O que é que a Holanda tem? Há cada vez mais estudantes portugueses a ir estudar para este país. "É a melhor experiência da minha vida"

26 mai, 08:00
Estudantes nos Países Baixos

O Brexit veio marcar uma mudança no destino dos estudantes portugueses do Reino Unido para os Países Baixos, onde o processo de seleção vai muito além da média do Ensino Secundário e onde, garantem, não é assim tão caro estudar

Aos 17 anos, quando terminou o Ensino Secundário, Matilde Cardoso Pacheco sentiu a angústia de muitos estudantes: “E agora?!”. Estava “confusa” sobre as decisões a tomar sobre o Ensino Superior.

“Numa pesquisa rápida com uma amiga minha descobrimos esta hipótese de estudar no estrangeiro. Já estávamos muito interessadas pelo que seria uma aventura de estudar fora, conhecer novas culturas, novas pessoas. Acho que acabou por ser uma decisão de ‘porque não?’”, começa por contar.

Depararam-se com o site da Information Planet, uma das agências que trabalha com a colocação de estudantes portugueses em universidades estrangeiras. Foi a própria agência que as aconselhou a tentarem os Países Baixos, para onde vão cada vez mais estudantes nacionais. Segundo as consultoras que ajudam a colocar estudantes portugueses no estrangeiro, desde o Brexit, os Países Baixos tornaram-se o principal destino dos universitários. 

A amiga acabou por ficar pelo caminho, mas Matilde rumou de São Miguel, nos Açores, para Nijmegen, uma cidade holandesa perto da fronteira com a Alemanha, onde estuda há dois anos Life Sciences (o equivalente a Ciências Biomédicas em Portugal). “Vim para um applied science. Em Portugal, é mais semelhante a um politécnico do que a uma universidade. O ensino é extremamente prático, as turmas são pequenas, há uma proximidade maior com os professores”, elogia.

Matilde Cardoso Pacheco estuda Life Sciences numa universidade em Nijmegen, nos Países Baixos. (Arquivo pessoal Matilde Cardoso Pacheco)

Aos 19 anos, Matilde não tem dúvidas sobre a decisão que tomou: “É a melhor experiência da minha vida”. “Conhecer pessoas de todo o mundo… Já fui à Bélgica, Alemanha, Dinamarca. É um país que permite muito. Dá muito a quem quer conhecer, a quem quer experimentar coisas novas”, continua.

Da ilha para o mundo

Vivendo numa ilha, a família já esperava que o Ensino Superior de Matilde fosse feito além-mar. Não foi, por isso, surpresa para ninguém que não quisesse ficar por São Miguel, nos Açores. “A minha mãe é de Gaia, já estava ciente que eu ia sair da ilha e precisava de um ar novo. Mas foi um choque ouvir Países Baixos e não ouvir Porto, Lisboa ou Coimbra”, admite a jovem.

Matilde viu na família um “suporte” e é dela que mais sente falta agora, dois anos volvidos depois da tomada de decisão. Da família e da comida de conforto a que estava habituada. “A nossa comida! Aqui a alimentação é mais prática. Pão com queijo. Não há comida de conforto”, lamenta.

Também ainda não se habituou à dependência dos holandeses em relação às bicicletas e prefere o bom e velho autocarro para se deslocar em Nijmegen, perto da fronteira com a Alemanha, onde reside.

“Já tinha ouvido falar que os Países Baixos tinham uma grande facilidade com o inglês. Vim com menos pressão em relação à língua. O holandês é muito difícil de aprender. Já aprendi um bocadinho, uma brincadeira ou outra, já sou capaz de usar algumas palavras no restaurante, nas compras. Mas faço a minha vida toda em Inglês. Quanto ao clima, já estava habituada às mudanças de clima nos Açores, portanto não é a minha maior preocupação”, brinca.

E qualquer dificuldade que possa sentir, é compensada pela “qualidade de vida”: “É muito fácil movermo-nos pelo país, os transportes são ótimos. As condições são boas”.

Trabalhar para pagar as contas

Como a esmagadora maioria dos estudantes universitários estrangeiros nos Países Baixos, Matilde trabalha em part-time. Tudo está vocacionado para ajudar os jovens a conciliar os estudos com o trabalho e muitos conseguem mesmo sustentar-se financeiramente enquanto estudam.

