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Lei do Restauro da Natureza "pode não vir a ser totalmente eficaz, mas é melhor tê-la": as dúvidas e as expectativas sobre a lei que protege os habitats europeus

29 jun, 18:00
Floresta em Figueiró dos Vinhos, Pedrógão (Lusa/ Paulo Novais)

Ambientalistas aplaudem a lei que agora vai dar origem a um Plano Nacional de Restauro da Natureza, agricultores têm dúvidas e pedem para serem ouvidos, a ministra do Ambiente está confiante numa lei que considera "fundamental". E sublinha que esta vai ter um papel importante para "prevenir e reduzir o risco e a severidade dos incêndios florestais"

A Lei do Restauro da Natureza, aprovada no passado dia 17 pelo Conselho do Ambiente da União Europeia (UE), é considerada "essencial" pelos ambientalistas, ainda que haja dúvidas sobre a sua efetiva concretização em muitos dos países. 

"Claro que vemos com grande dificuldade a implementação desta lei, mas ela permite ter uma base legal à escala europeia e à escala nacional para um conjunto de ações, financiamentos e legislação", diz à CNN Portugal Francisco Ferreira da associação ambientalista Zero. "Pode-se ver o copo meio cheio ou meio vazio. Ou seja, a lei pode não vir a ser totalmente eficaz, mas é melhor tê-la do que não a ter. Antes não tínhamos nada. Sem a lei não tenho objetivos ou tenho objetivos que não são vinculativos. Quando ganha força de lei na UE é mais eficaz do que sendo apenas uma recomendação da ONU, porque agora temos uma base legal de ação", explica. "Esta era verdadeiramente a última oportunidade, se se continuasse a discutir a lei mais tarde seria muito complicado, até pelas alterações políticas que se anteveem na Europa."

A lei foi apresentada há dois anos, passando por um tumultuoso período de negociações, com manifestações pró e contra e alterações ao texto inicial, até ser finalmente aprovada com os votos favoráveis de 20 países, representando 66,07% da população.

A lei define metas vinculativas para recuperação de habitats degradados em todos os estados-membros da União Europeia (UE), principalmente daquelas com maior potencial para reterem carbono e assim contribuírem para a mitigação das alterações climáticas, e para reduzirem o impacto de desastres naturais como incêndios e cheias. 

"A ideia é que cada um dos países seja obrigado a ter um plano nacional de restauro e, portanto, tenha de preservar pelo menos 30% dos habitats terrestres, costeiros, marinhos, etc., restaurando aqueles que estão em estado desfavorável até 2030. E depois o objetivo sobe para 60% (até 2040) e 90% (até 2050)", explica Francisco Ferreira.

"Em Portugal estamos atrasadíssimos", afirma, referindo-se aos planos de gestão das chamadas zonas Natura (Zona Especial de Conservação - ZEC e Zona de Proteção Especial - ZPE) e ao funcionamento das áreas protegidas. "Temos várias promessas que ainda nem sequer foram consubstanciadas. Por um lado, resolvemos antecipar a meta dos 30% de áreas marinhas para 2026, mas, por outro, dizemos que já atingimos os mais de 30% de áreas terrestres porque incluímos os geoparques e as reservas da biosfera - ou seja, fomos buscar áreas que não estão, no nosso entender, incluídas naquilo que a ONU pede. Portanto, há vários aspetos que não têm sido claros. Também por isso precisamos de uma boa lei nacional de restauro", diz.

Para que serve a Lei do Restauro da Natureza?

"A Lei de Restauro da Natureza (LRN) é uma peça importante do Pacto Ecológico Europeu e a sua aprovação é fundamental para alcançar os objetivos em termos de clima, biodiversidade, proteção dos ecossistemas, segurança alimentar e proteção dos solos, essenciais para garantir a saúde do nosso território e o bem-estar das gerações futuras", explica a CNN Portugal a ministra do Ambiente e da Energia, Maria de Graça Carvalho, sublinhando que esta lei tem "também uma importância adicional para Portugal pela possibilidade de prevenir e reduzir o risco e a severidade dos incêndios florestais, através de práticas sustentáveis de gestão florestal, que são um dos desígnios da recuperação de habitats que a lei estabelece".

