As quatro formas como a Rússia está a tentar provar que pode viver com sanções

CNN , De Clare Sebastian
24 abr 2022, 17:37
4 ways Russia is trying to prove it can live with sanctions

Empresas como a Lada ou o Vkontakte, bem como os bancos privados russos parecem ser peças-chaves para salvar a economia de Moscovo

Nas últimas semanas, o Presidente russo, Vladimir Putin, dedicou um tempo de antena considerável para assegurar ao público russo que as sanções prejudicam mais o Ocidente do que a Rússia.

Putin está a preparar o seu país para o longo prazo. "O Ocidente coletivo não planeia recuar na sua política de pressão económica sobre a Rússia", afirmou recentemente aos executivos da aviação. Todos os sectores da economia russa precisam de "elaborar um plano a longo prazo baseado em oportunidades internas".

A política de autossuficiência de Putin era previsível. Desde que a Rússia anexou a Crimeia da Ucrânia, em 2014, o país tem-se preparado para o aumento das sanções ocidentais com uma estratégia apelidada de "Fortaleza Rússia".

No entanto, a dimensão da contraofensiva económica travada pelo Ocidente desde a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, juntamente com a maré crescente de empresas que cortam negócios com a Rússia para se protegerem do risco reputacional ou de futuras sanções, foi um choque.

"Ninguém que previsse o tipo de sanções que o Ocidente poderia impor, conseguiria prever isto", admitiu, em março, o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergey Lavrov, referindo-se ao congelamento de metade dos 600 mil milhões de dólares em reservas russas.

A Rússia diz que vai impugnar em tribunal as sanções às suas reservas externas e também ameaçou processar se se considerar que entrou em incumprimento da dívida devido ao congelamento de ativos. Entretanto, eis algumas das formas como as empresas, as indústrias e os funcionários se esforçam para viver com o novo normal da Rússia.

1. Reformulando o Lada

A emblemática marca de carros domésticos, da era soviética, da Rússia depende muito de peças importadas. A Avtovaz, que produz o Lada, é propriedade da construtora francesa Renault e, segundo Evgeny Eskov, editor-chefe da revista russa Auto Business Review, as empresas partilham um único sistema de aquisição de peças.

A 24 de março, em resposta à notícia de que a Renault ia sair do mercado russo, a Avtovaz revelou que tinha de redesenhar rapidamente vários modelos para que ficassem menos dependentes de componentes importados.

A empresa não elaborou quais os modelos que seriam afetados, mas disse que iriam ficar gradualmente disponíveis nos próximos meses. Eskov disse que os modelos redesenhados serão versões mais simples dos carros atuais, sem funcionalidades extra como o ABS. "Apenas carros do passado, em versão mais simples", escreveu num e-mail para a CNN Business.

Automóveis Lada num parque de estacionamento de um concessionário da Lada em Tolyatti, também conhecido como Togliatti, a 1 de abril.

2. Atraindo os Instagrammers para o Vkontakte

O Instagram foi - até recentemente - a principal rede social na Rússia com base em utilizadores mensais, segundo a empresa de análise de redes sociais Brand Analytics. Vkontakte, a versão doméstica do Facebook na Rússia, foi a segunda.

Desde a invasão, e especialmente desde que o regulador de comunicações da Rússia cortou o acesso ao Facebook e ao Instagram, no mês passado, a Vkontakte tem vindo a fazer tudo o que pode para atrair criadores de conteúdos para a sua plataforma.

A empresa está a renunciar à sua comissão sobre quaisquer conteúdos rentabilizados até ao final de abril e oferece promoção gratuita na plataforma para qualquer criador de conteúdos que tenha mudado de outra plataforma ou reativado a sua página desde 1 de março. Também publicou um guia passo a passo para o lançamento de um negócio no Vkontakte.

Os dados do Vkontakte mostram que isto pode estar a resultar. Os utilizadores mensais atingiram um recorde de mais de 100 milhões em março. De acordo com a Brand Analytics, o Instagram perdeu quase metade dos seus utilizadores ativos em língua russa entre 24 de fevereiro e 6 de abril.

Claro, que esta não é a história toda. Muitos Instagrammers russos ainda estão ativos na plataforma, porque podem contornar a proibição utilizando uma VPN. Olga Levakova, que gere um negócio de venda de tecido artesanal de gama alta, ao estilo da Rússia czarista, disse que após o "choque" inicial e o "pânico" quando o Instagram foi banido, continuou a utilizar a plataforma através de uma VPN para chegar aos clientes, maioritariamente estrangeiros.

Levakova considerou fechar depois de ter sido inundada com comentários e mensagens antiguerra, nas primeiras semanas após a invasão. Desde então, abrandaram, mas ela removeu uma linha na descrição da sua página que mencionava a Rússia czarista. Agora diz simplesmente "tecelagem histórica".

"Não aguentei a enchente de agressões", admite Levakova. As encomendas continuam a chegar, mas ela diz que é muito cedo para dizer se o seu negócio vai ser afetado.

