Signatários da esquerda e da direita e antigos líderes partidários referem casos que levaram à demissão de Costa e de Albuquerque para pedirem "uma efetiva separação entre o poder político e a justiça", e sublinham que é necessária mais "transparência no funcionamento das instituições"
Relatórios periódicos de magistrados à Assembleia da República, maiores exigências para o início de uma investigação penal e “respeito pelo poder da coletividade” são algumas das medidas que 50 personalidades, incluindo Miguel Sousa Tavares, Ferro Rodrigues, Rui Rio e outros militantes e antigos dirigentes partidários da esquerda e da direita exigem que o Presidente da República, o Parlamento e o Governo ponham em marcha para a reforma da Justiça portuguesa.
Medidas essas que procuram, escrevem, garantir a efetiva separação da justiça do poder político e resolvam “os estrangulamentos e das disfunções que desde há muito minam a sua eficácia e a sua legitimação pública”.
Os subscritores sublinham que, “ao contrário de todos os demais poderes constitucionais”, a Justiça “funciona quase inteiramente à margem de qualquer escrutínio ou responsabilidade democráticos, apesar de ser constitucionalmente administrada em nome do povo”. “Alem de ter de respeitar a Constituição, a ação da Justiça tem de ser entendida pelo povo e, quando assim não é, é a própria Justiça que falha”, assinalam.
De acordo com o documento a que a CNN Portugal teve acesso, os autores advogam que foi a “passividade” perante esta realidade que “permitiu que tivéssemos atingido o penoso limite de ver a ação do Ministério Público gerar a queda de duas maiorias parlamentares resultantes de eleições recentes”, referindo-se ao caso Influencer que levou à demissão do primeiro-ministro António Costa e ao processo em que Miguel Albuquerque foi constituído arguido, gerando a queda do Governo Regional da Madeira.
“A agravar a situação”, sublinham, “o país continuou a assistir ao inconcebível, quando, tendo decorrido longos cinco meses entre o primeiro-ministro se ter demitido, (...), o Ministério Público nem sequer se dignou informá-lo sobre o objeto do inquérito nem o convocou para qualquer diligência processual”.
“Apesar desta perigosa realidade, nem qualquer órgão de soberania, nem qualquer partido político relevante têm mostrado a necessária vontade e coragem políticas para encetar uma verdadeira reforma da Justiça”, acrescentam. Ainda relativamente aos casos da Madeira e à operação Influencer, os signatários lamentam que os representantes políticos tenham procurado o “pequeno ganho partidário imediato em detrimento do interesse público, variando as posições em função da filiação partidária dos atingidos”.
Dessa forma, os cerca de 50 signatários elencam nove medidas que, entendem, devem ser prioritárias para a reforma da justiça. Entre elas, reforçam que o Ministério Público deve regressar ao “modelo constitucional do seu funcionamento hierárquico” - “tendo como vértice o procurador/a-geral da República, responsabilizando cada nível da hierarquia pela legalidade e qualidade do trabalho profissional das equipas”.
Estas 50 personalidades, que incluem nomes como Augusto Santos Silva, António Vitorino e José Pacheco Pereira pedem ainda que o Governo implemente mecanismos de “escrutínio democrático externo”, através de relatórios periódicos “a apresentar à Assembleia da República pelos órgãos de governo institucional das diferentes magistraturas e sua apreciação nas comissões parlamentares competentes”.
O documento refere também que dentro do Ministério Público predomina “uma cultura de perfil corporativo” e salientam que os magistrados, “sem qualquer mandato constitucional”, “têm, na prática, um poder sem controlo, quer externa, quer internamente”, pela assumida desresponsabilização da procuradora-geral da República pelas investigações.
O manifesto surge numa altura em que o próprio Sindicato dos Magistrados do Ministério Público encontra-se a contestar em tribunal diretrizes hierárquicas de Lucília Gago, procuradora-geral da República - diretrizes essas que obrigariam um procurador a cumprir ordens de um superior seu, mesmo não concordando delas.