Xi Jinping critica sanções económicas e diz que "estamos todos no mesmo barco"

21 abr 2022, 07:59
Presidente chinês, Xi Jinping. Foto: Kevin Frayer/Getty Images

Líder chinês voltou a mostrar preocupação com a evolução da economia mundial e com o risco de a China sofrer sanções por causa da Rússia. Num discurso sem falar da Ucrânia, quase só falou das consequências dessa guerra. Avisou que não é possível dissociar as grandes economias e propôs um novo quadro de segurança global à medida das reivindicações de Moscovo

Xi Jinping lançou esta quinta-feira mais um forte ataque às sanções económicas, num discurso feito à medida daquilo que se está a passar no Leste da Europa, embora nunca tenha referido explicitamente o ataque da Rússia à Ucrânia nem a reação dos Estados Unidos, da União Europeia e de outros aliados das democracias ocidentais.

Falando perante o Fórum Boao, uma espécie de versão chinesa do Fórum de Davos, Xi considerou que, num mundo globalizado, é inviável pensar se podem dissociar grandes economias ou grandes blocos económicos. "No mundo atual, qualquer unilateralismo e egoísmo extremo são fundamentalmente impraticáveis. Qualquer dissociação, corte de fornecimentos e pressão extrema são fundamentalmente impraticáveis", afirmou o líder chinês. 

"A sociedade internacional transformou-se numa máquina complexa, delicada e orgânica, e o funcionamento de toda a máquina enfrentará sérias dificuldades se um componente for desmontado. Aqueles que forem removidos, bem como aquele que desmantela, serão danificados”, defendeu, com recurso a uma curiosa analogia.

Os avisos de Xi Jinping encaixam como uma luva na crítica recorrente (e mais uma vez reafirmada) das sanções económicas que o bloco ocidental tem decretado contra a Rússia em retaliação pela invasão da Ucrânia, destruição de cidades e massacre de civis. Os EUA, a UE e demais aliados estão a tentar fazer isso mesmo com a Rússia: cortar fluxos comerciais e dissociar as economias, desde logo trabalhando para acabar com a dependência de alguns países em relação a matérias-primas russas, com destaque para o petróleo e o gás.

Mas as palavras de Xi são também um recado sobre a eventual decisão de sancionar a China, caso auxilie a Rússia no esforço de guerra, seja com material militar, seja ajudando Moscovo a contornar as sanções ocidentais.

A China continua a não condenar a invasão da Ucrânia, e tem reafirmado uma parceira “sem limites” com a Rússia, que continua a ser o “principal parceiro estratégico” de Pequim. As relações comerciais com a Rússia continuam a decorrer com normalidade (apesar da quebra de trocas comerciais provocada pela guerra), e a China não só não acompanha como critica ferozmente as sanções comerciais e financeiras impostas por europeus e americanos.

Falando por videoconferência para as centenas de delegados do Fórum Boao, Xi apelou a uma maior coordenação macroeconómica entre as principais economias para evitar efeitos "graves e negativos" das decisões políticas e para ajudar a estabilizar a cadeia de abastecimento global - uma das maiores preocupações da China, enquanto segunda maior economia, e fortemente dependente de cadeias logísticas globais tanto para a importação de matérias-primas, componentes e energia, como para a exportação de produtos que são vendidos para o mundo todo.

“Estamos todos no mesmo barco e qualquer tentativa de atirar alguém à água é inaceitável”, disse Xi, recorrendo a outra metáfora. E recorrendo, também, a um adjetivo que o presidente chinês nunca usa quando fala da “situação” da Ucrânia (a que Pequim não chama guerra nem invasão) - a palavra inaceitável tem sido guardada para classificar as sanções, mas não o ato que as motivou.

Nova “arquitetura de segurança global”

Para Xi Jinping, "os factos provaram mais uma vez que uma mentalidade de guerra fria, hegemonia e política de poder só destruirão a paz global". Daí que tenha defendido a necessidade de um novo quadro de segurança global. "A China gostaria de apresentar uma iniciativa de segurança global" de acordo com "o princípio da indivisibilidade da segurança", disse Xi. 

A China quer “construir uma arquitetura de segurança equilibrada, eficaz e sustentável”, opondo-se “à construção da segurança nacional com base na insegurança de outros países". Palavras que, em linguagem diplomática, acabam por significar mais uma colagem chinesa à Rússia. 

Putin alega que o Ocidente, a NATO e a Ucrânia têm violado esse princípio de "segurança indivisível", segundo o qual nenhum país pode reforçar a sua própria segurança à custa da segurança dos outros. Na versão do Kremlin, a invasão da Ucrânia foi apenas a forma de responder à suposta ameaça que o alargamento da NATO a Leste significaria para a Rússia. 

A China tem validado esse princípio, ao mesmo tempo que o tenta equilibrar com o princípio da intangibilidade das fronteiras, segundo o qual as fronteiras internacionalmente reconhecidas não podem ser alteradas unilateralmente. Mas, entre este princípio, que é reclamado pela Ucrânia, e o princípio da “segurança indivisível”, que é invocado pela Rússia, é este último que Xi Jinping propõe como base da sua “nova arquitetura de segurança” global.

A alavanca pós-covid

Xi Jinping apresentou ainda a China como a alavanca da recuperação económica global pós-covid. Neste ponto, o seu discurso não mencionou um pormenor: a China está ainda bem imersa na realidade covid, e a o seu desempenho económico está a ser afetado pela política de covid-zero que Pequim insiste em manter em prática, como se viu nas últimas semanas en Xangai.

Ainda ontem, o FMI reviu em baixa, pela segunda vez este ano, as perspetivas de crescimento para a economia chinesa este ano, apontando para apenas 4,4%, bem longe dos 5,5% prometidos pelas autoridades de Pequim.

Com a perturbação interna da covid, mas também de um mercado imobiliário muito instável, e com as nuvens da guerra na Ucrânia e o fantasma de uma guerra comercial ou de um progressivo distanciamento económico dos EUA e da UE em relação ao mercado chinês, Xi Jinping aposta forte no papel regional da China enquanto motor económico. 

Apelou a “um mercado mais aberto e maior na Ásia", e elogiou “a resiliência, sabedoria e poder asiáticos”. “A China tem bons fundamentos económicos, muito espaço de manobra, forte resiliência e grande potencial de desenvolvimento", garantiu Xi, sem referir que 2022 deverá ser o ano com pior crescimento económico em mais de três décadas para o seu país.

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