Corrupção na Madeira: ex-presidente da Câmara trata empresários por "chefe" e "querido" e usa motorista para depositar 67 mil euros

30 jan, 20:00

Nas 80 páginas onde o Ministério Público descreve parte do circuito percorrido por mais de 220 mil euros até às contas de Pedro Calado, há detalhes sobre o papel do seu motorista e a relação que o agora ex-autarca tinha com Avelino Farinha.

Pedro Calado, primeiro como vice-presidente do governo da Madeira e depois já enquanto presidente da Câmara Municipal do Funchal, sempre tratou Avelino Farinha, patrão do grupo AFA, por “chefe”. E quanto a Custódio Correia, outro empresário que segundo o Ministério Público também corrompia Pedro Calado, tratavam-se entre eles por “meu querido” ou por “companheiro”, conforme decorre das escutas telefónicas do processo.

Os subornos seriam pagos em dinheiro vivo, dezenas de milhares de euros que circulavam em envelopes, e que eram depositados nas contas de Pedro Calado pelo seu braço-direito, o motorista Rui Pinto, apurou a CNN Portugal. Só entre 2018 e 2021, mais de 67 mil euros entraram naquelas contas.

Este último, segundo o processo a que tivemos acesso, era o principal testa-de-ferro de Pedro Calado. Foi nomeado motorista do governante em 2017 e transitou com ele para a autarquia. Calado justifica agora os depósitos em numerário – mais de 200 mil euros nos últimos 10 anos – com os rendimentos da mulher, médica, mas na maior parte das vezes o depositante das notas, ao balcão, era o motorista e homem de confiança Rui Pinto, que se identificava no banco como “amigo” ou “conhecido”.

Avelino Farinha e Custódio Correia, empresários que estão detidos por corrupção a par de Pedro Calado, são suspeitos de terem dado várias contrapartidas financeiras ao governante em troca dos milhões de euros que ganharam com ajustes diretos e concursos públicos na Madeira ao longo dos últimos anos.

Entre as suspeitas do Ministério Público está um alegado conluio entre o Governo Regional (PSD/CDS-PP), liderado por Miguel Albuquerque, Pedro Calado e elementos do grupo hoteleiro Pestana, nomeadamente da sociedade Pestana CR7, encontrando-se supostamente envolvidos “num esquema de favorecimento dos interesses e negócios imobiliários daquele grupo no âmbito da construção do projeto imobiliário Praia Formosa”.

É citado ainda um alegado favorecimento na escolha da sociedade vencedora dos concursos públicos para a organização de um festival de jazz no Funchal em 2022 e 2023, com o MP a assinalar que a entidade vencedora foi constituída quatro dias antes da apresentação da proposta, “não possuindo (...) qualquer experiência na organização de eventos”.

De acordo com o Ministério Público, existe um “relacionamento privilegiado, caracterizado por uma grande proximidade e informalidade” entre Miguel Albuquerque, Pedro Calado e Avelino Farinha. Acrescenta o MP que, no âmbito desta relação, Pedro Calado “atuou, e ainda atua, como denominador comum aos outros suspeitos”, agindo como “intermediário, de modo a acautelar os interesses do grupo AFA junto do Governo Regional e do município do Funchal”.

O Ministério Público indica inclusivamente que terão existido “interferências” de Miguel Albuquerque em matérias da esfera municipal, bem como tomadas de posição de Pedro Calado em questões de natureza regional, nomeadamente em temas que envolvem os interesses de um conjunto de empresários da Madeira.

O caso surgiu na sequência de denúncias anónimas, tendo a investigação apurado “novas suspeitas de potencial favorecimento na contratação pública regional”, envolvendo o presidente do Governo Regional, o autarca do Funchal e o líder do grupo empresarial AFA.

A operação levou à detenção do presidente da Câmara Municipal do Funchal, do líder do grupo AFA e do diretor executivo do grupo Socicorreia, Custódio Correia, que é também sócio de Avelino Farinha em várias empresas, segundo fonte de investigação. Os três detidos deverão ser presentes a juiz para primeiro interrogatório judicial na sexta-feira, em Lisboa.

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