Havia fé, calculadoras e uma medalha de ouro: Pedro Nuno ficou-se pela prata e pelo alívio de ser "oposição"

11 mar, 09:47

13, o andar onde Pedro Nuno Santos passou a noite pode ser visto como um número de sorte ou de azar. E foi entre estes dois extremos que os socialistas no Altis passaram a noite eleitoral. À medida que a diferença face à AD parecia diminuir, as calculadores mentais entraram ação, com a esperança depositada nos círculos da emigração, num desenlace só dali a uns dias. Até o secretário-geral do PS obrigar todos a parar de sonhar: sem uma "maioria alternativa" à esquerda, o lugar do PS é na "oposição". Tal como muitos foram antecipando, ainda antes de António Costa entrar em cena para deixar o país na dúvida. Apesar da derrota, Pedro Nuno mostrou-se tomado por um novo alento no final. Afinal, a oposição será sempre o caminho para voltar a deixar de sê-lo

Minutos depois de Pedro Nuno Santos chegar à sede de campanha, no bar do Altis Grand Hotel, em Lisboa, havia quem brindasse com gin "à vitória". Um brinde feito antes do tempo. E que teria de esperar até ao final da noite por essa confirmação.

A noite foi de nervosismo. Os socialistas, agarrados ao telefone, começaram por comentar os números da abstenção. "Deve ficar abaixo dos 40%." Um sinal de que a noite não estava de feição para o PS começou logo na reação a este indicador. O microfone para Pedro Delgado Alves estava a falhar. Ele aguardou na escada. "É apenas uma declaração", avisou o assessor. E assim foi.

Pedro Nuno Santos à chegada ao Altis (Lusa)

Enquanto isso, Pedro Nuno Santos aguardava no 13.º piso do hotel, que tantas recordações traz aos socialistas. Aí estava com a equipa e os membros do secretariado do partido. Outros socialistas ocuparam o piso abaixo. Enquanto se desenhava a derrota, Pedro Nuno teve também os pais a acompanhar. O número 13 pode ser dado à sorte ou ao azar. Neste domingo, para quem ocupou esta sede de campanha, pareceu ter pendido para o segundo.

Catorze andares abaixo, no andar -1, a sala onde o apoio se reuniu. Demasiadas cadeiras vazias. Mais jornalistas e técnicos do que apoiantes. Exceção para Carlos Marques, militante há cerca de 40 anos, que trouxe ao peito um cartão muito especial, datado de 1976. Pertenceu a Mário Soares. "Foi oferecido por ele a uma pessoa minha amiga, que sabia que eu era militante e mo cedeu." Foi uma espécie de amuleto que este técnico de gás - habituado a vir sozinho a noites eleitorais, porque "é mais entusiasmante" do que ficar a ver na televisão - esperava que pudesse dar boa sorte nesta eleição. No interior, uma pequena medalha de ouro. "Nunca é esquecido."

Carlos Marques fez questão de trazer o cartão que pertenceu a Mário Soares para esta noite eleitoral (CNN Portugal)

E não foi mesmo. "Só é vencido quem desiste de lutar", citou Pedro Nuno Santos, horas depois, no discurso em que assumiu a derrota. Ou antes, o seu novo papel como "líder da oposição".

Sem uma maioria à esquerda, Pedro Nuno Santos assumiu a derrota (Lusa)

"Há dois anos não havia esta vergonha do PS": uma sala difícil de encher

Quem também não saiu a ganhar foi Teresa Gomes, a 34.º na lista por Lisboa. "Não é impossível. Temos de estar preparados para a derrota, mas a nossa fé conta", dizia ainda antes de saírem os resultados. Acabou mesmo por não ser eleita. Ao lado, a amiga Cristina Pinto, funcionária pública, na primeira fila logo a seguir às cadeiras reservadas. Queriam ouvir o discurso do secretário-geral do PS, qualquer que fosse o resultado, dos melhores lugares possíveis.

