobre o uso das redes sociais pelos mais novos: “A tecnologia não veio só facilitar a vida das pessoas"

15 jul 2023, 08:00
Redes sociais

As crianças estão a usar as redes sociais de forma cada vez mais precoce. Muitas, numa altura em que ainda não estão preparadas emocionalmente ou até neurologicamente para o fazer. Os especialistas alertam para os perigos que parecem evidentes para quase todos, mas que muitos acham que nunca lhes batem à porta

Carina Pedro tem dois filhos – Iris, de 16 anos, e Rafael, de 11. Nenhum dos dois tem redes sociais. Rafael nem sequer tem telemóvel e Iris tem “um Nokia dos antigos, que só dá para fazer chamadas e mandar SMS”. Carina não se arrepende nem por um segundo da opção que tomou para “proteger os filhos”.

“Custa-me muito saber que todos os amigos do meu filho têm WhatsApp e o meu não tem. Mas, por outro lado, tenho o meu filho”, justifica.

Carina assegura que ambos os filhos têm uma vida social saudável e convivem com os amigos de forma abundante: “Sempre que eles querem contactar com um amigo, pegam no meu telefone e entram em contacto com ele”. Mas, pelo menos por enquanto, prefere mantê-los afastados dos perigos que se escondem atrás do teclado de um computador ou do ecrã de um telemóvel.

“Na minha opinião, nem os adultos sabem manusear as redes sociais, quanto mais as crianças. É uma forma muito fácil de os outros saberem coisas sobre as nossas vidas. As redes sociais facilitam o bullying. Tecnologias são boas, mas em demasia podem ser muito perigosas e eles não conseguem colocar um travão”, considera Carina Pedro.

Assegura que o tempo que não perdem nas redes sociais é bem utilizado em família. Aos domingos, há sempre cinema e jogos de tabuleiro, cozinham em conjunto, conversam e passeiam muito. 

Aos 40 anos, esta gerente de uma empresa também tem ela própria uma relação distante com as redes sociais: “Tenho todas, mas pouco uso lhes dou”. “Temos de viver com a vida que temos e não a vida que as redes sociais nos apresentam. As redes sociais acabam por enviesar o mundo real, a utopia das miúdas perfeitas, dos corpos perfeitos, das vidas perfeitas…”, diz.

Carina adotou uma posição radical na educação dos filhos, mas, dizem os especialistas, não é preciso ir tão longe para proteger as crianças. Defendem aliás que uma das melhores defesas é o uso acompanhado destes instrumentos e o cultivo da literacia digital junto das crianças. Até porque, como lembra a psicóloga Ivone Patrão, especialista em adição digital, “a socialização, hoje em dia, é mista e não há volta a dar”. Mas já lá vamos. Antes, segundo os especialistas é importante conhecer as "más notícias", para as enfrentar.

As consequências emocionais e de neurodesenvolvimento

É que riscos das redes sociais podem ser mais profundos. As redes sociais não se utilizam sem suportes eletrónicos e a neuropediatra Mónica Vasconcellos lembra que o uso destes aparelhos pelas crianças, sobretudo as mais pequenas, “pode afetar o desenvolvimento do cérebro, que nesta fase está mais suscetível a influências externas”.

“Estes dispositivos promovem a passividade, desencorajam a criatividade, a flexibilidade do pensamento e prejudicam a aprendizagem ativa, o treino da capacidade de manter atenção e a destreza motora. Além disso, afetam o sono da criança tão importante para o ótimo desenvolvimento das funções neurocognitivas. E isto tem graves consequências a nível da atenção, do comportamento, da aprendizagem, da memória, da regulação emocional, da qualidade de vida e da saúde mental e física”, lembra a especialista.

Mónica Vasconcellos acrescenta ainda que o uso de redes sociais tem sido associado a efeitos negativos na saúde mental da criança, provocando ansiedade, depressão, redução do autocontrolo e baixa autoestima.

A neurologista acrescenta que as redes sociais contribuem para a exposição das crianças e dos adolescentes a um fluxo contínuo de informação, tornando difícil a apropriação do conteúdo. “As histórias são rápidas, o tempo de concentração é menor, muda-se de cenário rapidamente e a atenção está exposta a estímulos fragmentados. Esta exposição persistente a estímulos visuais e auditivos, que se alteram a cada instante, leva a modificações funcionais e estruturais no nosso cérebro, afetando a capacidade de manter a atenção”, explica.

Muito mas do que Instagram e Tik Tok

Às vezes, esquecemo-nos que as redes sociais não se resumem ao Instagram, ao Facebook ou ao Tik Tok. “Há o WhatsApp, o Discord, o Telegram…”, lembra Ivone Patrão.

E também há o Zoom ou o Teams, que a maioria das escolas já estão a usar como instrumentos de trabalho e de comunicação com e entre os alunos.

Assim, a exposição às redes sociais é quase inevitável. Rita Ferreira é professora e tem dois filhos. O mais novo tem apenas três anos e ainda está longe, assim espera a mãe, de lhe pedir para usar as redes sociais. Mas a Beatriz, de 11 anos, tem telemóvel há uns meses e utiliza o WhatsApp desde que entrou para o 5º ano. Não ia ficar confinada ao recinto da escola e a rede social veio facilitar a comunicação com os pais quando a jovem estava no ATL ou se deslocava para o conservatório onde estuda Teatro no ensino articulado.