Atualmente, 81% dos habitats europeus estão em mau estado. "Não é o restauro que é exclusivamente importante", sublinha à CNN Portugal Francisco Ferreira. "O fundamental é impedir o avanço de políticas destruidoras da diversidade. O restauro é necessário porque neste momento já temos muitas destas áreas sensíveis que estão degradadas, mas que ainda há possibilidade de revitalizar." Portanto, "há áreas que estão em bom estado, que estão salvaguardadas pela legislação e que é preciso preservar. Há ecossistemas que estão com problemas - e é para eles a Lei do Restauro é essencial, porque não posso continuar a degredá-los, tenho de tentar reverter a situação. E por fim há áreas que já estão demasiado degradadas e já não há nada a fazer."

The #NatureRestoration Law has been adopted! 🎉

This is a great, crucial step forward #ForOurPlanet, citizens, industry and for the future generations.

Now we can step up our action on the ground to stop and reverse biodiversity loss, and to #RestoreNature pic.twitter.com/BwjcltqZ9t

— EU Environment (@EU_ENV) June 17, 2024

"Cada vez mais estamos a chegar à conclusão de que os ecossistemas proporcionam um conjunto de serviços brutal e de forma gratuita. Estas áreas têm um papel fundamental na retirada de carbono da atmosfera, em mitigar desastres naturais como incêndios ou cheias, garantindo a preservação dos solos e o armazenamento da água e contribuindo para a diminuição de outros riscos (desertificação, deslizamento de terras, destruição da paisagem, etc.)", explica Francisco Ferreira.

"Os benefícios são muitos, desde a conectividade entre os rios, a biodiversidade dos sistemas agrícolas, a biodiversidade, o aumento de espaços verdes nas áreas urbanas, o estímulo aos polinizadores, a própria caça, a agricultura e várias atividades empresariais sairão beneficiadas", garante o ambientalista. 

Por isso, esta lei é aplaudida pelas organizações ecologistas de todos os países. “Depois de anos de intensa campanha e de muitos altos e baixos, estamos radiantes com o facto de esta lei ser agora uma realidade - este dia ficará na história como um ponto de viragem para a natureza e a sociedade”, congratularam-se 30 organizações portuguesas de defesa do ambiente. "Este resultado representa uma enorme vitória para a natureza, a ação climática, os cidadãos e o futuro da Europa", salientou a WWF em comunicado, enquanto a Greenpeace considerou o acordo "traz um raio de esperança para a natureza da Europa, para as gerações futuras e para os meios de subsistência das comunidades rurais".

As dúvidas dos agricultores

Um dos setores que mais manifestou as suas dúvidas em relação a esta lei foi o agrícola, temendo ver reduzidas as áreas de exploração e limitada a sua atuação. Manifestações em toda a Europa levaram a que a aprovação da lei se prolongasse por vários meses, mas os protestos acabaram por ser ouvidos em Bruxelas. "A versão da Lei do Restauro Natureza recentemente aprovada é bastante mais realista e ajustável às diferentes realidades de cada estado-membro, nomeadamente no que diz respeito ao restauro dos ecossistemas agrícolas e florestais”, considera a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) que, em resposta à CNN Portugal, diz ainda que considera “muito positiva” a evolução verificada. 

"No entanto, importa referir que existe ainda uma grande indefinição relativamente às medidas concretas a serem implementadas, desde o diagnóstico da situação inicial, a definição das metas a atingir a nível nacional e as intervenções consideradas necessárias para as atingir", sublinha a CAP.

Também o Movimento Cívico dos Agricultores afirma que a lei é "dúbia e confusa". Para além da "carga burocrática com que os agricultores europeu já são atormentados", a UE "vem, através deste regulamento, impor ainda mais obrigações", lamenta esta organização, que recorda ainda que é preciso garantir a segurança alimentar: "Se entendemos por segurança alimentar das populações o acesso a uma alimentação digna e suficiente para o desempenho das suas atividades, não conseguimos compreender como a redução da área cultivada e consequente produção agrícola poderão 'reforçar a segurança alimentar'", afirma esta associação numa resposta enviada à CNN Portugal.

