Putin mostra o seu "Satan II" para ocultar as falhas russas na guerra da Ucrânia (análise)

CNN , Análise de Brad Lendon
23 abr 2022, 19:00

Vladimir Putin fez o seu melhor para aplicar um tom ameaçador ao teste por parte da Rússia de um novo míssil balístico intercontinental (MBIC) na passada quarta-feira.

O presidente russo disse que o lançamento bem-sucedido do MBIC “Sarmat” - apelidado de “Satan II” no Ocidente e capaz de disparar várias ogivas nucleares tão longe quanto os EUA continentais - “vai fazer pensar duas vezes aqueles que estão a tentar ameaçar a Rússia”.

Mas os especialistas ocidentais descreveram o teste como “o brandir de um sabre nuclear”, dizendo que a ameaça aos EUA ou aos seus aliados era “extremamente baixa” e sugerindo que a verdadeira motivação de Putin era distrair o público interno dos recentes fracassos militares da Rússia, como o afundamento do seu principal navio no Mar Negro, o Moskva.

O Ministério da Defesa russo disse na quarta-feira que tinha feito um lançamento de teste do Sarmat, a partir de um silo de lançamento no Cosmódromo Estatal de Testes de Plesetsk, na região de Arkhangelsk, no norte da Rússia, em direção ao local de testes de Kura, na Península de Kamchatka, no extremo leste da Rússia.

Este disparo foi o mais longo até ao momento, de um míssil que foi testado pela primeira vez em dezembro de 2017 e que foi prontamente elogiado por Putin num comunicado publicado pela agência estatal TASS.

Nesta foto divulgada pelo Serviço de Imprensa da Agência Espacial Roscosmos na quarta-feira, 20 de abril de 2022, o míssil balístico intercontinental Sarmat é lançado de Plesetsk, no noroeste da Rússia.

Não é a primeira vez que Putin se gaba da potência do míssil. Ele referiu-se ao Sarmat num discurso em 2018 como fazendo parte de um conjunto de novas armas que, segundo o próprio, tornariam as defesas da NATO “completamente inúteis”.

Mas as autoridades dos EUA desvalorizaram as afirmações de Putin em 2018 e revelaram uma opinião semelhante após o último teste. Observaram que Moscovo tinha informado Washington antes do teste de quarta-feira, conforme previsto nos acordos internacionais, e referiram que os EUA tinham monitorizado o lançamento.

“Este tipo de testes são rotineiros, e não foi uma surpresa. Não foi considerada uma ameaça aos EUA ou aos seus aliados”, disse o porta-voz do Pentágono, John Kirby.

Putin quis “brandir o seu sabre nuclear”, disse o ex-diretor de operações da CIA na Rússia, Steve Hall, a Kate Bolduan da CNN, e a probabilidade de qualquer ataque aos EUA é extremamente baixa.

“Satan” recebe uma plástica

Este lançamento, mais do que uma ameaça imediata ao Ocidente, deve ser encarado como um passo adicional no programa de MBIC da Rússia, referiram os analistas.

O Sarmat, quando estiver operacional, será o substituto direto dos Voevoda, os MBIC da era soviética, conhecidos pela designação da NATO de SS-18 Satan, segundo os mesmos analistas.

Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação de Cientistas Americanos, disse que o desenvolvimento do Sarmat de combustível líquido foi como fazer “uma plástica” ao míssil Satan original.

Este tinha “capacidades semelhantes aos SS-18 já existentes”, mas haverá também “provavelmente algumas melhorias debaixo do capô”, afirmou Kristensen.

Tal como o SS-18, o Sarmat terá capacidade para transportar possivelmente mais de 10 ogivas nucleares de rota independente com um alcance de até 18 000 quilómetros, de acordo com o Projeto de Defesa Antimíssil do CSIS, o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. Isto é suficiente para atingir os EUA continentais.

Também poderá transportar um veículo hipersónico para disparar estas ogivas, segundo uma ficha do CSIS.

Kristensen disse que ao longo do último ano a Rússia tem vindo a atualizar os silos para poderem comportar o Sarmat.

Também referiu que o programa Sarmat tem sofrido vários atrasos. O CSIS disse que a sua implantação estava agendada para o ano passado.

