Não há casas a menos, mas pessoas a menos num país em declínio populacional. As "akiya" - casas abandonadas - já existem nas grandes cidades. são nove milhões - tantas quanto, sensivelmente, o número de portugueses que têm 15 anos ou mais.
O número de casas devolutas no Japão atingiu um recorde de nove milhões - mais do que o suficiente para cada pessoa na cidade de Nova Iorque [ou uma casa por cada português com mais de 15 anos] -, à medida que o país do leste asiático continua a debater-se com a sua população em constante declínio.
As casas abandonadas são conhecidas no Japão como "akiya" - um termo que normalmente se refere a casas residenciais abandonadas, escondidas em zonas rurais.
Mas há cada vez mais akiya nas grandes cidades, como Tóquio e Quioto, o que constitui um problema para um governo que já está a braços com o envelhecimento da população e com uma queda alarmante do número de crianças nascidas por ano.
"Este é um sintoma do declínio da população japonesa", afirma Jeffrey Hall, professor na Universidade de Estudos Internacionais de Kanda, em Chiba. "Não se trata realmente de um problema de construção de demasiadas casas", mas sim de "um problema de falta de pessoas suficientes", afirmou.
De acordo com os números compilados pelo Ministério dos Assuntos Internos e Comunicações, 14% de todas as propriedades residenciais no Japão estão vazias.
Os números incluem as segundas habitações e as que ficaram vazias por outras razões, incluindo as propriedades temporariamente desocupadas enquanto os seus proprietários trabalham no estrangeiro.
Nem todos são abandonados à ruína, como os tradicionais akiya, cujo número crescente apresenta uma série de outros problemas para o governo e para as comunidades, segundo disseram os especialistas à CNN.
Estes problemas incluem a tentativa de rejuvenescer as cidades em decadência, tornando-se potenciais perigos devido à falta de manutenção e aumentando os riscos para os socorristas em caso de catástrofe num país propenso a terramotos e tsunamis.
O problema do excesso de casas
As akiya são frequentemente transmitidas de geração em geração. Mas, com a queda da taxa de fertilidade no Japão, muitas ficam sem herdeiros ou são herdadas por gerações mais novas que se mudaram para as cidades e não vêem qualquer interesse em regressar às zonas rurais, explicam especialistas à CNN.
Algumas casas são também deixadas no limbo administrativo porque as autoridades locais não sabem quem são os proprietários devido a uma má manutenção de registos, acrescentam.
Isto torna difícil para o governo rejuvenescer as comunidades rurais que estão a envelhecer rapidamente, dificultando os esforços para atrair jovens interessados num estilo de vida alternativo ou investidores à procura de uma pechincha.
Seguindo os estímulos das políticas fiscais japonesas, alguns proprietários acham muitas vezes mais barato manter a casa do que demoli-la para remodelação.
E mesmo que os proprietários queiram vender, podem ter dificuldade em encontrar compradores, diz Hall, da Universidade de Kanda.
"Muitas destas casas estão isoladas do acesso aos transportes públicos, aos cuidados de saúde e até mesmo às lojas de conveniência", afirma.
Nos últimos anos, os vídeos de tendências que mostram pessoas - sobretudo estrangeiros - a comprar casas japonesas baratas e a transformá-las em elegantes pensões e cafés ganharam muitos seguidores nas redes sociais, mas Hall adverte que isso não é tão fácil como parece.
"A verdade é que a maior parte destas casas não vai ser vendida a estrangeiros, ou que a quantidade de trabalho administrativo e as regras subjacentes não são fáceis para alguém que não fala japonês e não lê japonês muito bem", explica.
"Não vão conseguir comprar estas casas a baixo preço".
Muito pouca gente
A população do Japão está em declínio há vários anos - na última contagem em 2022, a população tinha diminuído em mais de 800 mil desde o ano anterior, para 125,4 milhões.
Em 2023, o número de novos nascimentos diminuiu pelo oitavo ano consecutivo, atingindo um mínimo histórico, de acordo com dados oficiais.
A taxa de natalidade do Japão tem oscilado em torno de 1,3 durante anos, longe dos 2,1 necessários para manter uma população estável, e ainda na semana passada o Ministério dos Assuntos Internos e Comunicações do Japão disse que o número de crianças com menos de 15 anos tinha caído pelo 43º ano consecutivo para um mínimo recorde de cerca de 14 milhões.
Tudo isto significa que o problema do número excessivo de casas e do número insuficiente de pessoas deverá manter-se durante algum tempo.
Yuki Akiyama, professor da faculdade de arquitetura e design urbano da Universidade da Cidade de Tóquio, afirma que as casas vazias já causaram problemas no passado, por exemplo após o terramoto de magnitude 7,5 que atingiu a Península de Noto, na província central de Ishikawa, em janeiro.
A área onde ocorreu o terramoto estava repleta de akiya, diz, que representaram um perigo para os residentes durante a catástrofe e desafios para a reconstrução após o terramoto.
"Quando ocorre um terramoto ou um tsunami, é possível que as casas vazias bloqueiem as rotas de evacuação, uma vez que se avariam e são destruídas", afirma.
Após o terramoto, as autoridades tiveram dificuldade em decidir quais as propriedades danificadas que podiam limpar devido à falta de clareza quanto à sua propriedade, o que constituiu "um obstáculo à reconstrução", conta Akiyama.
Noutras zonas rurais com uma elevada concentração de casas devolutas, os akiya impediram o desenvolvimento, acrescenta o professor.
Se essas propriedades permanecerem intocadas, o valor da área será reduzido, porque é um lugar onde não se pode comprar e vender adequadamente e não se pode fazer um desenvolvimento em grande escala.
"As pessoas vão pensar que este sítio não tem valor e o valor imobiliário de toda a zona vai diminuir gradualmente."
Akiyama concebeu um programa de IA [inteligência atificial] para prever as zonas mais vulneráveis ao akiya, mas sublinha que o problema não é exclusivo do Japão - tem sido observado nos EUA e em alguns países da Europa.
No entanto, afirma que a história e a cultura arquitetónica do Japão tornaram a situação particularmente grave.
No Japão, as casas não são valorizadas pela sua longevidade e, ao contrário do que acontece no Ocidente, as pessoas valorizam viver em edifícios históricos.
"No Japão, quanto mais recente é a casa, mais alto é o preço de venda", afirma.
Foto no topo: ervas daninhas e videiras crescem à volta de uma casa abandonada em Okuma, no Japão. Yuichi Yamazaki/Getty Images