“Sempre consegui trabalhar em part-time. Já trabalhei num hotel, agora trabalho numa cozinha de um restaurante. Ganho cerca de 10 euros por hora. Aqui ganha-se consoante a idade. A partir dos 21 anos já vou ganhar mais um pouco. Na universidade, tenho oito horas por semana de aulas práticas. Tenho aulas teóricas. São cerca de 20 horas de aulas por semana. Depois estabelecem para autoestudo 20 horas, que gerimos como queremos. Organizo a minha vida em casa, o meu trabalho, sou eu que digo à minha manager no trabalho em que dias quero trabalhar e ela coloca-me na escala. Giro isso conforme as minhas aulas”, explica à CNN Portugal.

Matilde não tem dúvidas em classificar estes dois anos nos Países Baixos como "a melhor experiência" da sua vida. (Arquivo pessoal Matilde Cardoso Pacheco)

O que ganha dá para fazer o supermercado do mês, outras compras de que possa necessitar e lazer. “O que eu não pago do meu trabalho é a renda, que o meu pai ajuda”, revela.

Paga 450 euros por um quarto individual “com varanda”, num apartamento que partilha com mais 11 estudantes, a 10 minutos a pé da Universidade. Feitas as contas entre propinas, renda de casa e restantes despesas, está convencida que não lhe ficaria mais barato se tivesse optado por estudar em Portugal.

Começar cedo a tratar do processo

Maria Ricart está há um ano a estudar Ciências e Artes Liberais Roterdão, uma cidade portuária holandesa. Sempre soube que queria estudar no estrangeiro: “Também sou espanhola e a minha ideia era ir para Espanha. Mas apercebi-me que as universidades aqui estão melhor posicionadas no ranking e a qualidade de vida é melhor”.

Maria Ricart estuda Ciências e Artes Liberais em Roterdão. (Arquivo pessoal Maria Ricart)

Entrou em 2023 na universidade, mas começou a tratar de todo o processo com a OK Student, outra das agências que ajuda a colocar jovens portugueses em universidade estrangeiras, em novembro do ano anterior. Quase um ano antes. É o que aconselham, de facto os especialistas das agências de estudantes a fazer: começar a tratar de tudo o mais cedo possível.

“Em termos processuais um bom timing para dar início ao processo é entre o final do 10º ano e início do 11º. Existem diferentes prazos para as candidaturas. Existem universidades cujos prazos terminam em 15 de janeiro e outras em maio. Há ainda um conjunto de universidades cujo prazo termina em junho e julho. Temos muitos jovens à procura dos cursos cuja candidatura termina em janeiro, como Ciências, Física, Química, Engenharia Biomédica… tudo o que tenha a ver com as ciências tradicionais”, explica João Caelas, da Ok Student.

O conselho é corroborado por Miguel Covas, da Information Planet: “Um estudante de 12º ano que nos contacte em janeiro, provavelmente já perdeu metade das oportunidades”.

“Já temos jovens a procurar-nos para entrarem em 2025 e até para 2026”, acrescenta ainda João Cacelas.

“Faz-me falta o sol”

O Governo neerlandês tem várias ajudas para jovens estrangeiros que venham de qualquer país da União Europeia, que, garantem os especialistas, são tratados em pé de igualdade com os estudantes nacionais. Maria Ricart é uma das beneficiárias dessas ajudas.

“O Governo neerlandês proporciona uma ajuda no primeiro ano para o alojamento. Pago 500 euros por mês por um estúdio em Roterdão”, conta.

De propinas, paga 3500 euros por ano e quanto ao resto das despesas, esta alfacinha de gema não nota grandes diferenças em relação à cidade natal. “Os preços do supermercado são parecidos a Lisboa, sinceramente”, relata.

Maria Ricart, a primeira de cima a contar da direita, sente falta do Sol de Lisboa, mas já fez inúmeras amizades em roterdão. (Arquivo pessoal Maria Ricart)

As maiores dificuldades que sente, garante, são semelhantes às de qualquer estudante deslocado: “sair de casa e habituar-me a viver sozinha”. “Depois, faz-me falta o Sol. Sinto saudades da família, mas isso faz parte. Sinto mesmo falta é do Sol de Lisboa”, confessa.

Maria garante que não recuaria um só centímetro e que se sente muito mais rica com esta experiência a estudar nos Países Baixos: “Se tivesse ficado em Lisboa, não sabia tanto de outras culturas”.