Já as dúvidas da CAP parecem dirigir-se mais à forma como a lei vai ser implementada. "Em Portugal, o Plano Nacional de Restauro da Natureza é da responsabilidade do ICNF, uma situação com a qual a CAP manifesta total preocupação, atendendo à forma desajustada como este organismo atuou no âmbito da Rede Natura 2000", afirma a Confederação. Até ao momento, a CAP também "desconhece como serão financiadas as intenções práticas desta lei e defende intransigentemente que nem um cêntimo da Política Agrícola Comum (PAC) deve ser aplicado neste programa, que deve ser totalmente financiado com outros recursos que não os destinados à agricultura".

A Confederação de Agricultores de Portugal refere ainda a sua preocupação de que "esta lei cause graves desigualdades entre países". Por exemplo, "se Portugal aplicar a lei de forma mais restritiva do que Espanha, os agricultores portugueses ficam em clara desvantagem perante os espanhóis, com graves e diretas perdas para a competitividade da nossa agricultura e para a sustentabilidade da economia nacional", alerta.

Por isso, a CAP pede que "o sector agroflorestal seja efetivamente ouvido no que diz respeito à escolha dos indicadores, metas a atingir e medidas a implementar. Só assim conseguiremos um Plano ajustado à realidade agrícola e florestal portuguesa, compreendido e aceite pelos agricultores e produtores florestais nacionais".

Como vai ser elaborado o Plano Nacional de Restauro da Natureza?

A ministra do Ambiente garante que a elaboração do Plano Nacional de Restauro "avançará em breve". Segundo a ministra, o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta (ICNF) terá um trabalho de liderança neste processo, trabalhando juntamente com a Agência Portuguesa do Ambiente, responsáveis pelas cidades, comunidades locais, sociedade civil, academia e organizações não governamentais (ONG’s) para desenhar as estratégias do que é preciso fazer para recuperar os ecossistemas que estão mais degradados, sejam rios, florestas ou solos.

"É fundamental envolver os diferentes setores nesta missão", garante. "Governo, Administração Pública, Academia, ONG’s, setor privado e a sociedade civil, incluindo os agricultores e pescadores, por forma a acautelar as preocupações setoriais, sociais e territoriais. Será um trabalho conjunto e o Governo conta com todos", diz Maria da Graça Carvalho, que está otimista em relação aos prazos estabelecidos.

"A Lei foi melhorada e reveste-se de alguma flexibilidade, que permite ter em conta, no Plano Nacional de Restauro, as particularidades de cada região, tais como as necessidades socioeconómicas e características locais, e a situação específica das regiões ultraperiférica", sublinha a governante.

E respondendo especificamente às preocupações manifestadas pelos agricultores: "É importante também sublinhar que em relação ao restauro de terrenos agrícolas, existe a possibilidade de um travão de emergência sempre que estejam em causa a segurança alimentar ou a produção agrícola", garante a ministra, que tinha já explicado anteriormente que esta é uma lei de proteção, de recuperação de solos e não uma lei contra a utilização de solos.

Maria da Graça Carvalho sublinha ainda que o trabalho em algumas áreas já está em curso: "Quanto às áreas contempladas na LRN, um dos restauros estabelecidos por esta lei é o da conectividade natural dos rios, que é algo que estamos já a fazer em Portugal. Através da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), estão a ser feitas intervenções em 300 quilómetros. Cinco dessas intervenções já estão em curso, nos rios Leça, Fresno, Freixiel, Vizela e Pelhe. Estamos a falar de projetos no valor de 9 milhões de euros, financiados pelo PT2030 e todo esse trabalho está a ser desenvolvido em articulação entre a APA e os municípios, porque é preciso promover o envolvimento das comunidades locais nas práticas de restauro ambiental".

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