A unha, o elefante e o ADN da AD: a noite de todos os medos que deu a vitória a Luís Montenegro

11 mar, 09:30

À tangente, a Aliança Democrática cantou vitória na noite em que Montenegro comprometeu-se a não fazer o volte-face. O País virou à direita, mas o "não é não" com o Chega é para manter, mesmo que isso complique as contas para a maioria. Entre aplausos e cânticos há quem critique Montenegro: “Temos de deixar de permitir que o PS e a esquerda decidam com quem se pode ou não falar”

Primeiro veio o susto com os milhares de votos inesperados no ADN. Depois, começou o roer de unhas ao ver o Chega a crescer exponencialmente e a conquistar o distrito de Faro e, mesmo quando Luís Montenegro cantou vitória, dentro do quartel-general da Aliança Democrática continuou-se com o coração nas mãos. “Houve uma clara vontade de mudança, mas isto ainda não está para grandes festas”, diz à CNN Portugal um deputado social-democrata eleito na última noite, apontando para o cordão sanitário que a AD vincou com o Chega. “Vai ser uma arquitetura muito delicada”, sublinha.

Na noite da vitória da Aliança Democrática, a primeira dos sociais-democratas desde 2015, a festa foi pontuada pela ansiedade daquilo que virá a seguir. O país virou à direita, mas Luís Montenegro já fez saber que a política do "não é não" relativamente ao Chega é para manter, o que dificulta as contas para a aritmética governativa. “A minha expectativa é que PS e Chega não constituam uma aliança negativa para impedir o Governo que os portugueses quiseram", declarou o líder da AD no final da noite.

Antes disso, na sede da campanha social-democrata, num hotel no Marquês de Pombal, em Lisboa, os primeiros indícios apontavam para uma noite só de sorrisos. As sondagens à boca das urnas previam que Luís Montenegro se mantivesse constantemente à frente de Pedro Nuno Santos e festejou-se efusivamente quando João Torres, da direção nacional do PS, assumiu pela primeira vez a derrota. 

Montenegro chega ao quartel-general da campanha da AD, no Marquês de Pombal

António Russo, 19 anos, membro da juventude social-democrata, foi um dos que mais alto gritava por vitória quando esses primeiros resultados foram conhecidos. “O PS sofreu um rombo”, sublinhava o jovem que passou as últimas duas semanas na estrada com a caravana de Montenegro. Aos outros militantes que o rodeavam, contava a história do encontro que, pela primeira vez, o fez acreditar na vitória da AD. 

“Eu entrei para a caravana um pouco desanimado e pessimista, achei genuinamente que não tínhamos hipótese de ganhar, mas em Chaves conheci uma senhora já nos seus 70 anos que, por causa dos impostos elevadíssimos e do aumento da renda do espaço, estava a pensar fechar a loja familiar que tinha há anos.” “Depois de muitos anos sem votar no PSD”, conta o jovem, “essa senhora viu esperança no Luís Montenegro como alguém que seria capaz de ajudar a continuar com o seu negócio de portas abertas”. “A partir daí fiquei mais confiante”, acrescenta.

Dois metros à frente, colado a três ecrãs estava Frederico Pimentel, ex-membro do Conselho Nacional do CDS. Mas, ao contrário de António, o advogado de 39 anos, mostrava algum desânimo. “Acho que não era aquilo que o Luís Montenegro pretendia conseguir, porque não dá para fazer muito sem que haja uma maioria de direita com o Chega”, aponta o centrista, apelando que se façam pontes com o partido de André Ventura. “Não podemos só governar com quem nos apetece e temos de deixar de permitir que o PS e a esquerda decidam com quem se pode ou não falar." "Se eles dialogam com o PCP, qual é o mal de negociar com o Chega?”

Com o evoluir da noite, os ânimos começaram a esfriar. O PS consolidava-se no Alentejo e em Coimbra e, com a vitória no distrito de Setúbal que colocou Pedro Nuno Santos brevemente em igualdade percentual com Montenegro, na sede da campanha da AD olhava-se com frustração para o crescimento do ADN que, de uma eleição para a outra, multiplicou por 10 o número de votos conquistados. “Isto foi horrível, horrível mesmo, quase todos esses votos eram votos para AD”, refere um dirigente social-democrata, acrescentando que com os mais de 90 mil votos que o partido de Bruno Fialho tinha acumulado até então, “a noite eleitoral já ficava resolvida”. 

