É possível aumentar salários dos jovens? Sim, mas não bastam "pensos rápidos", são precisas reformas estruturais. "Para esta geração já não há nada a fazer"

15 set 2023, 22:00
Escritório (Pexels)

Fizemos a pergunta a vários especialistas e a resposta de todos eles foi bastante parecida: medidas como o IRS Jovem ou os apoios à contratação de jovens têm um impacto reduzido e não chegam para impedir a emigração de quem consegue salários três vezes mais altos noutros países

O aumento dos salários no ano passado não chegou para fazer face à subida da inflação e, em termos reais, os rendimentos dos trabalhadores portugueses diminuíram. A quebra foi em média de 4%, mas no caso dos jovens qualificados essa redução foi ainda mais acentuada, na ordem dos 6%, concluiu o estudo "Estado da Nação sobre Educação, Emprego e Competências em Portugal" da Fundação José Neves, publicado em junho. 

O documento salienta que a diferença salarial entre os jovens com ensino superior e os jovens que completaram apenas o secundário atingiu mínimos históricos no ano passado. Em 2011, um jovem qualificado ganhava mais 50% do que um jovem que tinha feito apenas o secundário, mas atualmente essa diferença situa-se em apenas 27%. Os jovens com ensino superior que entraram no mercado de trabalho em 2020 ganhavam menos do que aqueles que entraram, nas mesmas condições, em 2006, mostrou também um outro estudo do Banco de Portugal.

Os baixos salários dos jovens têm implicações em toda a economia. Os jovens vivem em casa dos pais até mais tarde ou têm dois empregos para conseguir fazer face às despesas. E, quando percebem que a sua situação dificilmente vai melhorar, emigram. De acordo com um estudo recente, os jovens com formação superior que deixam o país para trabalhar chegam a ganhar três vezes mais no estrangeiro. Esta é uma das razões para a percentagem de emigrantes mais qualificados continuar a subir ano após ano. 

O que é possível fazer para aumentar os salários dos jovens e impedir que emigrem?

"As medidas, como as que foram anunciadas recentemente, direcionadas para os jovens, como o IRS Jovem ou os apoios à habitação, são medidas que procuram agir por um lado no salário líquido e, por outro, na diminuição dos custos de vida e podem ter algum impacto no rendimento disponível das pessoas, mas não muito. Além disso, são medidas pontuais, de curto prazo, e por isso são sempre limitadas. Isto não chega, não é isso que impede os jovens de emigrar", afirma o economista João Cerejeira.

Essa é também a opinião do economista Pedro Braz Teixeira. "Medidas como o IRS Jovem são uma política de fachada, que quer transmitir a ideia de que se está a fazer qualquer coisa mas o resultado prático não é visível", diz. "O problema é que os salários brutos são muitos baixos e depois não há perspetivas de futuro. Se se começar com salário baixo mas se tiver perspetiva de daqui a 5 ou 10 anos estar melhor, isso é um estímulo aos jovens." Mas o que acontece com estas medidas é exatamente o oposto: são medidas temporárias, que duram apenas alguns anos, e, portanto, quando terminarem o mais provável é que os jovens vejam as suas condições financeiras regredirem porque os salários efetivamente não aumentaram: "Não é aliciante, não é isto que evita a emigração."

"Em política económica há dois tipos de medidas: de curto prazo e de longo prazo. As de curto prazo são essencialmente aquelas que são desenhadas para resolver questões temporárias, que têm a ver com a conjuntura (por exemplo, a resposta a uma crise de inflação ou a política de estabilização necessária para definir a ajuda de emergência por causa da guerra). As de longo prazo são medidas que visam afetar a maneira como a economia portuguesa funciona, a sua estrutura - estas são aquelas que nos faltam", explica o economista Pedro Brinca.

"A única maneira de resolver o problema da próxima geração é implementar agora reformas estruturais para dinamizar a economia e criar riqueza que possa sustentar salários elevados no futuro. Mas para esta geração já não há nada a fazer", conclui o economista. Restam as políticas de "curto prazo" que são como "pensos rápidos", diz Pedro Brinca.

Pedro Braz Teixeira concorda: "Não há soluções de curto prazo. É impossível imaginar que vamos conseguir aumentar os salários 10% ou 20% num curto prazo, é um trabalho de formiguinha que temos de fazer. Temos de mudar a política económica e investir com qualidade, isso é um trabalho de décadas."