Países Baixos, o efeito Brexit

Há mais de 20 anos, foi Miguel Covas, o CEO da Information Planet que decidiu ir para o estrangeiro “aprender inglês e fazer contactos”. O destino foi a Austrália, onde conheceu outros estudantes que tinham ido através de agências. E assim nasceu a empresa que agora ajuda jovens a encontrar o melhor destino para estudar fora.

Até há 15 anos, o destino era Austrália. Desde então, como o interesse pelo estudo no estrangeiro era grande, a área de negócio começou a expandir-se, com o Reino Unido no topo da lista de destinos mais procurados. “Até 2021, colocávamos cerca de mil estudantes por ano no Reino Unido. Depois do Brexit, os Países Baixos começaram a crescer”, explica Miguel Covas.

“Trabalhamos hoje os números dos Países Baixos como estávamos a trabalhar há quatro anos o Reino Unido. Se o Reino Unido continuasse na União Europeia não estávamos a ter esta conversa sobre a Holanda”, diz.

João Cacelas corrobora: “O Brexit marcou uma mudança. Os jovens estão a procurar, cada vez mais, os Países Baixos para dar seguimento aos seus estudos”.

“Antes do Brexit não trabalhávamos sequer com os Países Baixos. De 2020 a 2022, há um aumento de 100% para este destino”, acrescenta.

Mas o que é que a Holanda tem?

Além do Brexit, que tornou o ensino Superior no Reino Unido menos acessível para quem chega de fora, há outros motivos que levam os estudantes a procurar o Ensino Superior dos Países Baixos. A começar pelo processo de seleção. Se, em Portugal, em cursos como Engenharia Aeroespacial, só entram alunos com médias a rondar os 19 valores, nos Países Baixos, “a média é só um ponto de partida”.

“As universidades neerlandesas procuram outros requisitos além da média. Podem ter uma entrevista com os candidatos, exames específicos a determinada matéria, cartas de motivação, carta de recomendação. Um estudante com 16 valores de média é elegível para estas universidades em cursos que em Portugal só entrariam com médias acima de 19 e tem fortes probabilidades de entrar naquilo que quiser. Há mesmo cursos com médias a rondar os 10 valores, como Hospitality ou Computer Science”, explica Miguel Covas.

“As instituições concorrem entre si para captar os melhores estudantes. Um estudante que queira Engenharia Espacial, pode ter a difícil decisão de ter de optar entre a TU Delf e não tem de ter  uma média de 198”, acrescenta.

O responsável da Information Planet adiciona à lista de predicados dos Países Baixos o ensino prático e a reputação das universidades neerlandesas: “As universidades mais fracas na holanda posicionam-se na média das portuguesas”.

O preço e os apoios financeiros

Tanto Miguel Covas como João Cacelas são unânimes em afirmar que, feitas as contas, estudar nos Países Baixos não fica mais caro do que estudar em Portugal para um estudante deslocado. “A partir do momento em que falamos de escolas privadas em Portugal, o ensino cá sai sempre mais caro”, afirma mesmo o CEO da Information Planet.

“O apoio financeiro dado pelo Governo neerlandês a qualquer estudante da União Europeia é outro dos motivos. Atendendo ao agregado familiar, qualquer estudante se pode candidatar a um subsídio de 400 a 500 euros mês para alojamento e transporte”, diz Miguel Covas.

“Os Países Baixos também têm um programa de financiamento, se o estudante assim o entender, que cobre as propinas até 100%. Depois, o estudante terá de pagar dependendo do patamar salarial que o jovem venha a usufruir quando ingressar no mercado de trabalho. É uma forma que o Governo neerlandês tem de captar mão de obra qualificada. Mas devo confessar que esse programa de financiamento nem tem sido muito procurado pelos estudantes portugueses”, acrescenta João Cacelas.

Os serviços das agências de consultoria para estudantes rondam valores entre os 850 e 950 euros, mais taxas de inscrição nas Universidades que têm esta premissa. Incluem aconselhamento vocacional, todo o acompanhamento processual, desde a candidatura até à colocação do estudante, a procura de eventuais bolsas ou subsídios e, em alguns casos, o acompanhamento dos jovens nos primeiros meses de vida no país de destino.

“Um passo que tinha de dar”

Apanhámos Manuel António Rodrigues de férias na Madeira, para uma visita à família. Tem 20 anos e vive há um ano e 10 meses em Arnhem, uma cidade na zona oriental dos Países Baixos. Foi, em 2022, estudar Engenharia Automóvel.