Cristina concordou que há dois anos, quando António Costa ganhou com maioria absoluta, a sala estava bem mais composta à mesma hora. Foi algo que muitos outros foram comentando ao longo da noite. "Há dois anos não cabia ninguém aqui dentro." Neste domingo a sala até encheu, ficou composta, mas sem os apertões de outros tempos.

"Há dois anos não havia esta vergonha do PS", explicou Cristina Pinto, lembrando muito voto escondido em Pedro Nuno Santos que haveria de se revelar com o passar da noite. E, com isso, mais lugares na sala ocupados. "Nós estamos aqui sem vergonha. É a nossa vida que está em risco." Na véspera, esta apoiante teve uma vizinha que lhe disse, a chorar, "não saber como seria o dia de amanhã" com uma vitória da AD. A mãe dessa vizinha, "a última vez que saiu de casa tinha 84 anos, para votar pela despenalização do aborto", juntou, numa referência a outra polémica que marcou a campanha rival (e vencedora).

Teresa Gomes (atrás) acabou por não ser eleita, apesar da fé partilhada com a amiga Cristina Pinto

Depois do silêncio, as calculadoras socialistas em ação

Os jovens apoiantes reuniram-se a um canto, junto aos quatro televisores. E às 20:00 em ponto, quando saíram as projeções, a sala mergulhou num silêncio durante largos segundos. Confirmava-se a AD à frente, apesar de um possível empate, que só haveria de desempatar para todos na sala quando Pedro Nuno Santos confirmou que "o PS será oposição", que era "evidente que não há possibilidade de o PS apresentar uma maioria alternativa", que não fazia sentido "manter o país em suspenso mais 15 dias" pelos resultados dos círculos da emigração.

Mas foi com essas contas que muitos socialistas foram alimentando a esperança ao longo da noite. Às 20:00, o silêncio na sala foi rasgado por Tiago Magano, um dos jovens do aparelho socialista. "Espera, espera. Não está perdido. Empate técnico e não há maioria. Isto está completamente partido. Vai ser até à meia-noite a fazer contas." Foi preciso esperar 23 minutos depois disso para que a calculadora socialista deixasse de trabalhar, com Pedro Nuno Santos a reconhecer a derrota.

Sala esteve muito vazia durante praticamente toda a noite. Só perto do discurso de Pedro Nuno Santos é que encheu (CNN Portugal)

Antes das contas, o destino já tinha sido traçado

Antes de os resultados começarem a ficar taco a taco, alimentando a esperança de que seria possível contrariar a derrota, já o PS, na voz do diretor de campanha João Torres, confirmava o seu destino. Era o comentário sobre a abstenção, acabou a ser o ponto de partida a que se voltaria no final.

Para garantir que "o PS não é o parceiro natural da AD" e que "tem a obrigação de liderar a oposição". Com uma missão: "reconciliar os portugueses com as políticas públicas que defende". A expressão "reconciliar" fez lembrar a de Luís Montenegro quando falou da relação da AD com os pensionistas durante a campanha. Quando Pedro Nuno Santos subiu ao palco não a usou. Falou antes em "reconquistar":  "Reconquistar a confiança destes portugueses e mostrar-lhes que as soluções para os problemas concretos das suas vidas passam pelo PS e não pelo Chega ou pela AD".

Pedro Nuno Santos antes do discurso (Lusa)

A confirmação da oposição

Ao longo da noite, muitas vozes socialistas foram confirmando que o PS passaria à oposição, insistindo que era uma derrota do partido e não apenas do novo secretário-geral. Manuel Alegre confirmou que Pedro Nuno Santos "vai de certeza" ser um bom líder da oposição. Depois veio Ana Catarina Mendes dizer que o líder do partido "deve fazer uma oposição fortíssima". No intervalo passou José Luís Carneiro, antigo rival interno de Pedro Nuno à liderança do PS, de expressão fechada, que só quebrou o silêncio para dizer que vinha expressar "solidariedade". Já Fernando Medina garantiu que não lhe "passa pela cabeça" disputar o lugar de secretário-geral.