Os incentivos fiscais são ou não úteis?

"O grande problema dos jovens quando começam a trabalhar não é o IRS é o próprio salário", declara Luís Leon, jurista que trabalha na área do direito fiscal. As medidas que incidem sobre o IRS "só afetam quem tem rendimento acima da média". "Muitos jovens ganham o salário mínimo nacional e nem chegam a pagar imposto. Além disso os ganhos [com estas medidas] são miseráveis, não é isso que impede a emigração. O problema dos jovens é arranjar um trabalho com salários condignos correspondentes ao seu esforço. O problema é termos uma economia estagnada, que não consegue valorizar os seus licenciados."

Luís Leon não tem problemas em afirmar que o único motivo por que estas medidas que incidem sobre o IRS são tão faladas é porque são "um chamariz político, são medidas que dão votos" porque a maioria das pessoas só pensa no curto prazo.

E se pensarmos em incentivos aos empregadores o problema mantém-se. "Incentivar significa mais dinheiro dos contribuintes (ou mais despesas ou menos receita)", diz.

Essa é também a perspetiva do economista Pedro Brinca. "Podemos criar benefícios temporários, para ajudar as pessoas. Portugal perdeu muita competitividade fiscal nos últimos 20 anos, principalmente na taxação sobre os salários", diz. No entanto, considera que "não é sério falar em cortes dos impostos sem dizer como é que se pagam esses cortes". "A única maneira de financiar esses cortes nos impostos é comprometendo o equilíbrio orçamental", aponta, sublinhando que neste momento Portugal já tem uma despesa enorme com os juros das dívida. É claro que as pessoas queriam pagar menos impostos, mas esse dinheiro é necessário ao Estado e a maioria das pessoas não pensa nas consequências que uma medida drástica desse género acarreta. "O que é que vamos sacrificar? O SNS? Os apoios sociais?" A única solução, diz, passa por "uma reforma do Estado - o Estado tem de fazer o mesmo com menos recursos". Mas isso não vai acontecer proximamente.

"O que interessa para os trabalhadores é o salário líquido", sublinha Pedro Braz Teixeira. Se esse rendimento é obtido através de um incentivo fiscal ao empregador para aumentar o salário bruto ou através da diminuição dos impostos sobre o rendimento, é indiferente. Mas, seja como for, o economista considera que este tipo de medidas não são a solução. "É como dar aspirina para o cancro, não mexe no essencial", compara. "O abismo entre os salários em Portugal e noutros países é tão grande que os ganhos com estas medidas não são suficientes para evitar a emigração. Há apoios para os jovens que são importantes, mas, não tenhamos ilusões, se não resolvermos as questões de fundo não vamos resolver o problema", defende Pedro Braz Teixeira.

Criar riqueza e modernizar a economia: o grande desafio

"A economia portuguesa está estagnada há 20 anos, devia estar a convergir com a União Europeia e não está, ao contrário do que está a acontecer com os países de leste (como a Roménia) e com a Turquia. Se a economia não cresce, os salários não podem crescer. Os salários representam 45% do PIB", observa Pedro Braz Teixeira.

Como lembra o economista Pedro Brinca, Portugal em 2000 tinha um nível de rendimento que era cerca de 85% do rendimento médio comunitário - hoje é de 77%. "Ou seja, Portugal afastou-se da média europeia. No entanto, há uma aspiração em termos de estilo de vida, uma convergência social que só é possível se for alicerçada na capacidade de criar riqueza. Temos de criar mais riqueza, para a poder distribuir", explica. 

A criação de riqueza é essencial para garantir empregos e melhores salários para os jovens, afirma também Rafael Rocha, diretor-geral da CIP - Confederação Empresarial de Portugal numa resposta escrita enviada à CNN Portugal. "A criação de riqueza é condição sine qua non. Ou seja, a necessidade de o país crescer mais, criar mais riqueza, ser mais competitivo. Bases estruturais que traduzir-se-ão em mais (e melhor) emprego disponível no mercado de trabalho", defende. Mas essa criação de riqueza só será possível "com um conjunto de políticas públicas incentivadoras, dinamizadoras e promotoras do emprego jovem". Essas medidas "devem atuar pelo lado da fiscalidade (o IRS Jovem é um bom exemplo ainda que com caminho para trilhar), pelo lado da economia (fomentando um ecossistema favorável à atividade empresarial) ou pelo lado social (mitigando a título de exemplo a questão da habitação)."

