Maria José Morgado: "O mundo é pequeno para os autores de crimes financeiros"

11 dez 2021, 23:47

Procuradora-geral adjunta jubilada acredita que extradição do ex-banqueiro deverá ser consumada. Elogia a PJ, porque "nada se faz sem luta, sem sangue, sem suor, sem combatividade". E explica como se desenrolam as etapas deste tipo de processos

A epopeia da fuga de João Rendeiro parece ter chegado a "um fim de linha" este sábado, como disse em entrevista à CNN Portugal o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves. A procuradora-geral adjunta jubilada, Maria José Morgado - também entrevistada pelo canal - considera que, dada a natureza dos crimes em questão, as probabilidades apontam para que a extradição do ex-banqueiro da África do Sul para Portugal venha a ser efetivada.

A antiga diretora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa classifica a detenção provisória do ex-banqueiro como "o momento alto" de todo o processo em torno do Banco Privado Português (BPP).

“É o momento alto e que foi possível através da cooperação policial internacional. (…) O mundo é pequeno para os autores de crimes económico-financeiros, desde que as autoridades judiciárias e policiais sejam competentes. O mundo é pequeno, muito pequeno”, diz Maria José Morgado.

Maria José Morgado explica que, após consumada a detenção provisória de Rendeiro, as autoridades sul-africanas têm agora de verificar "se há trânsito em julgado, se há uma condenação emitida por um tribunal português válida, se os crimes admitem na legislação sul-africana a extradição, se não há perseguição política e se há direitos humanos a defender".

Morgado salienta que a "questão de fundo da culpa e da medida da pena do processo de julgamento não é discutida no processo de extradição".

A ex-procuradora-geral adjunta realça ainda que, desde os ataques terroristas do 11 de setembro de 2001, a "cooperação internacional tem sido muito reforçada" em crimes de branqueamento de capitais.

É muito problemático para qualquer estado recusar extradições que sejam pedidas pelo crime de branqueamento de capitais. Suscita sempre uma cooperação muito empenhada”, refere Maria José Morgado.

Como serão os próximos dias de João Rendeiro?

Sem querer falar do caso em concreto, Maria José Morgado evidencia que “há uma lei judiciária de extradição internacional, que foi também ratificada pela África do Sul".

Este processo tem, no entanto, duas fases distintas: uma administrativa e outra judicial. O processo de João Rendeiro encontra-se, neste momento, na fase administrativa, e poderá vir a arrastar-se no tempo, perante as futuras decisões das autoridades da África do Sul.

A partir do momento em que foi detido provisoriamente, o ex-banqueiro tem 48 horas para decidir se aceita ou não o pedido de extradição. Perante a resposta, poderá ser imediatamente transportado para Portugal, ou, em caso de recusa, dar início a toda a fase judicial.

A fase judicial do processo pode ainda arrastar-se até um recurso, que poderá ter o prazo taxativo máximo de 80 dias, se Rendeiro for mantido em prisão preventiva. Caso fique em liberdade provisória, os prazos deixam de ter natureza de urgente e o desfecho do processo pode vir a prolongar-se no tempo.

Pode o ex-banqueiro voltar a escapar à justiça?

O processo de extradição de João Rendeiro teve início com "a detenção provisória, que é um pedido cumprido entre polícias - a Interpol, com iniciativa da PJ”. Agora, será necessário que as autoridades sul-africanas avaliem todo o processo formal que precedeu o pedido das autoridades nacionais.

Contudo, Maria José Morgado acredita que será improvável que a África do Sul recuse entregar João Rendeiro para o cumprimento da pena.

“Havendo reciprocidade, havendo legitimidade na emissão dos mandados de captura, havendo preenchimento de todos os requisitos formais, é muito difícil recusar a entrega para cumprimento de pena. Ainda por cima, o processo tem natureza urgente e tem prazos muito curtos. (...) Em termos de juízo legal, os requisitos parecem-me preenchidos”, explica Maria José Morgado.

A antiga procuradora-geral adjunta deixou ainda uma palavra de apreço ao trabalho da PJ e do seu diretor nacional, Luís Neves. Maria José Morgado enaltece a detenção de Rendeiro, classificando-a como "um belo exemplo do que é lutar pelos resultados”,

“Nada se faz sem luta, coisa que foi demonstrada hoje pelo diretor nacional da PJ. Nada se faz sem luta, sem sangue, sem suor, sem combatividade, sem falta de conformismo… Tem de lutar-se pelas coisas e a PJ deu um belo exemplo do que é lutar pelos resultados”, culmina.

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