Durante a campanha, especialmente na reta final, Luís Montenegro aproveitou sempre alguns segundos introdutórios dos discursos que ia fazendo para lançar o pré-aviso de que o seu partido não é o ADN. “Não queremos que ninguém que queira votar no ADN vote na AD, tal como não queremos o contrário”, anunciou uma mão cheia de vezes em comícios ou no final de arruadas. “Aparentemente, foi isso mesmo que aconteceu”, aponta o mesmo dirigente do PSD. “Devíamos ter sido mais incisivos.” “Isto do ADN é muito preocupante, é pior do que eu esperava”, comenta um outro militante do PSD.

Montenegro festeja vitória já de madrugada / LUSA

Com ou sem a boleia do nome parecido no boletim eleitoral, a verdade é que o ADN conseguiu 340 mil euros de subvenção pública com o resultado obtido nesta noite eleitoral - mesmo não tendo eleito qualquer deputado. 

À medida que as horas iam passando, e já com António Costa a prever que a eleição não ficasse resolvida durante a noite, foram surgindo algumas surpresas para os sociais-democratas que já tilintavam de nervos ao ver Montenegro e Pedro Nuno cada vez mais próximos em termos de número de deputados eleitos.“Vai ser por uma unha”, referia um recém-eleito deputado pelo círculo de Lisboa, sublinhando que "não estava à espera" que a luta com Pedro Nuno Santos fosse tão renhida até ao fim".

A primeira e mais óbvia surpresa foi a vitória do Chega em Faro, quebrando um ciclo de 33 anos em que o mapa eleitoral por distritos não tinha mais do que as cores do PSD e da do PS. Ventura teve mais 12 mil votos do que a AD, que apostou no paraquedista Miguel Pinto Luz como cabeça de lista - um dos homens mais próximos de Montenegro, mas que não era natural do Algarve. Antes, a AD tinha também sofrido uma derrota no distrito de Portalegre, onde voltou a não conseguir eleger nenhum deputado, tendo sido ultrapassada por menos de mil votos pelo partido de André Ventura. “Faro e Portalegre foram aqueles resultados que não estávamos a contar, são regiões que vêm de décadas de abandono e que não se reviram na nossa candidatura, vamos ter de trabalhar muito para reverter isso”, destaca o mesmo deputado.

Já com os nervos em alta, a candidatura da Aliança Democrática foi alvo de mais um ataque por ativistas climáticos. Depois de Montenegro ter sido atingido com tinta verde e de, no último dia de campanha, a sede do PSD ter acordado vandalizada, desta vez o foco foi o quartel-general. O cenário foi este: as portas-giratórias do hotel ficaram banhadas de tinta vermelha, enquanto um cheiro a fumo se alastrava pelo interior do edifício. 

Imagem da fachada do hotel momentos após o protesto reivindicado pela Climáximo/ DR

À medida que dezenas de jotas iam correndo porta-fora para discutir com os quatro ativistas que estavam a ser detidos, iniciou-se uma competição por volume. Por um lado, os membros da Climáximo apelavam à “resistência” e gritavam: “Estamos do lado certo da história”. Por outro, a comitiva social-democrática festejava a detenção. “Prisão, prisão”, bradavam.

A madrugada, que se antecipava longa, acabou por chegar com boas notícias e uma vitória importante no Porto, distrito que não era conquistado pelos sociais-democratas desde os tempos de Passos Coelho e onde Montenegro teve uma das suas primeiras demonstrações de força durante o início campanha - aconteceu na Maia, num almoço-comício de última hora que juntou mais de 600 apoiantes. 

“Agora, ninguém pára Montenegro”, ouve-se gritar no momento em que ficou solidificada a vitória da AD no distrito, onde foi cabeça de lista, como independente, o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. Pouco tempo depois, já se cantava oficialmente vitória - primeiro foi Nuno Melo, que deu voz às principais preocupações dos militantes numa altura em que todos sabiam já que só com uma aliança do Chega seria possível a AD formar uma maioria clara no Parlamento. É “muito importante assegurar condições de governabilidade”, salientou, pedindo que “todos os partidos estejam à altura das suas responsabilidades”. 

Seguiu-se Luís Montenegro que não hesitou em fazer a festa. Durante a campanha, tinha prometido que formaria Governo caso vencesse em número de deputados nestas eleições e essa realidade veio a concretizar-se. “É minha expectativa fundada que o senhor Presidente da República me possa indigitar para formar Governo", disse perante aplausos pontuados por protestos de cada vez que o nome Chega era referido ao líder do PSD, durante as questões dos jornalistas. 

Sobre o partido de André Ventura, Montenegro deixou claro: a política do "não é não" é para manter. “Nunca faria tamanha maldade de não assumir compromissos que assumi de forma clara." Ainda assim, a expectativa anunciada é que “PS e Chega não constituam uma aliança negativa para impedir o Governo que os portugueses quiseram".
 

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