Os salários são baixos por causa do problema da produtividade, aponta Pedro Braz Teixeira. Segundo os dados mais recentes do Eurostat, Portugal era o 10.º pior da UE neste item, agora "passámos para 5.º pior e estamos em vias de ser o 3.º pior da UE", alerta. "Segundo o Eurostat, a produtividade em Portugal caiu de 78,4% da média da UE em 2015 para 74,8% em 2022, em clara divergência com os nossos parceiros", afirma o economista. "Fomos ultrapassados pela Letónia, Croácia, Roménia, Estónia, Lituânia e Polónia, conseguimos um desempenho um pouco melhor do que o da Eslováquia, mas que ficou muito próximo de nos ultrapassar, tal como a Hungria. Se continuarmos nesta trajetória poderemos passar a ser o 3.º país menos produtivo da UE, só acima da Grécia e da Bulgária."

"É preciso pensar mais a longo prazo na modernização da economia portuguesa e aumentar a produtividade", defende João Cerejeira. Isso significa exatamente o quê?

Por exemplo, diminuir os custos de contexto, dizem João Cerejeira e Pedro Braz Teixeira. Estes são os custos das empresas pelo facto de estar em Portugal, como por exemplo termos uma rede ferroviária que não funciona, a excessiva burocracia, uma administração pública pouco eficiente, os impostos elevados ou, quando existe, a instabilidade legislativa.

Depois, colmatar a falta oportunidades, ou seja, implementar "políticas de inovação, de investigação no Ensino Superior, incentivando a participação das empresas". "Temos de criar um ambiente mais dinâmico no mercado de trabalho, proporcionando o surgimento de novas empresas. Temos um conjunto de setores que estão protegidos, fechados, onde não surgiram nos último anos nenhumas empresas, como por exemplo as telecomunicações. E temos outros setores que até cresceram mas que não são apoiados, como por exemplo o alojamento local, que enfrenta agora políticas públicas que conduzem a um retrocesso." Quando há áreas novas, como no setor da tecnologia, inovação ou do turismo, é normal que os jovens se interessem e queiram criar empresas. 

Além disso, dizem os especialistas, a esmagadora maioria das empresas são "mini-nano-empresas" que não faturam 100 mil euros por ano. Como sublinha Pedro Braz Teixeira, 45% do emprego é gerado por microempresas (com menos de dez trabalhadores) que, sendo empresas pequenas, têm salários mais baixos e menos especialização produtiva. 

"Em Portugal, o investimento - seja público ou privado - está muito dependente dos fundos europeus e dos seus financiamentos públicos, o que prejudica medidas de mais longo prazo", diz o economista João Cerejeira. 

"Estamos a investir de forma insuficiente", corrobora Pedro Braz Teixeira. "Por exemplo, neste momento o investimento público está abaixo do que era no período da troika - com efeitos visíveis nos serviços públicos."

Finalmente ter atenção a isto: no 1.º semestre de 2023, o investimento direto estrangeiro caiu 57% para 2002 milhões de euros. Portugal não está a ser capaz de aproveitar o movimento de reindustrialização europeu, muito reforçado com a pandemia e os receios de dependência da China, afirma a nota de conjuntura publicada no início de setembro pelo Fórum para a Competitividade.

"Precisamos de investimento estrangeiro", afirma João Cerejeira. Quando se instalam em Portugal filiais de empresas estrangeiras, trazem consigo não só salários mais elevados como também toda uma cultura empresarial diferente, que se vai tornar apetecível para os jovens e vai também estimular a concorrência. Pedro Braz Teixeira concorda: "Temos de tornar o investimento direto atraente para trazer para Portugal empresas com melhores formas gestão, com mais exigências, com outra cultura. Isso pode ser um grande substituto da emigração."

O próximo passo: melhorar as condições de trabalho

Mais de 70% dos empregos perdidos em 2020 eram ocupados por jovens com menos de 30 anos, muitos deles precários, apesar das qualificações de ensino superior. De acordo com os dados do Livro Branco – Mais e Melhores Empregos Para os Jovens, publicado em dezembro do ano passado, "Portugal tem evidenciado níveis de desemprego jovem superiores à média da União Europeia".