“Instalei-lhe uma aplicação de controlo parental e recebo notificação de todas as aplicações que ela tenta instalar. Há uns tempos pediu-me para ter Tik Tok. Eu não tenho Facebook, nem Instagram, nem Tik Rok e peço ajuda à minha irmã. Deixei a Bia usar o Tik Tok, mas o perfil não é público e só os amigos é que podem ver o que ela publica”, revela.

E depois é confiar: Rita assume que vai vasculhando o telemóvel da filha e procura o histórico do YouTube e do WhatsApp, mas diz que a filha “é muito ingénua” e lhe vem contar “tudo o que vê na internet e acha anormal. “O outro dia veio cheia de medo dizer-me que um fulano estava no YouTube a dizer que ia acabar o mundo. Aproveito sempre essas oportunidades para conversar com ela e lhe explicar que nem tudo o que vê é fiável”, diz.

O uso precoce das redes sociais

O certo é que há cada vez mais crianças a usar as redes sociais e crianças cada vez mais novas a fazê-lo. Ivone Patrão lembra que, recentemente, visitou uma escola básica e constatou que “seguramente, 90% dos alunos tinham telemóvel”: “Não os podiam levar para a escola, mas tinham contacto com o jogo e com as redes sociais”

“As redes sociais não balizam a idade mínima por acaso. Mas, muitas vezes, são os próprios pais que falsificam os dados e até usam os seus emails para lhes criar perfis nas redes sociais”, alerta.

“Já temos crianças com 9 ou 10 anos com perfil no Instagram e no Facebook. Não é saudável, mas a verdade é que existe. Há pais que pensam que é seguro, porque são amigos dos filhos nessas redes sociais e que, assim têm as coisas controladas. Mas não é suficiente”, acrescenta o pediatra Sérgio Neves.

E voltam a lembrar que a exposição aos ecrãs, consequência direta do uso das redes sociais, deve ser feita com conta, peso e medida: até aos dois anos, as crianças não devem de todo utilizar ecrãs; até aos cinco anos, o máximo recomendado é uma hora por dia; até aos 10 anos, três horas por dia e, depois dos 11 anos, “o uso de ecrãs e conteúdos digitais devem ter em conta o nível de desenvolvimento, o nível de literacia digital e a capacidade que o pré-adolescente tem para regular as suas emoções”. “Quem não consegue lidar com uma birra, mais dificuldade terá em resistir ao impulso e as redes sociais são precisamente um convite ao imediatismo e ao impulso”, resume Ivone Patrão.

Cuidados a ter

A psicóloga, especialista em adição digital, traz “más notícias para os pais”: “A tecnologia não veio só facilitar a vida das pessoas. Também veio dar trabalho”. E o controlo, sobretudo numa fase inicial, é fundamental.

A adesão às redes sociais por parte dos adolescentes deve, assim, ser acompanhada e sempre com acesso às passwords por parte dos pais e o acordo de que os progenitores podem entrar no perfil dos filhos sempre que considerarem relevante. E devem fazê-lo mesmo à sua frente, aproveitando para conversar sobre o que veem e refletirem se determinado conteúdo, por exemplo, devia ou não ter sido partilhado. “Treinar para autonomia e para a confiança e do juízo crítico é fundamental”, resume Ivone Patrão.

“Os pais devem acompanhar a inscrição e a publicação dos primeiros conteúdos e monitorizar o que os filhos têm acesso. Aproveitar alguns destes conteúdos para transmitir valores, tolerância, empatia e outras qualidades nas relações interpessoais”, corrobora a neuropediatra Mónica Vasconcellos, para acrescentar outro conselho fundamental: “É importante os pais estarem atentos aos comportamentos da criança e do adolescente (no mundo real e online) e reforçar que as definições de privacidade não tornam os conteúdos realmente privados, mas que deixam para sempre uma pegada digital”.

“Os pais têm de ensinar esta cidadania digital aos filhos: o que eu posso partilhar, que fontes são seguras, que endereços eletrónicos são seguros ou não, não tenho direito a partilhar informação do outro e fotografias dos outros, as diferenças entre um amigo real ou um amigo das redes sociais”, acrescenta Sérgio Neves.

Ivone Patrão deixa um alerta: “Não deixamos os nossos filhos na rua, entregues a pessoas que não conhecemos” . Por isso, diz, essa regra deve ser transposta para o mundo virtual. “Estamos a passar um instrumento poderosíssimo para as mãos das nossas crianças, com uma porta aberta para o mundo. Treiná-los para a literacia digital é fundamental. A ideia é que, a partir dos 16 anos, já tenham capacidade para usar as redes sem qualquer controlo da parte dos pais”, considera Ivone Patrão.

O pediatra Sérgio Neves deixa ainda três conselhos práticos que podem ser de grande utilidade aos pais mais perdidos nesta árdua tarefa:

  • Conhecer os amigos virtuais dos filhos é tão importante como conhecer os amigos reais.
  • Criar horários para o uso das redes sociais.
  • Dar o exemplo. Afinal, não lhes podemos pedir moderação no uso e nas publicações que fazem se nós próprios abusamos.

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