“Eu sempre tive interesse em estudar fora de Portugal. Sempre foi uma coisa que quis fazer assim que acabasse o Secundário. Queria estudar engenharia automóvel e não encontrei nenhuma opção satisfatória em Portuga", conta, recordando: "A minha primeira opção foi Inglaterra, mas com o Brexit as condições financeiras eram mais complicadas". Escolheu, então, a HAN University of Applied Sciences, na Holanda. "A minha universidade é uma referência na área da engenharia automóvel. Os Países Baixos, quer a nível da engenharia automóvel, quer a nível da valorização pessoal e de recursos humanos é muito atrativo”, justifica.

Manuel António da Ponte Rodrigues estuda Engenharia Automóvel em Arnhem. (Arquivo pessoal Manuel António da Ponte Rodrigues)

Manuel admite que, apesar da vontade de estudar fora de Portugal, hesitou. “Não posso dizer que não pensei duas vezes. Considerei ir estudar para o Continente. Mas achei que era um passo que tinha de dar, até para conhecer novas culturas e pessoas novas”, explica.

Diz que lhe custa “estar longe da família, de tudo o que me é conhecido”, mas, menos de dois anos depois, não sente o menor arrependimento. “Não estou só a adaptar-me a viver sozinho e a viver longe. Estou a adaptar-me a uma cultura diferente. O processo de adaptação tem sido muito natural. Eu tinha de passar por isto”, resume.

“Aliás, acho que estou completamente adaptado. Estou tão habituado a viver lá como a viver aqui em Portugal”, sublinha.

“Nem sequer seria uma opção arrepender-me. Quando fui para lá, já tinha na cabeça ir para lá e era um passo muito grande para considerar arrepender-me”, acrescenta.

“Rendas mais baratas do que em Portugal”

No primeiro ano em que viveu em Arnhem, chegou a ter um trabalho em part-time durante seis meses. “Mas depois vim de férias para a Madeira e quando regressei ainda pensei arranjar novo emprego, mas achei por bem, com a carga horária que estava a ter, concentrar-me nos estudos”, recorda.

Mas tem vários colegas que trabalham inclusive já no setor automóvel e “começam a criar carreira quando ainda estão na universidade”. Por agora, são os pais que suportam integralmente as despesas: 210 euros por mês em propinas, 450 euros de renda e 800 euros de despesas gerais como água, eletricidade, alimentação e lazer. “De transportes quase não gasto nada. Tenho uma mota, uma acelera, gasta muito pouca gasolina e vou para todo o lado com ela”, conta.

“Se eu for a comparar a minha cidade [Arnhem] a Lisboa ou ao Porto, as rendas lá são mais baratas do que em Portugal.  Em termos de despesas gerais, supermercado, comer fora ou lanchar fora, gastaria menos se estivesse em Portugal, mas acho que acaba por ser mais ou menos a mesma coisa, se juntar as rendas”, contabiliza.

Cumprir o sonho da mãe

Manuel António Rodrigues diz que deseja voltar a Portugal no fim do curso: “Gostava de exercer cá a minha profissão, fazer aquilo de que gosto cá e estar perto da família, mas não vejo acontecer isso num futuro próximo”, admite, falando das diferenças salariais que estão em causa. 

“Não venho para Portugal ganhar 1500 euros por mês no primeiro ano de trabalho quando lá fora posso ganhar 4 mil ou 5 mil”, justifica. “Mesmo que não fique na Holanda, não penso voltar para Portugal num futuro próximo, infelizmente”.

Manuel Gostava de regressar a Portugal, mas vê nos salários baixos que cá se praticam um impedimento. (Arquivo pessoal Manuel António da Ponte Rodrigues)

Manuel encontra na família o incentivo para explorar o mundo. Tem mais dois irmãos e nenhum procurou estudar fora. Mas o sonho não era só dele. “Acho que até a minha mãe tinha o sonho de um filho estudar fora. Por isso, o processo de aceitação deles foi meio natural. Receberam a notícia com naturalidade”, resume.

E é também dela que sente falta. Da família e do que lhe está associado: “Sinto falta de chegar a casa e ter comida feita, roupa lavada, casa limpa e essas coisas que eu acho que qualquer estudante deslocado sente falta. Sobretudo quando estou em épocas de exames e mais ocupado com os estudos é mais uma coisa que me consome tempo”.

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