Quando estiver operacional, o Sarmat - como todos os mísseis baseados em silos - irá provavelmente ser mantido num estado de alerta mais alto do que os MBIC colocados em plataformas de lançamento móveis, disse Kristensen. Isto acontece porque os silos são imóveis e por isso estão mais vulneráveis a um ataque inimigo.

Uma distração do afundamento do Moskva

O lançamento também deve ser visto à luz dos recentes fracassos militares da Rússia e provavelmente foi usado por Putin como uma distração para o seu público interno, disseram os analistas.

Do ponto de vista russo, a guerra na Ucrânia não tem corrido bem. Um conflito que originalmente Moscovo contava que terminasse em poucos dias já vai no seu segundo mês, com os esforços russos a serem bloqueados por uma resistência ucraniana determinada e altamente qualificada e por problemas mais mundanos, como a falta de camiões, uma logística precária e uma dependência de recrutas mal treinados.

E na semana passada, a Rússia perdeu um dos seus recursos militares mais visíveis quando o cruzador de mísseis guiados Moskva se afundou no Mar Negro. A perda do navio foi uma vergonha para Moscovo, que admitiu que o navio tinha sofrido um incêndio catastrófico, mas não confirmou as alegações ucranianas de que tinha sido atingido por mísseis antinavio.

Os fracassos desta magnitude deixaram Putin com uma extrema necessidade de obter algumas notícias militares positivas para alimentar o público russo, e o lançamento nesta quarta-feira serviu esse propósito.

Ao mesmo tempo, os especialistas dizem que a obsessão da Rússia pela exibição de armas, como o Satan II, esconde problemas mais profundos e básicos no cerne das suas forças armadas.

“Muitas vezes, as forças militares de ditadores glamourosos são boas a ostentar armas, compram as aeronaves e os tanques sofisticados, mas não compram as armas menos glamourosas”, disse Phillips O'Brien, professor de estudos estratégicos na Universidade de St. Andrews, na Escócia, numa entrevista à CNN no início deste mês.

Após o lançamento desta quarta-feira, reiterou a sua posição no Twitter, dizendo que “muito disto faz lembrar as 'armas fantásticas’ de Hitler na II Guerra Mundial”.

As armas fantásticas eram “propaganda alemã para fazer parecer que a Alemanha tinha hipótese de ganhar a guerra numa altura em que as coisas estavam a correr muito mal. Estas armas muitas vezes existiam mesmo... mas o seu impacto foi usado para distrair o povo alemão.”

O'Brien disse que Putin usou “uma retórica muito hitleriana quando se vangloriou de que o Sarmat era o melhor sistema do mundo”.

“[Ele] está a tentar deixar os russos confiantes e orgulhosos das suas proezas tecnológicas, quando na verdade a guerra está a revelar as deficiências constantes ao nível da capacidade das forças armadas russas em gerir sistemas complexos”, disse O'Brien.

Nada de revolucionário

Mas, no que diz respeito à situação no terreno na Ucrânia, os analistas disseram que o teste do MBIC não terá efeitos práticos.

É uma arma estratégica, desenhada essencialmente para atingir os EUA, tal como a SS-18, a sua antecessora na Guerra Fria.

E mesmo assim, as palavras ameaçadoras de Putin devem ser vistas à luz de um contexto mais amplo.

Tal como a Rússia, os EUA têm os seus próprios MBIC - assim como submarinos com mísseis balísticos e bombardeiros estratégicos com capacidade nuclear - que seriam um poderoso meio de dissuasão para a utilização do “Satan II” por parte de Putin.

Kirby, o porta-voz do Pentágono, disse anteriormente à “Fox News Sunday” que Washington está confiante nas suas capacidades em matéria de mísseis balísticos.

No entanto, ao contrário da Rússia, os EUA têm feito esforços para evitar tensões inflamadas com os seus próprios programas de mísseis. No início deste mês, a Força Aérea dos EUA cancelou um teste agendado do seu MBIC Minuteman III precisamente por esta razão.

“Creio que foi uma decisão prudente na altura de recuar e não realizar o lançamento, perante a nossa posição no espaço e no tempo nos primeiros tempos desta invasão, foi a medida certa a tomar”, disse Kirby.

Barbara Starr, Nathan Hodge e Uliana Pavlova da CNN contribuíram para esta reportagem.

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