Por esta hora, à porta do Altis, até Carlos Marques - o militante que transportava o cartão de Mário Soares - já se tinha rendido a este cenário de derrota. "Fazemos uma boa oposição", dizia.

Resistência: sem mandar a toalha ao chão

Mas na sede de campanha nem todos tinham deitado a toalha ao chão. Num dos sofás do hotel, um grupo de socialistas comentava com intensidade o que via nos telefones. Eram 22:13. E foi por volta dessa hora, em que a diferença se encurtava, que se acreditou que "isto ainda pode virar".

No grupo estava João Martins, 18 anos, que naquele dia votou pela primeira vez. Foi pelo círculo de Portalegre. "A grande vitória da noite vai para o Chega, quem sai derrotado é a democracia", resumiu, gerando o aplauso dos mais velhos à volta. "São os círculos da emigração quem pode decidir o jogo." Entre quem fumava, o mesmo discurso: "Vamos estar nisto até dia 20", quando deverão estar fechadas todas as contagens.

João Martins votou pela primeira vez. E esperava um desfecho mais demorado (CNN Portugal)

No mesmo sentido seguiu António Costa. Tinha prometido que só viria ao Altis em caso de derrota. Mas veio sobretudo para lançar dúvidas sobre a existência dessa derrota. Porque, no local, já se falava do destaque que o Chega estava a ter em Lisboa ou em Setúbal, esvaziando lugares para a AD.

"Não será hoje", "não é hoje que vamos ter o resultado final", foi vincando Costa, antes da referência ao "sobressalto e dúvidas judiciais por esclarecer". Antes de subir ao 13.º piso para o abraço a Pedro Nuno, foi categórico: deixem-me subir, "deixem-me ver como é que se desempata isto". Menos de uma hora depois de ter chegado, Costa foi-se embora. Não ficou para ouvir, no discurso de Pedro Nuno, como afinal a coisa se tinha desempatado por si mesma sem uma maioria à esquerda.

Contudo, foi nas declarações de João Gomes Cravinho que o PS pode ter dado pistas sobre o que espera para os próximos tempos: novas eleições "daqui a seis meses, um ano, dois anos", ou seja, antes do tempo, onde "o PS será sempre sinal de esperança".

António Costa esteve menos de uma hora na sede de campanha do PS (Lusa)

Oposição: sem maioria à esquerda, um lugar de alívio

Expressão fechada no discurso deu lugar a sorriso e descontração no final do discurso (Lusa)

Será o PS a aproveitar os potenciais deslizes e cedências de Montenegro a cada orçamento para se reforçar e voltar ao poder? Pareceu ser essa a intenção. Às 00:23, a sala, já cheia, já com gente de pé - embora longe da multidão de 2022 - começou a gritar pelo partido.

Pedro Nuno veio de rosto fechado, sem sorrisos. Afinal, tinha perdido. "Seremos oposição, renovaremos o partido e procuraremos conquistar os portugueses descontentes com o PS", traçou. Na sala, todos aplaudiram. E quando apuparam, na hora das perguntas dos jornalistas, Pedro Nuno lembrou que ali só havia aplausos. O puxão de orelhas foi logo entendido.

Sala esteve cheia para o discurso de Pedro Nuno Santos, mas longe da multidão de 2022 (Lusa)

"Voltaremos a constituir uma maioria que nos permita governar Portugal." Pedro Nuno Santos clarificou que não quer deixar "a liderança da oposição para o Chega ou para André Ventura". Mas também que não se quer arrastar durante muito tempo nesse novo papel. Agora, apontou, é tempo de esperar, porque "uma solução de esquerda seria chumbada".

Quando a noite se aproximou do fim, a sala sentiu-o mais aliviado, mais solto das amarras que tinha nos discursos da campanha. A começar a vir ao de cima o animal político que muitos viram nele no passado. Pedro Nuno dividiu-se depois em agradecimentos. Dividiu-se em cumprimentos. No rosto acabou por nascer um sorriso. E seguiu para o 13.º piso.

"O nosso caminho começa agora." Na oposição, na esperança de que dê a volta.

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