"O desemprego jovem tem obrigatoriamente de preocupar-nos, deve forçosamente levar-nos a refletir e impõe necessariamente ações muito concretas, pois é inaceitável ouvirmos, periodicamente, que Portugal hoje não é um país para os jovens. O nosso país tem a responsabilidade enquanto nação de, e depois de formar a 'geração mais qualificada de sempre', reter esse talento imenso oferecendo aos jovens portugueses todas as condições para a construção de um projeto de vida entre portas", diz Rafael Rocha, director-geral da CIP - Confederação Empresarial de Portugal.

Já existem no PRR - Plano de Recuperação e Resiliência medidas de incentivo à contratação de jovens, lembra o economista João Cerejeira. "São interessantes porque permitem melhorar as condições contratuais, por exemplo no que toca aos contratos sem termo. Mas aí o Estado também tem que dar o exemplo: na saúde, na educação, noutras áreas públicas", diz. 

Em 2021, Pedro Brinca foi um dos autores do estudo "Do made in ao created in", da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que olhou para a economia portuguesa de forma holística, fazendo o diagnóstico de problemas e apresentando propostas para resolvê-los. Um dos problemas identificados foi, precisamente, o da retenção em Portugal dos jovens trabalhadores qualificados. À CNN Portugal, o economista explica que foram identificados vários problemas que "impedem o país de criar valor". No caso do emprego, e apenas para dar um exemplo, Portugal é o 3.º país da UE em termos de medidas de proteção do emprego mas é também o 3.º com mais contratos a termo certo. "Ou seja, temos legislação para proteger o trabalho mas esta é ineficiente, não protege o trabalho. Podemos dizer que estamos a pagar o preço da ineficiência", conclui.

"A retenção de trabalhadores com qualificações e o regresso dos que migraram durante a última crise é também essencial para garantir a oferta adequada de competências num país que enfrenta um enorme desafio demográfico devido ao rápido envelhecimento da população", dizem os autores. "Novos modelos de trabalho, entre os quais o teletrabalho e o trabalho em plataformas, combinados com os ativos naturais do país, trazem novas oportunidades para atrair profissionais estrangeiros qualificados e, se geridos de forma adequada, podem ainda ajudar a atrair trabalhadores para empregos ditos tradicionais. A política migratória é também decisiva — é necessário garantir que esta é desenhada para atrair (e integrar) pessoas com as qualificações de que a economia necessita."

"As remunerações são evidentemente peça basilar – e é verdade que os salários dos trabalhadores mais novos são mais baixos do que a média. Todavia, é importante constatar que os aumentos salariais dos trabalhadores jovens têm sido mais acentuados. Sendo certo que atualmente as gerações mais novas valorizam paralelamente outras questões relacionadas com o salário emocional como o teletrabalho, a majoração dos dias de férias e demais benefícios em termos de flexibilidade laboral", explica Rafael Rocha, da CIP. 

"Os últimos 50 anos refletem um salto extraordinário em termos de educação em Portugal. Hoje temos muitos mais doutorados, licenciados e pessoas com o 12.º ano completo. No entanto, é fundamental que a formação procure responder em tempo útil às necessidades da economia real de modo a que haja um efetivo encontro entre a oferta e a procura. Os currículos têm de ser revistos, repensados e reestruturados – e este trabalho tem de ser feito com a participação das empresas que estão muito interessadas em poder colaborar partilhando o valioso capital informativo que têm nesta área", afirma Rafael Rocha. "O país precisa de licenciados, doutorados e mestres, sim, mas Portugal também carece de profissionais capacitados noutras áreas. A indústria, por exemplo, necessita de pessoas com a formação técnica adequada. Infelizmente, o ensino profissional é, em regra, desvalorizado no nosso país, sendo visto como uma escolha menor. No entanto, ao olharmos para o exemplo alemão percebemos imediatamente a importância que tem para a economia, para a competitividade e para empresas do país. Mas também para abrir uma via de progressão profissional a milhares de jovens todos os anos, colocando-os no caminho de uma profissão diferenciada, mais valorizada e melhor remunerada."

Relacionados

Economia

Mais Economia

Patrocinados