O peixe de aquacultura é mais saudável do que o selvagem? Escame aqui as suas dúvidas

10 set 2023, 22:00
Peixe (Pexels)

Gostamos dele de todas as formas e feitios. É na caldeirada, na cataplana, em filetes, cozido com um fiozinho de azeite, acompanhado de arroz malandrinho, na brasa, no sushi. Inventámos mais de mil receitas. Falamos de peixe. Mas será que vem todo do mar? Olhe que não. Mergulhe connosco neste artigo sem espinhas

Se é verdade que nem tudo o que vem à rede é peixe, não é menos verdade que nem todo o peixe que nos chega à mesa conhece a realidade da pesca. É que nos últimos anos tem aumentado a produção de pescado em viveiros, uma atividade conhecida como aquacultura.

O que provavelmente não sabia é que há quem, junto dos nutricionistas, admita que só come pescado com esta origem. Mas há benefícios nesta decisão? Foi isso que fomos tentar descobrir com quem domina estes temas.

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Menos pressão nos ecossistemas, mais segurança alimentar?

Os nutricionistas ouvidos pela CNN Portugal concordam numa coisa: a produção em aquacultura ajuda a aumentar a disponibilidade de peixe e marisco, permitindo uma menor sobrecarga sobre os ecossistemas, com uma maior margem para a renovação dos cardumes selvagens.

Mas, quando o assunto é segurança alimentar, a aquacultura gera posições diferentes.

“Os peixes provenientes da aquacultura, contribuem cada vez mais para uma elevada segurança e qualidade alimentar. Os peixes selvagens, principalmente os predadores do topo da cadeia alimentar, capturados pelo método tradicional, alimentam-se de outros organismos, encontrados nos seus ambientes naturais, estando expostos a contaminantes prejudiciais como o metilmercúrio e a compostos do tipo das dioxinas. Já em regime de aquacultura, existe um maior controlo e rastreabilidade sobre a produção e sobre o produto final, permitindo assim uma elevada qualidade do mesmo”, descreve Bárbara Plácido, nutricionista da Clínica Dra. Andreia Lourador, no Porto.

Posição oposta traz o nutricionista João Rodrigues, autor da página Mundo da Nutrição, ao dizer que “o risco de ocorrência de contaminação com outros poluentes orgânicos (PCBs, dioxinas e pesticidas clorados, por exemplo) parece ser superior nos peixes de aquacultura, bem como o risco de contaminação com antibióticos e outros fármacos”.

Ainda assim, com a ressalva de que “esta situação depende das condições de produção do pescado, pelo que é injusto generalizar este tipo de ideia”.

Se para si, o argumento da carteira é essencial, talvez acabe a pender para o lado da aquacultura: este modo de produção, dizem os nutricionistas, tem um custo mais baixo, tornando-se mais acessível para os consumidores.

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Origens diferentes, valores nutricionais diferentes?

Diziam os antigos que o peixe não puxa carroça. Mas terá o peixe de aquacultura uma força diferente do peixe selvagem no que respeita ao valor nutricional? Uma vez mais, os nutricionistas não são unânimes.

Bárbara Plácido diz que o valor nutricional é “semelhante”. A nutricionista explica que os peixes provenientes da aquacultura são “alimentados por rações com um teor adequado de proteínas, lípidos, fibras e hidratos de carbono”, tornando-os “mais ricos em ácidos gordos ómega 3”, benéficos para a saúde.

Já João Rodrigues adverte que os peixes de aquacultura “têm tendência a apresentar uma maior percentagem de gordura, em particular gordura saturada, mas também um rácio mais elevado de gordura ómega 6, com potenciais consequências negativas para os consumidores”.

Logo, tudo ficará a depender do modo de produção e daquilo que é dado aos peixes para fazê-los crescer nos viveiros. Muitas têm sido as críticas das associações ambientalistas, além das questões relativas ao bem-estar animal, sobre estas rações.

Vários relatos na imprensa dão conta de que para criar um quilo de peixe podem ser necessários três quilos de ração, que inclui farinhas e óleos de peixe – o que levanta questões sobre a sustentabilidade deste modelo de produção.

E depois há o sabor: “além das diferenças nutricionais, tendencialmente o peixe de aquacultura é mais mole e menos saboroso”, classifica João Rodrigues.

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Os benefícios do peixe

Se vinha à procura de respostas definitivas, este artigo vai ajudá-lo a perceber um outro ditado popular: não dês o peixe, ensina a pescar. E, na hora de servir o resultado da pescaria, quais as espécies mais interessantes para ter na mesa?

Para os nutricionistas, a sardinha e a cavala são boas opções, porque têm maior teor de ácidos gordos ómega 3 e tendencialmente menor quantidade de mercúrio. Abrótea, bacalhau, carapau, choco, corvina, dourada, faneca, lula, pescada, polvo, raia, redfish e robalo são outras espécies com menores exposições a este contaminante devido ao seu tamanho mais pequeno.

E quais são os que deve evitar? Os que estão no topo das cadeias alimentares, por terem maior potencial de estarem contaminados com metais pesados, tais como o espadarte, o atum, o cação, a maruca, a pata roxa, os peixes-espada, a tintureira ou o tubarão. Já diz o ditado que, pela boca, morre o peixe.

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Comemos demasiado peixe… e quanto pesa a aquacultura?

Em Portugal comemos peixe. Muito peixe. Demasiado peixe. Mais peixe do que aquele que conseguimos pescar. Somos os campeões da Europa nesse campeonato: por ano, por cabeça, são cerca de 60 quilos. Três vezes mais do que a média europeia.

E há bons motivos para isso. “É um alimento com alto teor de proteína, fornecendo vitaminas (A, D e do complexo B) e minerais (como Selénio, zinco, ferro e iodo). Adicionalmente, fornece ácidos gordos ómega 3, que desempenham uma função muito importante na manutenção da saúde cardiovascular e circulatória e no desenvolvimento neurológico quer na fase pré e pós-natal”, resume Paula Beirão Valente, nutricionista da Clínica Espregueira no Porto.

Em Portugal, segundo dados do REA, a produção de peixe em aquacultura aproxima-se das 17 mil toneladas, gerando receitas na ordem dos 100 milhões de euros. A perspetiva é a de chegar às 25 mil toneladas por ano até 2030.

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Sentimento de segurança

E já há quem faça depender o seu consumo de peixe em exclusivo da aquacultura. Bárbara Plácido conta que são “principalmente pacientes gestantes ou que estejam a tentar engravidar”, de forma a evitar a possível ingestão de metilmercúrio.

E dá um exemplo: “ao comparar o salmão capturado no mar Báltico com o de aquacultura, verifica-se que este se encontra menos contaminado, pois neste regime de produção existe um controlo nas rações, o que permite uma verificação da quantidade destes compostos no alimento. Por esta razão, muitas pacientes optam apenas por pescado de aquacultura, não só em relação ao salmão, por se sentirem mais seguras”.

Mas ao consultório de João Rodrigues chega também quem só se sinta seguro com o oposto, com peixe selvagem. É caso para dizer que cada um puxa a brasa à sua sardinha.

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