3. Cartões de crédito domésticos

A Rússia tem-se vindo a preparar para o isolamento financeiro desde que alguns dos seus maiores bancos foram alvo de sanções após a anexação da Crimeia. De certa forma, valeu a pena. O sistema de pagamentos nacionais com cartão da Rússia e o sistema de cartões bancários que nele se baseia, conhecido como “Mir”, cresceu exponencialmente.

De acordo com o banco central russo, foram emitidos mais de 113 milhões de cartões Mir em 2021, um aumento do total de 1,76 milhões do final de 2016. No ano passado, cerca de um quarto de todos os pagamentos com cartão na Rússia foram feitos em cartões Mir.

Este crescimento, dizem os especialistas, foi parcialmente concebido pela Rússia. "Eles não o tornaram muito apelativo para o cidadão comum russo antes da invasão", diz Maria Shagina, uma colega de visita do Instituto Finlandês de Assuntos Internacionais. Em vez disso, o governo ordenou que os funcionários do setor público, os reformados e quem recebesse benefícios tivesse de usar um cartão Mir.

Isto significa que quando a Visa e a Mastercard anunciaram, no início de março, que estavam a suspender as transações e operações na Rússia, já havia uma alternativa em vigor. Mas, o Mir não é um substituto direto. Só funciona na Rússia e num punhado de outros países, sobretudo antigos Estados soviéticos.

Essa falta de alcance global também abalou a tentativa da Rússia de construir uma alternativa o SWIFT, o sistema internacional de pagamentos. A sua própria versão, conhecida como SPFS, teve 400 participantes no ano passado, contra 11 mil no SWIFT.

"O efeito da rede não está lá porque os participantes estrangeiros não estão interessados em aderir", disse Shagina. "Se não confia na Rússia noutros aspetos, por que confiaria neste sistema?"

Uma filial do Sberbank da Rússia PJSC em Moscovo, na Rússia, na segunda-feira, 28 de fevereiro.

4. Empregos na função pública

O desemprego em massa, segundo Elina Ribakova, economista-chefe adjunta do Instituto de Finanças Internacionais de Washington, ainda não surgiu na Rússia, mas é uma das coisas que o Kremlin mais teme devido ao seu potencial para alimentar dissidências.

"Quanto mais reprimem as manifestações, mais percebo que estão preocupados com o desemprego", disse.

Mais de 15 mil pessoas foram detidas na Rússia nas primeiras semanas do conflito por participarem em protestos antiguerra, e o Kremlin silenciou efetivamente os meios de comunicação independentes, criminalizando o que considera ser "informação falsa" sobre a sua suposta "operação militar especial".

A cidade de Moscovo está a tentar antecipar-se ao potencial problema do desemprego com um programa de reconversão e contratação de pessoas que trabalhavam em empresas ocidentais, muitas das quais suspenderam ou cancelaram operações comerciais na Rússia. O presidente da Câmara de Moscovo, Sergey Sobyanin, acredita que estão em risco até 200 mil postos de trabalho.

A solução, de acordo com uma publicação recente no seu blogue, é dar aos trabalhadores exonerados algo "útil" para fazer. As opções que ele descreve incluem empregos que gerem documentos oficiais como passaportes e certidões de nascimento, trabalho num dos parques da cidade ou em centros de saúde temporários que a cidade começou recentemente a criar. Estão a ser reservados 41 milhões de dólares para a criação destes postos de trabalho e reconversão dos trabalhadores.

Para os russos que fizeram carreira na McKinsey ou Goldman Sachs antes da guerra, esta seria uma mudança abrupta. Mas Ribakova disse que provavelmente não chegará a isso. Ela acredita que a maioria dos executivos de empresas estrangeiras irá deixar o país, se ainda não o fizeram.

O que se segue?

Até agora, a Rússia conseguiu resistir à força inicial das sanções ocidentais sem o colapso do seu sistema financeiro. Isso deve-se, em grande parte, ao banco central, que elevou imediatamente as taxas de juro para 20% — desde então baixou-as para 17% — e impôs controlos rigorosos de capital.

Mas isso não significa que o pior já passou para a Rússia. A economia pode retrair 8,5% este ano, segundo o FMI. O colapso poderá ser ainda maior se a Europa proibir as importações de petróleo russo. E a inflação está nos 17,5%, algo que até Putin admite estar a prejudicar os cidadãos russos.

Outro risco fundamental, dizem os peritos, é a dependência da Rússia em produtos importados - muitos dos quais estão agora sujeitos a sanções. Estas podem ser mais difíceis de contrariar para o Kremlin do que as medidas destinadas à macroeconomia.

"Há um sentimento, sobretudo no Governo, de que vai haver um monstro ao virar da esquina", afirma Ribakova. "Eles só não sabem quando, exatamente, é que o monstro os vai devorar."

Relacionados

Europa

Mais Europa

Mais Lidas

Patrocinados